Coma por intoxicação: Como suspeitar? Como proceder?
Quadros suspeitos de intoxicação exógena aguda – voluntárias ou não – são sempre desafiadores, porque a anamnese nem sempre é clara e a lista de diagnósticos diferenciais é extensa.
Quadros suspeitos de intoxicação exógena aguda – voluntárias ou não – são sempre desafiadores, porque a anamnese nem sempre é clara e a lista de diagnósticos diferenciais é extensa. São frequentes sintomas neurológicos inespecíficos, como rebaixamento de consciência, confusão mental, alucinações, agitação e alguns sintomas motores (tremor, asterix, mioclonia, ataxia, rigidez); mas, geralmente, o neurologista é chamado quando há crise convulsiva ou coma.
As síndromes toxicológicas clássicas estão resumidas na tabela abaixo; no entanto, frequentemente elas não se apresentam “puras”, e sim mescladas (até porque em muitos casos mais de um agente tóxico foi usado). De qualquer modo, são alternativas a serem lembradas em casos atípicos quando alguns outros diagnósticos mais simples (sepse, excesso de sedação) são pouco prováveis.
Síndromes toxicológicas clássicas: |
Coma ou RNC |
Delirium / confusão |
ilusões / aluc. |
pupila |
PA |
FC |
Tax |
diaforese |
Outros achados |
Sínd. Anticolinérgica (ADT; anti-histamínicos; anti-parkinsonianos; antipsicóticos; alguns cogumelos) |
X |
X |
↑ |
↑ |
↑ | retenção urinária; pele e mucosas quentes e secas | |||
Sínd. Colinérgica
(Inseticidas organofosforados; piridostigmina; alguns cogumelos) |
X |
↓ |
↓ |
X | fraqueza e fasciculações ; incontinência urinária; salivação, lacrimejamento; Diarréia, cólicas | ||||
Sínd. Simpatética
(Cocaína; anfetaminas; descongestionantes; teofilina) |
X |
↑ |
↑ |
↑ |
↑ |
X | Hiperreflexia ou clônus; piloereção | ||
Sínd. Serotoninérgica
(ISRS, venlafaxina, trazodona, buspirona; IMAO; valproato; opiáceos; triptanos; metoclopramida; lítio; linezolida; LSD, ecstasy.) |
X |
X |
↑ |
↑ |
↑ |
X | Hiperreflexia ou clônus (mais em MMII); mioclonia; rigidez (principalmente em MMII); tremor / asterixis / acatisia Diarréia, cólicas; flushing. | ||
Intox. Etanol
(Etanol e derivados) |
X |
X |
↑↓ |
↑ | tremor / asterixis / acatisia. arritmias; ataxia; vômitos. Em casos atípicos, pode haver também: acidose com gap osmolar, perda visual (metanol) e IRA (etilenoglicol) | ||||
Intox. Opiáceos |
X |
X |
↓ |
↓ |
↓ |
↓ | hipoventilação; íleo paralítico |
Legenda: Aluc.- alucinações; RNC- Rebaixamento do nível de consciência; PA- pressão arterial; FC- frequência cardíaca; Tax- temperatura axilar; ADT- antidepressivo tricíclico; ISRS- inibidor seletivo da receptação de serotonina; IMAO- inibidor da monoamina oxidase. “x”- achado frequente / possível ; ↑ – aumentado (midríase, no caso da pupila); ↓ – diminuído (miose, no caso da pupila)
Causas toxicológicas comuns de coma: |
Causas toxicológicas comuns de convulsões: |
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FLUXOGRAMA MÍNIMO:
O manejo de um paciente com suspeita de coma por intoxicação poderia incluir os seguintes passos:
1) Suporte geral: reposição volêmica, caso hipotensão; garantir ventilação; colher exames laboratoriais básicos, idealmente incluindo screening toxicológico.
2) Caso haja hipoglicemia -> dextrose 50% e tiamina.
3) Caso haja evidência de intoxicação recente ou ameaçadora de vida -> lavagem gástrica
4) Carvão ativado 50-100g
5) Considerar Naloxone 0,4-0,8mg IV
6) Considerar Flumazenil – 0,2mg IV
7) Internação em UTI.
TRATAMENTOS POSSÍVEIS: | ||||
Intoxicação por: |
Carvão ativado |
Diálise |
Hemoperfusão |
Antídoto específico: |
salicilatos |
X |
x | ||
Quinino |
X | |||
Fenobarbital |
X | |||
Carbamazepina |
X |
x | ||
Valproato |
X | |||
Fenitoína |
X | |||
Diazepam |
X |
flumazenil | ||
Digoxina |
X |
X |
Anticorpos específicos | |
teofilina |
X |
X | ||
Álcoois |
X | |||
Barbitúricos |
X |
X | ||
Anfetamina |
X | |||
IMAO |
X | |||
Betabloqueador |
X |
Glucagon | ||
Lítio |
X | |||
Arsênico |
X |
dimercaprol | ||
chumbo |
X | |||
acetaminofeno |
X |
Acetilcisteína | ||
Organofosforados |
X |
atropina/pralidoxima | ||
Quinidina |
X | |||
Metotrexato |
X | |||
Opiáceos |
Naloxone | |||
Cianeto |
Amil nitrato | |||
Monóxido de carbono |
Oxigênio hiperbárico? | |||
metemoglobinemia |
Azul de metileno | |||
Mercúrio |
n-acetilpenicilamina | |||
cobre |
penicilamina | |||
Ifosfamida (quimioterápico) |
Azul de metileno |
LEMBRETES PRÁTICOS:
Dentre os diversos algoritmos e diretrizes propostas para intoxicações, alguns pontos devem ser considerados:
– Não hesite em solicitar EEG (eletroencefalograma), pois muitas vezes um quadro de status epiléptico não convulsivo pode ser confundido com rebaixamento de consciência.
– Flumazenil pode diminuir o limiar convulsivo; por isso, deve ser evitado em casos suspeitos de convulsão ou condições epileptogênicas.
– Naloxone e Flumazenil atuam rapidamente; logo, se não houver resposta a eles em pouco tempo, deve-se aventar outras hipóteses diagnósticas. Além disso, estes antídotos são úteis para provar que o diagnóstico se trata de uma intoxicação, mas não eliminam a droga correspondente do organismo; logo, não resolvem o problema de maneira definitiva.
– Cautela quando se cogitar extubar um paciente intubado que parece ter evoluído mais, pois pode se tratar de mera flutuação do quadro e ele logo voltar a rebaixar o nível de consciência.
Por último, quando for incluir alguns dos medicamentos citados acima em sua receita médica, é interessante alertar o paciente e familiares sobre o eventual surgimento de alguns destes sintomas.
Referências:
- Wijdicks e Rabinstein, “Neurocritical Care” – Oxford University Press, 2012
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