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Neurologia26 dezembro 2019

AVC: deambulação e retorno ao trabalho em pacientes jovens

A perda da capacidade produtiva afeta negativamente a vida de pacientes com AVC. Como é o retorno ao trabalho de pacientes com menos de 65 anos?

A perda da capacidade produtiva afeta negativamente a vida de pacientes com acidente vascular cerebral (AVC).

Uma revisão de literatura baseada em dados internacionais e publicada em 2019 cita que a taxa de retorno ao trabalho (RT) em pacientes com AVC é de 28 a 88%. A mesma revisão associa o RT com a gravidade da lesão, condição social e fatores emocionais dos pacientes. Um estudo nacional, também publicado em 2019, porém de caráter observacional, com 117 pacientes de unidades públicas de saúde mostrou taxa de RT de 44% seis meses após AVC.

Seus autores identificaram como fatores positivamente associados ao RT: ser principal contribuinte para a renda familiar, ter um trabalho dito de “colarinho branco” (tarefas administrativas, burocráticas ou de gerenciamento) e estar independente para as atividades de vida diária três meses após o AVC.

Leia também: A janela de tratamento no AVC está se expandindo [AAN 2019]

AVC e seus efeitos

Preocupados com o retorno de pacientes jovens (com menos de 65 anos) às suas atividades laborais após um AVC, pesquisadores do Reino Unido avaliaram o efeito do AVC sobre a marcha, bem como sua capacidade preditiva para o RT. Seus resultados foram publicados no mês de setembro na revista Stroke.

Metodologia

Mediante consentimento informado, 41 pacientes (34 deles com AVC isquêmico – AVCi) e provenientes de seis diferentes centros de saúde no país de Gales foram comparados a um grupo controle com 15 indivíduos.

Os desfechos referentes à marcha foram avaliados em pacientes e controles e incluíram: gasto energético durante a marcha (calculado a partir da medida do consumo de oxigênio), custo da marcha (consumo de oxigênio dividido pela velocidade da marcha), velocidade da marcha, tempo de apoio (tempo entre o contato do calcanhar com o solo e a saída dos dedos do mesmo pé do solo), comprimento da passada (distância entre contato do calcanhar com o solo e próximo contato do calcanhar do mesmo pé com o solo), largura da passada (distância médio-lateral entre o contato do calcanhar com o solo e o contato do pé com o solo quando o calcanhar contralateral toca o solo), comprimento do passo (distância entre o contato do calcanhar com o solo e o contato do calcanhar contralateral com o solo), taxa de simetria para comprimento do passo (nos pacientes, calculada pelo comprimento do passo do pé parético dividido por seu valor do pé não parético) e taxa de simetria para tempo de apoio (nos pacientes, calculado pelo tempo de apoio do pé parético dividido por seu valor do pé não parético).

Pacientes e controles foram divididos em três subgrupos de acordo com sua idade: 18-40 anos, 41-54 anos, 55-65 anos. Destaco algumas as observações extraídas de cada subgrupo:

18-40:

  • Seis paciente (três AVCi) e cinco controles;
  • Antes do AVC: todos os paciente trabalhavam em período integral;
  • Após o AVC: 3 pacientes retornaram ao trabalho.

41-54 anos:

  • 20 paciente (15 AVCi) e cinco controles;
  • Antes do AVC: 18 trabalhavam, um aposentado e um não trabalhava;
  • Após o AVC: cinco pacientes retornaram ao trabalho.

55-65 anos:

  • 15 pacientes (16 AVCi) e cinco controles;
  • Antes do AVC: 13 trabalhavam, um aposentado e um não trabalhava;
  • Após o AVC: dois paciente retornaram ao trabalho.

Resultados e conclusões

Com relação aos parâmetros da marcha, foram observados os seguintes resultados:

  • Velocidade de marcha: significativamente menor nos pacientes do que nos controles em todos os grupos etários;
  • Gasto metabólico energético: semelhante entre pacientes e controles em todos os grupos etários;
  • Custo da marcha: 18-14 (semelhante ente pacientes e controles), 41-54 (significativamente maior em pacientes comparados aos controles) e 55-65 (significativamente maior em pacientes comparados aos controles);
  • Comprimento da passada: 18-40 (lados parético e não parético semelhantes aos controles), 41-54 (mais curto nos pacientes do que nos controles), 55-65 (mais curto nos pacientes do que nos controles);
  • Largura da passada: 18-40 (lados parético e não parético semelhantes aos controles), 41-54 (mais largo nos pacientes do que nos controles), 55-65 (mais largo nos pacientes do que nos controles);
  • Comprimento do passo: 18-40 (lados parético e não parético semelhantes aos controles), 41-54 (semelhança entre os lados parético e não parético, porém significativamente menor do que nos controles), 55-65 (semelhança entre os lados parético e não parético, porém significativamente menor do que nos controles);
  • Taxa de simetria para comprimento do passo: semelhante entre pacientes e controles;
  • Taxa de simetria para tempo de apoio: 18-40 (semelhante entre pacientes e controles), 41-54 (maior nos pacientes do que nos controles), 55-65 (semelhante entre pacientes e controles).

Já as relações entre a performance na marcha e o RT revelaram que a velocidade de marcha foi o parâmetro que mais fortemente esteve a ele associado. A velocidade de 0,93 m/s mostrou sensibilidade de 90% e especificidade de 82% para predizê-lo. Os pacientes capazes de deambular mais rápido do que 0,93 m/s apresentaram chance significativamente maior de RT do que indivíduos que deambulam com velocidade inferior a esse valor.

Mais da autora: Prognóstico neurológico pós-parada cardíaca: padronização da avaliação

Apesar do entusiasmo dos autores com os resultados observados, é importante tecer algumas considerações:

  • Sabendo-se que associação não significa causalidade, não é possível afirmar que o comprometimento da marcha seja a causa do baixo de retorno dos pacientes à sua atividade laboral anterior. É possível que outros fatores atuem tanto sobre a marcha quanto a capacidade laboral, e/ou que a marcha seja um reflexo da capacidade funcional global;
  • Na discussão dos resultados, os próprios autores apontam para a ausência de dados sobre outros possíveis fatores relacionados ao RT: função de membro superior, comprometimento visual, redução de função cognitiva após AVC, demanda física do tipo de trabalho;
  • Na mesma sessão, também apontam para a falta de dados referentes à aderência e aos efeitos da reabilitação a que tais pacientes tenham sido submetidos;
  • A publicação também carece de informações sobre o tipo de trabalho exercido pelos pacientes e suas particularidades (habilidades exigidas, carga horária);
  • E por fim, os dados sobre a localização das lesões estão disponíveis somente no material suplementar.

Apesar de suas fragilidades, o estudo joga luz sobre um importante aspecto relacionado ao AVC. Para além das repercussões sobre a qualidade de vida dos pacientes, o RT também tem consequências econômicas individuais, para seus familiares e para toda a sociedade.

Concluindo, destaco que recentemente foi apresentado pelo Poder Executivo um projeto de lei, o PL 6159/20194, que altera as normas para contratação de pessoas com algum tipo de deficiência. Assim, a meu ver, aumenta-se a necessidade de maiores conhecimento e discussão sobre o RT após AVC pelos profissionais de saúde de nosso país.

Referências bibliográficas:

  • ASHLEY, K.D.; LEE, L.T.; HEATON, K.. Return to Work Among Stroke Survivors. Workplace health & safety, v. 67, n. 2, p. 87-94, 2019.
  • JARVIS, H.L.; Brown S.J.; Price, M.; et al. Return to Employment After Stroke in Young Adults: How Important Is the Speed and Energy Cost of Walking?. Stroke, v. 50, n. 11, p. 3198-3204, 2019.
  • NASCIMENTO, L.R., Scianni A.A, Ada L.; et al. Predictors of return to work after stroke: a prospective, observational cohort study with 6 months follow-up. Disability and rehabilitation, p. 1-5, 2019.
  • BRASIL. Projeto de Lei 6159/2019, de 26 de novembro de 2019. Disponível em: http://trabalho.gov.br/images/Noticias/Nov-2019/PL-6159-2019.pdf. Acesso em: 20 de dezembro de 2019.
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