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Nefrologia12 setembro 2025

CPN 2025: Risco cardiovascular na DRC

Dados observacionais recentes compararam PTx com cinacalcet em hemodiálise. Confira os resultados após pareamento no artigo.
Por Ester Ribeiro

O terceiro dia do congresso trouxe uma série de palestras e discussões que reforçam uma mensagem já bem estabelecida, mas cheia de novas nuances: pacientes com doença renal crônica (DRC) estão em risco cardiovascular (CV) muito elevado — muitas vezes comparável ao de indivíduos muito idosos — e as estratégias terapêuticas contemporâneas começam a mirar não só nos biomarcadores renais/ósseos, mas na redução comprovada de eventos CV e mortalidade. a seguir, uma integração detalhada dos pontos apresentados, com ênfase em implicações práticas para a clínica. O Dr Rodrigo Bueno de Oliveira, professor do Departamento de Nefrologia da Faculdade de Ciênicas Médicas da Unicamp nos conduzia à essa bela atualização. 

  1. Cenário epidemiológico e importância clínica

  • A literatura clássica já mostrou que o risco de morte cardiovascular em pacientes jovens com DRC pode ser equivalente ao de octagenários. Relembrar esse dado é sempre assustador e deve gerar, no médico, urgência em agir. 
  • No cotidiano, cerca de 50% dos pacientes com DRC morrem de doença cardiovascular — isso eleva praticamente todo paciente com DRC à categoria de risco alto ou muito alto. Reconhecer isso muda prioridades na atuação clínica: prevenção CV passa a ser prioridade tão central quanto a preservação da função renal. 

 

  1. Recomendações contemporâneas (KDIGO 2024 e mensagens práticas)

O KDIGO 2024 reforça várias intervenções com impacto potencialmente direto sobre risco CV em pacientes com DRC: 

  • Uso de baixas doses de ácido acetilsalicílico (avaliar risco/benefício individual). 
  • Metas pressóricas agressivas (alvo próximo a < 120 mmHg em muitas situações, respeitando tolerância clínica). 
  • Recomendação de atividade física: ao menos 150 minutos/semana, quando possível. 
  • Medicações-chave no arsenal atual: iECA/BRA, espironolactona (em contextos selecionados) e iSGLT-2 quando indicados. 

Essas medidas fazem parte de uma abordagem integrada que visa reduzir carga aterosclerótica, remodelamento e eventos CV em pacientes com DRC. 

 

  1. Metabolismo mineral e doença óssea (DMO-DRC)

Nas sessões sobre DMO-DRC, ficou claro que o foco tradicional em valores isolados de fósforo, cálcio e PTH está sendo repensado. O novo eixo enfatiza a relação entre doença óssea-mineral e mortalidade cardiovascular — a visão é menos “ laboratório-centrada ” e mais orientada a desfechos clínicos. Pontos a destacar: 

  • A calcificação vascular é um importante mediador da morbidade CV, com progressão intensa em estagios avançados (estágio V). 
  • Intervenções que apenas reduzam números sem alterar o processo de calcificação podem não ser suficientes; precisamos de drogas que interfiram na fisiopatologia da deposição de cálcio-fósforo na íntima/media vascular. 

 

  1. SNF472 e a inibição da progressão da calcificação vascular

  • Estudos demonstraram que SNF472 (inibidor da formação de cristais de hidroxiapatita) administrado 3x/semana em pacientes em hemodiálise reduziu a progressão da calcificação coronária e até valvar em comparação com pacientes que não receberam a droga. 
  • Essa é primeira evidência clínica de que é possível retardar a progressão da calcificação vascular com segurança em HD. 
  • Ainda existem limitações e questões em aberto pois necessitamos de desfechos duros (IAM, AVC, mortalidade), replicação em coortes mais amplas e viabilidade de implementação rotineira. Enquanto isso, SNF472 representa uma possível terapêutica a ser acompanhada. 

 

  1. FGF23, fósforo e o ensaio PHOSPHATE

  • FGF23 tem robusta associação com risco de morte: níveis mais altos vinculam-se a maior mortalidade. 
  • O estudo PHOSPHATE, em andamento, testa se controle intensivo do fósforo (meta: P < 4,5 mg/dL) altera desfechos comparado a abordagem mais liberal (intervir quando P > 7,5 mg/dL). Os resultados estão previstos para meados de 2027; esses achados podem redefinir metas de fósforo em DRC avançada se mostrarem redução de eventos. 
  • Enquanto aguardamos, a prática clínica deve equilibrar risco de hiperfosfatemia com riscos de terapias agressivas (compliance dietética, quelantes, etc.) e avaliar individualmente quem provavelmente beneficiará do controle intensivo. 

 

  1. O controle do PTH: não é só “baixar” — é como baixar

  • A diretriz atual pauta níveis de PTH entre 2–9× o limite superior de normalidade em muitos contextos, mas evidências apontam que a relação entre PTH e desfechos não é linear e que os efeitos em osso cortical vs trabecular diferem. 
  • Estudos recentes sugerem que mortalidade por todas as causas foi menor quando o PTH estava abaixo de 200 pg/mL; entretanto, populações e padrões regionais (mortalidade mais baixa no Japão vs Brasil, por exemplo) exigem cautela na generalização. 
  • Então, não considere só a meta numérica, mas o perfil ósseo (quando possível), sinais/sintomas, e o impacto sistêmico do PTH (fibrose cardíaca associada à exposição elevada/contínua ao PTH foi apontada em modelos/estudos experimentais). 

Paratireoidectomia (PTx) vs cinacalcete 

  • Dados observacionais recentes compararam PTx com cinacalcet em hemodiálise: após pareamento, PTx associou-se a menor mortalidade a longo prazo (HR favorável) — efeito mais acentuado em pacientes com PTH muito elevado e hipercalcemia. 
  • Uma revisão de 2017 discutiu a “ressureição” da PTx: cirurgia ainda é a terapia definitiva em casos refratários e benefícios sobre desfechos clínicos aparecem em séries, mas evidência é majoritariamente observacional. 
  • A conclusão prática é: em HPTS severo e refratário, PTx permanece como opção com potencial benefício em mortalidade; contudo a decisão deve ponderar riscos perioperatórios, maneabilidade clínica, disponibilidade cirúrgica e alternativas farmacológicas. Mais ainda, como baixamos o PTH importa (velocidade, magnitude, consequências metabólicas). 

 

  1. SGLT2 inhibitors (dapagliflozina) e segurança/benefício na DRC

  • Ensaios e análises sugerem benefício renal e CV de SGLT2i em DRC. Eficácia mantém-se até estimativas de TFG em torno de > 25 mL/min/1,73m²; dados em estágio V conservador, diálise ou transplante ainda são incertos. 
  • Estudo de farmacocinética em pacientes em HD e DP mostrou níveis e perfil farmacocinético semelhantes a controles após doses agudas e cumulativas, sem sinais de eventos adversos agudos (ITU, acidose, hipoglicemia) e sem depuração significativa na diálise — sinal de segurança inicial. 
  • ensaios maiores (como o DARE-ESKD, em andamento) irão elucidar segurança e eficácia em estágios mais avançados e em pacientes em diálise; por ora, prescrição requer avaliação individual, monitorização próxima e, muitas vezes, colaboração com endocrinologia/cardiologia. 

 

  1. Fatores emergentes: microplásticos e interação com DRC

  • Estudos recentes encontraram micro e nanoplásticos em placas ateroscleróticas, associados a maior risco de eventos CV. Modelos experimentais em ratos, investigam sinergia entre exposição a microplásticos, DRC e doença CV — hipótese plausível de agravamento inflamatório/oxidativo que merece investigação translacional acelerada. 

 

  1. Conclusões práticas e Recomendações para a rotina clínica

  • Reconhecer risco CV como prioridade central em todo paciente com DRC; incorporar metas pressóricas, atividade física e uso racional de iECA/BRA/iGLP1 quando indicado. 
  • Avaliar DMO-DRC não apenas por números (P, Ca, PTH) mas por impacto potencial na calcificação vascular; monitorizar calcificações em pacientes de alto risco quando indicado. 
  • Considerar SNF472 e outras terapias anti-calcificação em contextos de pesquisa/centros com acesso, aguardando dados de desfechos clínicos. 
  • Individualizar estratégia de controle do fósforo e PTH; aguardar resultados do PHOSPHATE (≈2027) para definir intensidade de tratamento do fósforo. 
  • No HPTS refratário, discutir PTx com potencial benefício em mortalidade — mas avaliando risco/benefício individual, e considerando que “como” baixamos o PTH importa tanto quanto “até quanto”. 
  • SGLT2i (dapagliflozina) demonstram benefício e perfil de segurança promissor em DRC até certos limiares de TFG; em diálise e estágio V conservador, usar com cautela e monitorizar, aguardando dados de grandes estudos específicos. 
  • Manter vigilância sobre fatores emergentes (microplásticos) e apoiar estudos translacionais que integrem exposição ambiental, inflamação e risco CV em DRC. 

 

  1. E quais os próximos passos em pesquisa e implicações para prática integrada

  • Consolidar ensaios randomizados que comparem estratégias de manejo mineral (incluindo PTx vs calcimiméticos) com desfechos CV e mortalidade. 
  • Ampliar estudos de segurança e eficácia de SGLT2i em pacientes em diálise e transplante. 
  • Investir em estudos que traduzam achados sobre inibidores de calcificação (SNF472) em impactos clínicos duros. 
  • Incentivar prática clínica multidisciplinar (nefrologia, cardiologia, endocrinologia, cirurgia) e protocolos locais que garantam decisões individualizadas e monitorização estruturada. 

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Referências bibliográficas

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