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Neurologia16 agosto 2016

Como diagnosticar encefalites auto-imunes?

Quando um quadro comatoso não se esclarece após extensa investigação, surge uma lista de diagnósticos diferenciais desafiadores.

Por Henrique Cal

Rebaixamento do nível de consciência (RNC) é um daqueles “temas de sempre” de quem trabalha com situações médicas agudas. Muitas vezes, a causa surge com facilidade: uma TC revelando hematoma cerebral volumoso, uma hiponatremia em idoso, meningite bacteriana que aparece no LCR, etc. No entanto, quando um quadro comatoso não se esclarece após extensa investigação, surge uma lista de diagnósticos diferenciais desafiadores.

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Dentre essas etiologias estão as encefalites, que mais frequentemente são de etiologia infecciosa e cursam com achados bem conhecidos – febre, pleicitose no líquor, alguns achados na RM e no EEG. Por outro lado, as chamadas Encefalites auto-imunes (EAI) podem não ter nenhuma dessas características: no geral, são quadros de instalação subaguda incluindo muitas vezes RNC, sintomas psiquiátricos e outros sinais neurológicos diversos, acometendo pacientes imunocompetentes, sejam jovens ou idosos.

As EAI possuem autoanticorpos muito específicos (como anti-Hu e anti-GAD para encefalite límbica, anti-Ri para opsoclônus-mioclônus, anti-GQ1B para Encefalite de Bickerstaff, etc) e em alguns pacientes podem estar relacionadas a tumores (paraneoplasias), inclusive os antecedendo até em anos. De qualquer modo, sempre são um desafio diagnóstico e terapêutico, tanto porque necessita de experiência com essas condições, como porque em muitos locais os anticorpos não estão disponíveis para dosagem.

Por isso, uma equipe de neurologistas internacionais especializados neste assunto resolveu facilitar a vida dos clínicos. Num artigo recente da Lancet Neurology, propuseram os critérios básicos para ter um mínimo de certeza diagnóstica acerca de quatro dos tipos mais comuns de EAI, a fim de auxiliar a conduta na prática. Sem dúvida, os anticorpos são úteis para confirmar o diagnóstico e esclarecer casos atípicos; mas também é verdade que nem sempre seus títulos correspondem à tipicidade do quadro nem ao momento da sua instalação. Assim, propuseram uma propedêutica, baseada apenas em ferramentas mais acessíveis, como RM, LCR e Eletroencefalograma (EEG).

Do que estamos falando?

Devemos suspeitar de uma EAI, independente do tipo, quando um paciente apresentar basicamente 2 características, após exclusão de hipóteses alternativas:

1) Instalação subaguda de: déficit de memória de trabalho (curto prazo); ou sintomas psiquiátricos (por exemplo, alteração de humor marcante); ou alteração do estado mental (RNC ou alteração de personalidade).

2) E pelo menos um dos seguinte achados:

  •  déficit neurológico focal novo (por exemplo, paresia, perda visual, etc);
  • evento epiléptico novo, seja crise convulsiva motora ou crises não motoras com ruptura de contato;
  • LCR com pleiocitose (> 5 leucócitos);
  • ou RM sugestiva de encefalite (hiperintensidade na sequência FLAIR em lobo temporal ou múltiplas áreas compatíveis com desmielinização/inflamação em substância cinzenta e/ou branca).

Como o nosso objetivo é usar dados clínicos e para-clínicos, optamos por não listar todos os autoanticorpos específicos de cada uma dessas encefalites, mas eles podem ser facilmente encontrados na bibliografia (no final do artigo), onde também pode ser encontrado uma ampla lista de diagnósticos diferenciais, bem como as neoplasias mais classicamente relacionados.

Sendo um tema complexo, os autores decidiram focar nas condições que envolvam quadros de encefalopatia subagudas associadas à alterações de memória e/ou psiquiátricas em adultos. Entidades autoimunes que não incluam essas características foram deixadas de lado (como encefalite de Rasmussen e doença de Creutzfeldt-Jakob), bem como situações mais comuns em pediatria (que frequentemente incluem outras hipóteses, como doenças mitocondriais, genéticas e erros inatos do metabolismo).

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Assim, as seguintes EAI podem ser clinicamente identificáveis:

1) Encefalite anti-NMDA: uma das mais frequentes, podendo ocorrer em qualquer idade, com preferência pelo sexo feminino e, quando associado a neoplasias, os tumores mais comuns são teratoma de ovário e CA de pulmão pequenas células.

2) ADEM (encefalomielite disseminada aguda): encefalopatia que ocorre tipicamente após infecção ou vacinação (não obrigatório), em crianças ou adultos jovens, podendo haver déficits focais múltiplos (hemiparesia, alteração de nervos cranianos, mielopatia ou incoordenação).

3) Encefalite de tronco de Bickerstaff: costuma ser monofásico e de bom prognóstico. Pode haver paresia generalizada, paralisia bulbar, paralisia facial bilateral, sinal de Babinski e alteração pupilar.

4) Encefalite límbica: inflamação envolvendo classicamente amígdala e hipocampo uni/bilateralmente, podendo estar associado neoplasias em 50% dos casos (em grande parte, CA de pulmão tipo pequenas células).

Os critérios para identificá-las são:

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Apesar das controvérsias nosológicas acerca da Encefalopatia de Hashimoto, os autores também propõem critérios para esta entidade. No entanto, neste caso pedem que sejam dosados sim os auto-anticorpos específicos das outras quatro EAI mencionadas acima neste texto, a fim de que Hashimoto seja de fato um diagnóstico de exclusão. Apesar de um aspecto clássico ser a boa resposta a corticoterapia, apenas os seguintes critérios foram propostos (todos obrigatórios):

  • Encefalopatia com alucinação, eventos epilépticos, mioclonias ou déficits focais (“stroke-like episodes”);
  • Doença tireoideana leve/subclínica com presença de anticorpos (anti-TPO ou antitireoglobulina);
  • RM normal ou achados inespecíficos.

O que fazer, na prática?

Abordagem diagnóstica básica:

  • Afastar hipóteses mais frequentes: causas infeciosas, cerebrovasculares, encefalopatia séptica ou metabólica, intoxicação exógena ou medicamentosa, desordens epilépticas, quadros reumatológicas e neoplasias intracranianas;
  • Hepatograma, eletrólitos, HIV, VDRL;
  • LCR básico, com investigação para as principais infecções (VZV, HSV, HHV 6/7 etc) e para quadros imunes (bandas oligoclonais e índice de IgG); no Brasil, avaliar investigação para arboviroses (dengue, zika, chikungunia);
  • RM encéfalo, RX tórax;
  • EEG.

Caso esta abordagem não permita encaixar um paciente em nenhum desses critérios propostos, pode-se considerá-lo como “provável EAI”.

Embora não seja o objetivo deste artigo focar no tratamento, algumas diretrizes gerais podem ser traçadas:

  • Suporte: garantir via aérea em caso de RNC importante, bem como em eventuais instabilidades hemodinâmicas/ventilatórias; atentar para possível edema cerebral (tratado com salina ou manitol) E status convulsivo (protocolo específico de anticonvulsivantes);
  • Sendo forte a suspeita de EAI, pode-se aplicar imunoterapias de praxe (pulsoterapia com metilprednisolona, plasmaférese ou imunoglobulina venosa), o que pode variar dependendo de cada etiologia; como segunda linha, em casos refratários costuma-se usar rituximabe ou ciclofosfamida;
  • Caso investigação mostre neoplasia associada, o tumor deve ser retirado, o que é importante etapa no caminho de um melhor prognóstico.

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Referências bibliográficas:

  • Graus et al. A clinical approach to diagnosis of autoimmune encephalitis. Lancet Neurol 2016; 15: 391–404
  • Venkatesan et al.Diagnosis and management of acute encephalitis: A practical approach. Neurol Clin Pract 2014;4;206-215
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