Em 2009, a KDIGO publicou sua primeira diretriz para o diagnóstico e tratamento do Transtorno Mineral e Ósseo da Doença Renal Crônica (DMO-DRC), com uma atualização seletiva em 2017. Diante de novas evidências sobre metabolismo mineral, qualidade óssea e calcificação vascular, em 2023 foi realizada uma Conferência de Controvérsias para avaliar os avanços no manejo da doença.
Embora as diretrizes de 2017 permaneçam amplamente válidas, elas podem não refletir integralmente as evidências atuais. Assim, sugere-se que futuras diretrizes adotem uma abordagem mais personalizada, baseando-se em dois modelos clínicos principais:
- Osteoporose associada à DRC: caracterizada pelo aumento do risco de fraturas decorrente de alterações na quantidade e qualidade óssea.
- Doença cardiovascular associada à DRC: marcada pela calcificação vascular e alterações estruturais, como hipertrofia ventricular esquerda.
Osteoporose associada à DRC
A atualização do KDIGO propõe repensar o conceito tradicional de “osteodistrofia renal” e adotar o termo “osteoporose associada à DRC”. O termo antigo enfatizava principalmente desequilíbrios bioquímicos (como níveis de PTH e cálcio/fósforo) e o turnover ósseo, sem considerar aspectos essenciais da qualidade óssea, como a microarquitetura e a integridade do tecido, que são determinantes do risco de fraturas.
Nesta nova abordagem, entende-se que a osteoporose associada à DRC envolve não só a redução da densidade mineral óssea – normalmente avaliada por exames como a DXA – mas também alterações na qualidade do osso que comprometem sua resistência. Esses defeitos estão fortemente relacionados a fatores como hiperparatireoidismo, deficiência de vitamina D, presença de toxinas urêmicas e processos inflamatórios.
Tratamento da osteoporose associada à DRC
Para orientar o manejo dessa condição, recomenda-se:
- Avaliação Integrada: Combinar marcadores bioquímicos de turnover ósseo (por exemplo, fosfatase alcalina óssea específica, P1NP e TRAP-5b), exames de imagem e, quando necessário, a biópsia óssea – considerada o padrão ouro para avaliar alterações microarquiteturais.
- Tratamento individualizado:
- Considerar o risco de fratura, o tipo de turnover ósseo e as alterações do metabolismo mineral, mediante a colaboração entre especialistas em nefrologia e doenças ósseas.
- Integrar o manejo dos níveis de cálcio e fósforo, evitando tanto a hiper quanto a hipocalcemia/hipofosfatemia, uma vez que desequilíbrios nesses minerais podem afetar diretamente a saúde óssea.
- Em relação à vitamina D, embora os estudos demonstrem benefícios principalmente na melhoria dos parâmetros bioquímicos, a suplementação é indicada em pacientes deficientes – especialmente em transplantados, onde manter níveis acima de 30 ng/ml pode ser vantajoso.
- A definição do nível ideal de PTH, especialmente em pacientes não dialíticos, ainda é incerta. Em situações de PTH elevado ou em ascensão, novas investigações são necessárias. Em pacientes em diálise (DRC G5D), o uso de calcimiméticos – ou, em alguns casos, a paratireoidectomia – pode ser considerado, com evidências sugerindo benefícios na densidade óssea e na redução da mortalidade.
- Agentes direcionados ao osso:
- As terapias anti-resorptivas e anabólicas demonstram aumentar a densidade mineral óssea e reduzir o risco de fraturas em pacientes com DRC leve a moderada, embora seu uso em DRC avançada seja frequentemente off label e exija avaliação cuidadosa.
- Medidas não-farmacológicas:
- Intervenções como exercícios, otimização nutricional (incluindo ingestão adequada de cálcio e vitamina D), cessação do tabagismo, moderação no consumo de álcool e estratégias de prevenção de quedas são fundamentais e podem ser adotadas como primeira linha de ação.
Essa abordagem integrada e personalizada não visa apenas melhorar os parâmetros laboratoriais, mas, sobretudo, reduzir o risco de fraturas e aprimorar os desfechos clínicos dos pacientes.
Veja também: KDIGO 2025: Atualização essencial para o manejo da DRPAD
Doença renal crônica associada à doença cardiovascular
- Terminologia e Fisiopatologia
- Calcificação Vascular: Trata-se de um processo complexo em que fatores como idade, diabetes, inflamação, aterosclerose e deficiência de agentes protetores se combinam. Em pacientes com DRC, os distúrbios do metabolismo mineral – sobretudo a hiperfosfatemia – desempenham um papel central, impulsionando a calcificação das artérias.
- Outros Aspectos Cardiovasculares: A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) é uma característica marcante da DRC avançada. Níveis elevados de FGF23, associados à calcificação arterial, contribuem para o desenvolvimento de HVE e eventual insuficiência cardíaca. A calcificação valvar, que pode levar a disfunções estruturais e até morte súbita, também integra esse espectro.
2. Diagnóstico
Imagiologia:
- Técnicas como tomografia computadorizada (TC), ecocardiograma e métodos de pontuação por raio-X são empregados para detectar e monitorar a calcificação vascular.
- O escore de cálcio coronariano obtido por TC possui valor prognóstico para a mortalidade, embora sua utilidade para orientar intervenções terapêuticas ainda seja incerta devido a limitações como a variabilidade interobservador e dificuldades em diferenciar entre calcificação intimal e medial.
Biomarcadores:
- Pesquisas estão explorando parâmetros do metabolismo do calciproteína, como a quantidade de partículas de calciproteína (CPP) e testes de propensão à calcificação.
- Apesar de associações entre esses biomarcadores e a progressão da calcificação ou mortalidade terem sido identificadas, os resultados permanecem inconsistentes e demandam validação adicional.
3. Desafios e implicações terapêuticas
Tratamento personalizado:
- A complexidade da doença cardiovascular em pacientes com DRC exige abordagens individualizadas, que considerem não apenas os níveis séricos de cálcio e fósforo, mas também a resposta dos diferentes compartimentos vasculares.
- Embora existam intervenções voltadas à redução dos níveis de fósforo, a evidência de que a diminuição da progressão da calcificação resulte em benefícios clínicos (como a redução de eventos cardiovasculares ou mortalidade) ainda é limitada.
Integração diagnóstico-terapêutica:
- Uma estratégia que combine dados de imagem com marcadores bioquímicos emergentes pode, futuramente, melhorar a estratificação de risco e orientar decisões terapêuticas mais precisas.
- A identificação de alvos terapêuticos efetivos para retardar ou reverter a calcificação vascular permanece como uma área prioritária de pesquisa.
Em pacientes com DRC, a doença cardiovascular está intimamente ligada aos distúrbios do metabolismo mineral – em especial, a hiperfosfatemia – que promovem a calcificação arterial e, consequentemente, contribuem para a hipertrofia ventricular e disfunções valvares. As técnicas de imagem oferecem ferramentas importantes para avaliação do risco, mas as limitações atuais e a ausência de biomarcadores validados dificultam a aplicação de intervenções terapêuticas eficazes. Dessa forma, a abordagem terapêutica deve ser personalizada, integrando o monitoramento dos parâmetros minerais e o desenvolvimento de novos biomarcadores.
Conclusão
Os avanços recentes na compreensão dos distúrbios mineral e ósseo associados à DRC demonstram que os modelos tradicionais – fundamentados exclusivamente em parâmetros bioquímicos e no conceito de osteodistrofia renal – não abarcam a totalidade da complexidade clínica. A Conferência de Controvérsias do KDIGO propõe uma nova abordagem, que diferencia duas síndromes clínicas principais: a osteoporose associada à DRC, caracterizada por alterações na qualidade e quantidade óssea que aumentam o risco de fraturas, e a doença cardiovascular associada à DRC, marcada pela calcificação vascular e alterações estruturais do coração.
Mensagem prática
Essa atualização reforça a necessidade de estratégias terapêuticas individualizadas e integradas, que envolvam não apenas a regulação dos níveis de PTH, cálcio e fósforo, mas também a avaliação conjunta por meio de marcadores bioquímicos, exames de imagem e, quando necessário, biópsia óssea. A colaboração entre especialistas em nefrologia e doenças ósseas é essencial para adequar o tratamento ao perfil e às preferências de cada paciente, com o objetivo de reduzir eventos adversos – tanto ósseos quanto cardiovasculares – e, consequentemente, melhorar os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes com DRC.
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