Logotipo Afya
Anúncio
Nefrologia11 setembro 2025

CPN 2025: Pouco sabemos sobre o bom cuidado paliativo em nefrologia

Uma das sessões das aulas pré-congresso trouxe reflexões importantes sobre manejo conservador dos sintomas dos pacientes.
Por Ester Ribeiro

No primeiro dia do Congresso Paulista de Nefrologia de 2025, ocorrido na quarta-feira (10), aconteceram diversas das chamadas aulas pré-congresso, promovendo reflexões e discussões relacionadas às sessões principais. O tema do evento deste ano é “honrar a história construindo o futuro”. Trago aqui o que foi discutido em uma das principais aulas. 

 

Cuidados paliativos em nefrologia 

Esse ainda é um tema obscuro na nossa área, cercado de crenças infundadas, inclusive entre profissionais. Muitos confundem cuidado paliativo com “não fazer nada” ou até com uma forma de eutanásia. Longe disso: o cuidado paliativo bem-feito é uma excelente opção de conforto, oferecendo mais qualidade e até quantidade de vida em determinados pacientes. A nós, nefrologistas — e clínicos — cabe a boa prática da medicina para identificar quem são os pacientes elegíveis e qual o melhor tratamento que eles merecem, sempre baseado em evidências. 

 

Primeira parte: comunicação, bioética e prognóstico 

Dra Patrícia Abreu e Dra Cibele Rodrigues abriram ressaltando a importância da boa comunicação e da bioética nos cuidados paliativos. 

  • Cuidados paliativos não são sinônimo de fim de vida: são ciência e precisam ser oferecidos e estudados. 
  • Como não é uma especialidade, todos os médicos — especialmente clínicos e nefrologistas — devem conhecer e aplicar dentro de suas áreas. No Brasil, temos ainda pouca pesquisa, pouca aplicação e muitas barreiras culturais e regionais. 
  • É essencial saber dar notícias difíceis e explicar condutas. Podemos começar estudando o protocolo SPIKES.

Na bioética, a lembrança foi clara: 

  • A medicina deve estar centrada no paciente, não apenas nas doenças. 
  • Fazer “tudo para cada doença” sem considerar o paciente pode resultar em distanásia. 
  • Abandonar o paciente porque certo tratamento não é possível é descaso. 
  • Não podemos idolatrar a tecnologia como se fosse resposta para todos os problemas. 

O paciente tem direito de escolha. Por isso, é importante orientar o Testamento Vital e registrar em prontuário as Diretrizes Antecipadas de Vontade. Precisamos aprender a praticar a ortotanásia — a boa morte —, já que inevitavelmente convivemos com ela. 

Na sequência, Dra Thaise Valverde apresentou ferramentas prognósticas que tornam as decisões mais objetivas, afastando a ideia de que tudo no cuidado paliativo é manejo “tátil”. Com um caso fictício (mas comum em consultórios: o idoso frágil e com múltiplas comorbidades), ela mostrou como as escalas podem ajudar médicos a avaliar e transmitir informações com clareza ao paciente, à família e à equipe: 

  • Pergunta surpresa: “Você se surpreenderia se seu paciente falecesse em 6 a 12 meses?” (quando a resposta é “sim”, há 3,5 vezes mais chance de óbito em 1 ano). 
  • PPS (Palliative Performance Scale) 
  • Charlson Modificado 
  • Spict-BR (Supportive and Palliative Care Indicators Tool) 
  • Rein Score (específica para nefrologia) 

A mensagem foi clara: se só puder tratar uma coisa, trate a dor do paciente. Conversas e decisões não são fáceis, mas precisamos estudar mais o tema. A discussão se enriqueceu com relatos de experiências difíceis de colegas e como poderiam ser mais bem conduzidas. 

 

Segunda parte: decisões práticas no dia a dia 

Após uma pausa, voltamos para três palestras práticas. 

Dra Fernanda Polacchini abordou a renúncia à diálise — tanto a não indicação inicial quanto a interrupção da terapia. Mostrou em quais casos essa decisão pode ser a melhor conduta. Também alertou para pacientes deprimidos, que podem manifestar desejo de interromper a diálise como uma forma de eutanásia. Nesses casos, o médico deve identificar e tratar a depressão antes de qualquer decisão definitiva. Reforçou ainda a importância de explicar não só a necessidade da terapia renal substitutiva, mas também quais opções locais estão disponíveis e quais condizem com os desejos do paciente. 

Na sequência, Dra Thaise Valverde retornou para tratar do manejo dos principais sintomas no tratamento conservador. Sintomas como dispneia, náuseas, vômitos, anorexia, dor, insônia, prurido, fadiga, síndrome das pernas inquietas e depressão devem ser tratados de acordo com o que mais incomoda o paciente. 

Por fim, Dra. Camille Caetano trouxe a condução laboratorial de pacientes em cuidados paliativos, e a manhã foi encerrada com discussão liderada pelo Dr. Renato Watanabe. 

 

Considerações e mensagem prática 

Bem, talvez a parte mais bonita desse pré-congresso tenha sido perceber que o cuidado paliativo, com certeza, não é um “não fazer”, mas sim um fazer bem, fazer muito e fazer diferente. É olhar para o paciente não apenas pelos olhos da doença e do tratamento específico, mas como uma pessoa frágil, que teve uma história, que tem desejos para a sua trajetória – mesmo que seja breve -, alguém que tem família, crenças e limites. É ciência, mas também é humanidade. 

Muitas vezes, nós nos sentimos pressionados a “fazer tudo”, – sim, você entendeu o que estou falando – como se não houvesse outra escolha possível. Mas “fazer tudo” sem enxergar quem é o paciente pode ser apenas distanásia, e não cuidado. Esse seu tudo é apenas o que você acha mais fácil – não necessariamente o melhor. O cuidado paliativo nos lembra de que existe sabedoria em tratar a dor, em aliviar o sintoma que mais incomoda, em permitir que alguém viva seus dias com dignidade e até alegria, mesmo em meio à fragilidade. 

Não é fácil: exige estudo, técnica, prática de comunicação — e também exige humildade da nossa parte, porque implica aceitar que a medicina não resolve tudo, e que nem sempre a máquina, a droga ou a cirurgia são as melhores respostas. Mas lembre-se: também não é fácil ver um paciente que desejava passar seus últimos dias em casa, preso a uma UTI por meses a fio, com infecções atrás de infecções até que seu corpo, exausto, se deteriore numa vida cadavérica que ninguém gostaria de estar vivendo. 

Minha impressão, depois desse encontro, é que precisamos falar mais sobre isso, mas não apenas isso. Precisamos aprender a fazer com que pratiquemos isso no próximo ambulatório. Precisamos nos permitir sair da visão exclusivamente tecnológica e nos aproximar de novo da essência da medicina, que é cuidar de pessoas. Esse talvez seja o maior convite do tema deste ano: honrar a história, sim, mas sobretudo construir um futuro mais humano na nefrologia.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Nefrologia