Logotipo Afya
Anúncio
Nefrologia13 setembro 2025

CPN 2025: Nefrolitíase frente ao aquecimento global: dificuldades de interpretação

No último dia do Congresso Paulista de Nefrologia, a Dra Heilberg nos trouxe insights sobre a dificuldade da associação entre a litíase renal e temperatura do planeta.
Por Ester Ribeiro

No último dia do Congresso Paulista de Nefrologia, a Dra Ita Pfeferman Heilberg nos trouxe insights sobre a dificuldade da associação entre a litíase renal e temperatura do planeta. Segue abaixo alguns dados trazidos da plenária e considerações pessoais sobre o assunto. 

O aquecimento global causando pedras nos rins? 

A associação entre aquecimento global e nefrolitíase parece intuitiva: temperaturas mais altas aumentam a perda de líquidos por sudorese, concentrando a urina e, teoricamente, favorecendo a precipitação de sais como cálcio, oxalato e ácido úrico. Estudos sugerem que cada aumento de 1 °C na temperatura ambiente está associado a um aumento de aproximadamente 4,2% no risco de litíase. Considerando que desde 1850 a temperatura média global subiu cerca de 1,4 °C, a expectativa seria de um aumento modesto do risco (~6%) apenas pelo efeito térmico. 

No entanto, essa relação se mostra muito mais complexa na prática. Existem múltiplos fatores confundidores que dificultam isolar o efeito do clima na saúde renal, incluindo: 

  • Estilo de vida: dieta rica em sódio, proteínas animais e oxalatos, consumo insuficiente de água, sedentarismo e obesidade. 
  • Exposição ambiental: poluição, radiação, tabagismo e outros componentes do exposoma podem impactar os rins de formas independentes ou sinérgicas. 
  • Socioeconomia e acesso à saúde: populações com maior acesso a diagnóstico por imagem terão maior prevalência registrada de litíase, independentemente da exposição térmica. 
  • Urbanização e hábitos culturais: ambientes internos com ar-condicionado, mudança na ingestão de líquidos e padrões de trabalho afetam a exposição ao calor real do indivíduo. 

O cenário brasileiro ilustra bem essa complexidade: a região Sudeste, que possui temperaturas médias mais amenas do que o Nordeste semiárido ou o Norte tropical, apresenta maior prevalência de litíase. Isso contradiz o efeito esperado do calor isolado e sugere que fatores socioeconômicos, dieta urbana, envelhecimento da população e estilo de vida desempenham papel central. 

Além disso, é importante contextualizar o impacto da nefrolitíase na saúde: embora seja uma condição dolorosa, frequentemente recorrente e com potencial para complicações renais se não tratada, sua contribuição para morbimortalidade global é relativamente modesta em comparação com outras doenças renais crônicas ou cardiovasculares. Ou seja, o aumento do risco teórico associado ao aquecimento global pode ser estatisticamente significativo, mas seu efeito absoluto na carga de doença renal da população é limitado, sobretudo quando confrontado com os determinantes de saúde modificáveis. 

Em resumo, embora haja mecanismos fisiológicos plausíveis ligando calor e litíase, a relação direta entre aquecimento global e saúde renal é difícil de quantificar. Estudos observacionais enfrentam vieses importantes e o efeito observado do clima costuma ser ofuscado pelos fatores de estilo de vida e socioeconômicos. Qualquer interpretação precisa ser cautelosa, evitando conclusões simplistas sobre “o aquecimento global causando pedras nos rins”. 

Autoria

Foto de Ester Ribeiro

Ester Ribeiro

Graduada em Medicina pela PUC  de Campinas. Médica Nefrologista pelo Hospital Santa Marcelina de Itaquera. Título em Nefrologia pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Nefrologia