Cetamina ou ECT no tratamento de depressão não psicótica resistente ao tratamento?
A ECT e a cetamina são usadas para depressão resistente ao tratamento, mas a eficácia comparativa dos dois tratamentos permanece incerta.
Eletroconsulsoterapia (ECT) é sabidamente uma das estratégias mais efetivas para tratamento de depressão resistente, a despeito das preocupações sobre comprometimento cognitivo. Nas últimas décadas o uso de cetamina intravenosa em doses subanestésicas tem mostrado um rápido efeito antidepressivo, sendo uma alternativa interessante por dispensar sedação e não comprometer a memória. Não obstante, há um risco de uso abusivo da substância e graças ao seu potencial dissociativo, costuma-se evitar o uso em pacientes com sintomas psicóticos.
A depressão é uma das maiores causas de incapacidade no mundo e o tratamento antidepressivo não é suficientemente eficaz em até um terço dos pacientes. Falamos de depressão resistente ao tratamento quando dois ou mais antidepressivos foram utilizados em tempo e dose adequados sem que houvesse resposta.
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Méotdos
Anand e colaboradores1 conduziram um ensaio clínico aberto, randomizado, de não inferioridade entre ECT e cetamina venosa para tratamento de depressão resistente. Durante as três semanas iniciais de tratamento os pacientes fizeram ECT três vezes na semana e receberam cetamina na dose de 0,5 mg/kg duas vezes por semana. O desfecho primário foi resposta ao tratamento (redução em ≥ 50% na pontuação do 16-item Quick Inventory of Depressive Symptomatology–Self-Report (QIDS-SR-16). Os desfechos secundários foram escores em testes de memória e qualidade de vida. Os pacientes que responderam ao tratamento inicial foram seguidos por 6 meses, durante os quais estavam recebendo o tratamento recomendado pelos seus médicos assistentes.
Pacientes que possuíam entre 21 e 75 anos, encaminhados por seus médicos para realização de ECT, com critérios diagnósticos para depressão resistente moderada a grave sem características psicóticas foram recrutados para o estudo.
Ao todo, 403 pacientes foram randomizados, sendo que 38 saíram do estudo antes de começar o tratamento, resultando em 195 pacientes no grupo cetamina e 170 pacientes no grupo ECT. Entre os 403 pacientes, a média de idade foi de 46 anos, 51,1% eram mulheres e 88,1% brancos. A maioria eram pacientes ambulatoriais (89,1%). A duração média do episódio depressivo atual foi dois anos. Trinta e nove porcento dos pacientes tinham tentativas de suicídio prévias.
Resultados
Cento e oito dos 195 pacientes (55,4%) responderam a cetamina e 70 dos 170 pacientes (41,2%) responderam ao ECT de acordo com o QIDS-SR-16. Usando MADRS, 99 dos 195 (50,8%) responderam a cetamina e 70 dos 169 (41,1%) responderam ao ECT. 63 de 195 (32,3%) pacientes obtiveram remissão com cetamina e 34 de 170 (205) ao ECT, usando o QIDS-SR-16. De acordo com o MADRS, ocorreu remissão em 74 dos 195 (37,9%) dos pacientes usando cetamina e 37 de 170 (21,8%) dos pacientes do grupo ECT.
Esses dados evidenciam a não inferioridade da cetamina ao ECT no que diz respeito a resposta ao tratamento.
O número de sessões não diferiu substancialmente entre os pacientes que responderam e aqueles que não responderam.
Durante o seguimento, houve recaída no 1º mês de 19% dos pacientes do grupo cetamina e 35,4% do grupo ECT, no 3º mês de 25% e 50,9%, respectivamente e no 6º mês de 34,5% e 56,3%, respectivamente.
Houve um declínio maior em testes de memória nos pacientes do grupo ECT no final do tratamento, mas ao término do primeiro mês de seguimento o desempenho foi igual em ambos os grupos. Houve melhora da qualidade de vida imediatamente após o tratamento de fase aguda, melhora que foi mantida durante o seguimento.
Conclusão
Os resultados deste estudo diferem dos achados de um ensaio clínico europeu (KetECT)2 e de uma revisão sistemática com metanálise também publicada no ano passado3. Além disso, a porcentagem de pacientes que tiveram remissão com o uso de ECT foi menor que em outros trabalhos. Uma hipótese para tal achado é o fato do ECT ter sido inicialmente administrado de forma unilateral – o esquema foi alterado para bilateral no curso do estudo em 39% dos casos e o número de sessões administradas (6-9 sessões). A despeito de não haver um número padrão de sessões para o ECT, a literatura de modo geral sugere 6-12 sessões para o tratamento de fase aguda.
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Mensagem prática
Esse estudo evidenciou a não inferioridade da cetamina ao ECT no que diz respeito a resposta ao tratamento, o que difere de achados de outros trabalhos recentemente publicados abordando a mesma temática.
O comprometimento de memória atrelado à realização do ECT tende a melhorar no curso do seguimento.
A melhora da qualidade de vida com ambos os tratamentos parece se sustentar ao longo do seguimento.
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