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Nefrologia13 maio 2025

STARRT-AKI: Início da terapia renal substitutiva em pacientes críticos com IRA

Estudo STARRT-AKI explorou o impacto de diferentes tempos de início da terapia renal substitutiva (TRS) em pacientes críticos com IRA grave
Por Ester Ribeiro

Quem trabalha em terapia intensiva sabe que, diante da insuficiência renal aguda (IRA) grave, a pergunta “quando iniciar a diálise?” nem sempre tem resposta clara. Para além das indicações emergenciais — hipercalemia refratária, acidose metabólica severa, sobrecarga volêmica incontrolável — existe uma zona cinzenta que desafia o julgamento clínico: e se o paciente está estável, mas com oligúria persistente? Esperar mais ou antecipar a terapia? 

Foi justamente essa a motivação para a análise secundária do importante ensaio STARRT-AKI, publicada no Critical Care Medicine em 2025. O estudo explorou o impacto de diferentes tempos de início da terapia renal substitutiva (TRS) em pacientes críticos com IRA grave, mas sem indicações imediatas para diálise. 

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lesão renal

Metodologia: o que essa análise investigou?

A análise concentrou-se nos 1.462 pacientes randomizados para a estratégia “padrão” no estudo STARRT-AKI — ou seja, pacientes em que a TRS só seria iniciada se surgissem critérios clínicos claros. Destes, 903 acabaram recebendo diálise. Os autores dividiram o tempo até o início da TRS em quartis:

– Q1: até 17 horas
– Q2: 17 a 29 horas
– Q3: 29 a 68 horas
– Q4: mais de 68 horas (média de 96 horas)

A ideia foi avaliar se postergar a diálise, mesmo após vários dias de IRA persistente, teria impacto em desfechos clínicos, sobretudo a mortalidade em 90 dias. 

Principais achados: o tempo pode ser seu aliado

      1. Postergar não aumentou mortalidade 

Os pacientes que demoraram mais para iniciar TRS (quartil 4) tiveram menor risco de morte em 90 dias comparados aos que iniciaram mais cedo (quartil 1):  Q4 vs. Q1: OR ajustada = 0,63 (IC95% 0,42–0,93)
No entanto, ao tratar o tempo como variável contínua (e corrigir o viés de tempo imortal), essa associação desapareceu. Isso sugere que os pacientes que suportaram esperar mais provavelmente eram menos graves — uma hipótese reforçada pelo fato de que apresentavam menores scores SOFA e melhores parâmetros fisiológicos. 

  1. Mais tempo ≠ mais RRT-free days

Ao contrário da intuição, esperar mais não se traduziu em mais dias livres de TRS, nem mais dias fora do hospital ou da UTI. Ou seja, adiar o início da diálise não aumentou o tempo “livre” de intervenções — mas também não piorou os desfechos.

  1. Risco de dependência de diálise aumenta com o tempo

Entre os sobreviventes a 90 dias, houve associação linear entre maior tempo até início da TRS e risco de continuar dependente de diálise (p = 0,01). A explicação pode estar em fatores como balanço hídrico, inflamação persistente ou doença renal pré-existente — ainda que isso permaneça especulativo.

Reflexões práticas: o que esse estudo muda?

Este estudo não é sobre “adiar sempre”. É sobre individualizar. Em pacientes com IRA grave, mas sem indicações clássicas de urgência, o tempo pode ser um aliado. A vigilância clínica próxima permite observar quem realmente precisará da TRS — e quem talvez recupere a função renal sem ela.
Ao invés de pensar “quanto antes, melhor”, talvez devamos pensar: “será que precisa agora?” 

Cuidados e limites na interpretação

– O estudo reforça que o julgamento clínico segue insubstituível — a decisão de iniciar TRS deve considerar o quadro global do paciente.
– Os dados se referem a pacientes sem indicações urgentes para TRS. O estudo não invalida a necessidade de iniciar precocemente em situações clássicas.
– O risco de viés por tempo imortal é real: quem sobrevive mais… pode iniciar mais tarde. Os autores corrigem esse viés, mas alertam para a interpretação cuidadosa. 

Conclusão: tempo é decisão clínica — e não cronômetro

A análise secundária do STARRT-AKI reforça que o tempo até iniciar a TRS em pacientes críticos com IRA deve ser individualizado e orientado por critérios clínicos, não apenas por protocolos rígidos. Adiar pode ser seguro — desde que com vigilância contínua.

Como médicos, isso nos convida a confiar mais na observação clínica e menos em automatismos. E se o melhor cuidado, em alguns casos, for justamente esperar? 

 

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Referências bibliográficas

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