Logotipo Afya
Anúncio
Neurologia14 agosto 2024

Como manejar insônia na prática clínica

Confira quais drogas e terapias utilizar no manejo desta condição.
Por Danielle Calil

A insônia é caracterizada pela insatisfação na qualidade ou na duração do sono aliada à
dificuldade de sua indução ou manutenção. Geralmente é considerado um distúrbio do sono
quando ocorre pelo menos três vezes na semana, persistindo por mais de três meses, não sendo
resultado de oportunidades inadequadas do sono.

Frequentemente está associada a outras condições clínicas como dor crônica, transtornos
psiquiátricos e outros distúrbios de sono (como apneia do sono, síndrome de pernas inquietas,
etc.).

Em 2024, a New England Journal of Medicine publica revisão sobre o tema, de modo que
seja resgatado conceitos importantes sobre o seu manejo, auxiliando o clínico geral na abordagem
desse sintoma tão prevalente.

Acessando elementos-chave em história clínica

O acesso e o diagnóstico de insônia dependem de coleta cuidadosa da história clínica, seja
na rotina de sono e na busca por condições contribuintes. Uma avaliação de 24 horas do
comportamento de sono-vigília possibilita identificar alvos comportamentais e ambientais para
justificativas desse transtorno e, consequente, intervenção.

Alguns elementos-chave nessa história clínica são:
• Rotina de sono: traçar a rotina de despertar, cochilos e hora de dormir.
• Busca de efeitos da insônia durante o dia, principalmente se há interferência em atividades
diárias.
• Busca de outros transtornos do sono que possam produzir insônia, como síndrome de pernas
inquietas e apneia do sono.
• Identificação de potenciais distúrbios psiquiátricos.
• Busca de fatores ambientais: ambiente do quarto (em termos de barulho, luminosidade,
temperatura), higiene do sono (consumo de álcool, café, nicotina).
• Acesso a tratamentos para insônia pregressos e desfechos.

Terapia cognitivo-comportamental: uma abordagem essencial

A terapia cognitiva comportamental para insônia (CBT-I) é uma das atuais opções
terapêuticas para essa condição, ainda que haja poucos terapeutas treinados adequadamente
para tal. É terapia que envolve uma combinação de estratégias com alvo em alterar práticas
comportamentais e fatores psicológicos que possam contribuir para a insônia.
Os componentes principais para CBT-I incluem:

• Estratégias comportamentais de rotina de sono: ir para a cama apenas quando apresentar
sonolência, sair da cama caso não consiga induzir adequadamente o sono, utilizar o quarto apenas
para dormir e atividade sexual (evitar leituras, refeições e assistir televisão nesse ambiente),
despertar no mesmo horário pela manhã, evitar cochilos durante o dia.
• Métodos de relaxamento: são procedimentos de relaxamento que reduzem tensão muscular e
pensamentos intrusivos que interfiram no sono.
• Intervenções psicológicas e cognitivas com alvo em mudar crenças e preocupações excessivas
sobre a própria insônia.
• Educação sobre higiene de sono: importância sobre atividade física durante o dia, evitar
consumo de café ou chá preto à noite, ajustar fatores ambientais à noite (focar em ambiente
silencioso, escuro e com temperatura mais fria).

A CBT-I é terapia que deve ser prescrita, focada em resolução de problemas associados ao
sono. Tipicamente é guiada por psicólogo em contexto de quatro a oito atendimentos. Em
metanálises de ensaios clínicos com CBT-I, foi observado que a intervenção proporcionou melhora
na gravidade dos sintomas de insônia (tamanho de efeito 0.98, IC95% 0.82-1.15), latência do sono
(tamanho de efeito 0.57, IC95% 0.50-0.65), e duração de vigília após início do sono (tamanho de
efeito 0.63, IC95% 0.53-0.73) – sendo considerado tamanho de efeito de 0.5 como “moderado” e
0.8 “grande”.

Recursos digitais de CBT-I têm ganhado popularidade nas últimas décadas considerando a
lacuna importante entre demanda e acesso. Alguns aplicativos como o SHUTi e Sleepio, inclusive,
publicaram algumas evidências que corroboram sua eficácia. Em metanálise de 11 ensaios clínicos
randomizados com 1460 participantes que testaram CBT-I web-based apresentaram efeito
positivo em desfechos de sono como gravidade de insônia, eficiência de sono, qualidade subjetiva
do sono, duração de vigília após início do sono, latência de sono, tempo total de sono e número de
despertares noturnos, nos quais apresentaram tamanhos de efeito variando entre 0.21 e 1.09.

Drogas para sono. Quais prescrever e quais evitar?

São escassas as evidências de drogas para terapia de insônia considerando eficácia de
longo prazo e perfis de eventos adversos. Algumas classes de medicamentos utilizadas para
insônia são descritas a seguir.
• Hipnóticos agonistas receptores de benzodiazepínicos: Esse grupo é composto por
benzodiazepínicos e não-benzodiazepínicos (conhecidos também como Drogas Z). Ambas, ainda
que distintas em estruturas químicas, são moduladoras alostéricas de sítios receptores ao GABA-A
e, logo, possuem similares mecanismos de ação e efeitos adversos. Ensaios clínicos e metanálises
demonstram eficácia desse grupo em reduzir latência de sono, despertar noturno e tempo total de
sono.

Entretanto, é importante ressaltar efeitos adversos como amnésia anterógrada, sonolência
diurna, alterações comportamentais complexas do sono (esse último bem descrito para drogas Z,
como zolpidem, zaleplon e eszopiclona). Além disso, o desenvolvimento de tolerância à droga e
dependência fisiológica marcada como insônia de rebote e síndrome de descontinuação ocorre
em 20-50% dos pacientes que fazem uso diário desses medicamentos.

• Drogas heterocíclicas sedativas: Antidepressivos sedativos como tricíclicos e drogas
heterocíclicas (ex.: mirtazapina, trazodona) são frequentemente prescritas para insônia. Ainda
assim, nessa classe, apenas a doxepina na dose de 3-6mg/noite é aprovada pelo FDA para insônia.

É observado uma preferência, por parte dos clínicos e de pacientes, na prescrição dessa classe ao
considerar os efeitos adversos leves em baixas doses e na avaliação de eficácia em termos de
experiência clínica. Outras drogas heterocíclicas sedativas utilizadas são os antipsicóticos (ex.:
quetiapina e olanzapina) embora seja ressaltado que o risco dessas drogas em termos
cardiovasculares e metabólicos possam se sobrepor ao benefício – exceto para pacientes com
transtornos psiquiátricos concomitante.

• Antagonistas receptores de orexina: Neurônios com orexina no hipotálamo estimulam
processo de vigília no tronco encefálico e inibem núcleos relacionados ao processo de sono. Os
antagonistas desses receptores, portanto, pertencem à classe com três drogas aprovadas pelo FDA
para tratamento de insônia: suvorexant, lemborexant e daridorexant. Os efeitos colaterais mais
comuns incluem sedação, fadiga, sonhos anormais. É importante destacar que essa classe é
contraindicada para pacientes com narcolepsia em virtude de sua fisiopatologia apresentar uma
deficiência endógena de orexina.

• Agonistas receptores de melatonina e melatonina: A melatonina é hormônio produzido na
pineal secretado à noite de modo endógeno. A prescrição de melatonina exógena possibilita um
nível sérico suprafisiológico. Ensaios clínicos controlados envolvendo adultos demonstram efeito
pequeno dessa medicação sobre início do sono, com pouco efeito de no tempo total de sono.
Drogas que se ligam a receptores MT1 e MT2 são aprovados para insônia de latência (ramelteon) e
de transtorno do ritmo circadiano (tasimelteon), ainda que possuam pequeno efeito no tempo
total de sono. Os eventos adversos mais comuns relatados são sonolência e fadiga.

• Outros agentes: Medicamentos anti-histamínicos são considerados também para insônia,
embora evidências que comprovem sua eficácia sejam frágeis. Essa classe, inclusive, pode gerar
sonolência excessiva e efeitos anticolinérgicos. Gabapentinóides é outra potencial classe,
comumente usados para tratamento de dor crônica, com atuação interessante para casos com
insônia e dor concomitantes, nos quais os efeitos colaterais mais comuns são sonolência, tonteira
e ataxia. Canabióides são classe ainda com qualidade de evidência baixa para corroborar eficácia
dessa droga em insônia, sendo importante destacar que a variância nas preparações derivadas de
cannabis são importantes (ex.: CBD pode proporcionar alerta em baixas doses e sedação em altas
doses; enquanto, por outro lado, o THC possui efeitos opostos).

Considerando as drogas de uso para insônia, selecionar o medicamento hipnótico não é
uma tarefa simples. As drogas acima descritas podem ser opções razoáveis em diferentes cenários.

Considerando os Critérios de Beers, um idoso com insônia, por exemplo, é recomendado evitar
agonistas receptores de benzodiazepínicos e drogas heterocíclicas (mesmo não incluindo
medicamentos como doxepina, trazodona ou antagonistas de orexina).

Particularmente o uso prolongado de agonistas receptores de benzodiazepínico pode
proporcionar o desenvolvimento de dependência farmacológica em alguns pacientes. Nessa
circunstância, uma rotina sistemática de desmame da droga (ex.: 25% da dose por semana) pode
auxiliar na descontinuação do seu uso após longo prazo.

Recomendações de diretrizes e considerações finais

A terapia de primeira linha endossada nos guidelines mais recentes consiste, de fato, na
CBT-I e, posteriormente, como terapia adjuvante, os medicamentos. Entre as drogas potenciais, os
guidelines realizam fraca recomendação com evidência de qualidade moderada para drogas
hipnóticas aprovadas pelo FDA (agonistas receptor benzodiazepínico, doxepina e antagonistas de
orexina) e evidência de qualidade fraca contra o uso de outros agentes como drogas heterocíclicas
(como trazodona e agentes antipsicóticos).

 

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo