Cannabis e epilepsia fármaco-resistente: possibilidade terapêutica
Saiba mais sobre os estudos sobre canabidiol e as terapias que podem melhorar a vida de pacientes com epilepsia.
A epilepsia é uma desordem neurológica – ou um conjunto de – caracterizada por uma disfunção cerebral devido à atividade neuronal anormal excessiva ou sincrônica no cérebro. Como sinal e sintoma há ocorrência consequente de crises convulsivas em suas mais diversas apresentações 1. Estima-se que cerca de 5 milhões de pacientes vivam com a epilepsia, com considerável impacto social, psicológico e econômico2,3. A despeito do considerável número de medicações anticonvulsivantes, o tratamento e a abordagem desses pacientes ainda é desafiador: a demanda de cuidados multi e interdisciplinares bem como a terapia medicamentosa são pilares fundamentais no bom controle e seguimento desses pacientes4.
Os derivados da cannabis são conhecidos como fitocanabinoides, e dentre eles os de maiores relevância na prática clínica são o CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabidiol). Além disso, há ainda a produção endógena de substâncias conhecidas como endocanabinoides (destacam-se anandamida e 2-araquidonil glicerol), que também possuem ações diversas a nível de SNC5,6. O sistema endocanabinoide compreende um complexo de ligantes e receptores e tem um papel fundamental no funcionamento neuronal, e seus receptores CB1 e CB2 são amplamente distribuídos pelo corpo humano, o que contribui com uma gama diversa de potenciais terapêuticos já estudados, dentre eles os potenciais anticonvulsivantes7. Os mecanismos fisiopatológicos acerca do potencial anticonvulsivante dos canabinoides ainda não estão totalmente elucidados, e diversas vias de sinalização celular estão envolvidas nesse processo8. Vias GABA e glutamatérgicas, conhecidas por estarem envolvidas na regulação excitatória e susceptibilidade a convulsões, estão também ligadas ao sistema endocanabinoide. Ademais, também estariam envolvidas as vias de regulação do cálcio (através de receptores acoplados a proteína G e receptores da família vanilóide – como TRPV1). Por fim, o efeito anti-inflamatório do canabidiol na via de sinalização da adenosina e TNF-alfa também estaria envolvido no potencial antiepileptogênico da substância9,10.
Ainda com tratamento desafiador, algumas síndromes se destacaram com o uso da cannabis. Inicialmente, relatos de casos e ensaios clínicos apresentavam limitações, contudo, a partir de 2017, foram feitos novos ensaios clínicos randomizados e controlados definindo a eficácia e segurança do uso do CBD para crises convulsivas na Síndrome de Lennox-Gastaut, Síndrome de Dravet e Esclerose Tuberosa11-13. Esses estudos motivaram o FDA e EMA – órgãos regulamentadores norte-americano e europeu respectivamente – na aprovação do canabidiol14,15 como medicação add-on no controle de crises convulsivas refratárias nessas patologias. Em outras formas de crises convulsivas fármaco-resistentes, os estudos ainda são limitados, contudo com possibilidade e plausibilidade do uso do CBD.
Dessa forma, os resultados nessas patologias foram animadores no controle das crises convulsivas. Em pacientes com Lennox-Gastaut, foram randomizados 225 pacientes em três braços distintos: placebo, canabidiol 10mg/kg e 20mg/kg, dividido em duas tomadas diárias. Após 28 dias de follow-up, nos grupos com uso do canabidiol 20mg/kg/dia houve redução de cerca de 40% na frequência de crises convulsivas, quando comparado a 17% do grupo placebo.12
Da mesma maneira, com pacientes portadores da síndrome de Dravet, transtorno infantil complexo que está associado a convulsões resistentes a terapia medicamentosa, estudos evidenciaram melhora significativa no controle das crises convulsivas. Também com desenho duplo-cego controlado por placebo, Devinsky e colaboradores mostraram que a frequência média de crises convulsivas por mês diminuiu de 12,4 para 5,9 com canabidiol, em comparação com uma diminuição de 14,9 para 14,1 com placebo.11
Considerando uma gama de patologias as quais as crises convulsivas fazem parte, é de extrema valia a possibilidade de novas terapias no tratamento dessas patologias. A terapia com produtos de cannabis pode ser uma terapêutica adequada, principalmente em pacientes com epilepsia de difícil controle, trazendo oportunidade de controle, reduzindo a mortalidade e melhorando a qualidade de vida dos pacientes e familiares dos pacientes portadores de epilepsia.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.