A terapia dialítica é vital mas demando muitos recursos. Estudos mostram que cada paciente de hemodiálise apresenta taxa de carbono anual elevada (~7–10 toneladas de CO₂-eq[1]). No Brasil, Moura‑Neto et al. destacam que a diálise consome grandes quantidades de água e energia e gera milhares de toneladas de resíduos anualmente[2], refletindo o alto impacto ambiental global da nefrologia. Em modelos de Peritoneal Dialysis (DP), dados australianos quantificam cerca de 1,2 tCO₂-eq/ano em CAPD versus ~2,0 tCO₂-eq/ano em APD, chegando a 1,5–4,5 tCO₂-eq quando se inclui transporte de insumos[3]. Para se ter uma ideia, 1,5–4,5 tCO₂-eq corresponde, aproximadamente, às emissões anuais de um carro percorrendo entre 6 e 18 mil quilômetros.
A Dra Jennifer E. “Jenny” Flythe, MD, nos trouxe luz sobre o tema e trouxemos aqui um resumo sobre o que foi abordado por ela.
Otimizando Práticas de HD e DP
Redução de fluxos e volumes de dialisato: O fluxo de dialisato (Qd) é um dos principais motores do consumo de água na hemodiálise. Tradicionalmente Qd varia entre 500–800 mL/min, mas estudos indicam que fluxos mais baixos (≤400–500 mL/min) podem manter a depuração sem perda de eficácia clínica. Em um centro polonês, reduzir Qd de 500 para 300 mL/min em sessões 4h não comprometeu a adequação dialítica (Kt/V)[4][5], enquanto economizou água (~120 L por sessão no fluxo alto). Consenso recente sugere manter Qd ≤500 mL/min na rotina, sobretudo com dialisadores modernos de alta eficiência.
Diálise domiciliar e incremental: Estimular modalidades domiciliares (DP ou HD domiciliar) pode diminuir emissões de transporte de pacientes e equipes, embora deva-se atentar ao impacto logístico dos suprimentos. A abordagem incremental (iniciar com menor carga dialítica e ajustar conforme necessário) também pode reduzir recursos empregados nos estágios iniciais da doença renal terminal.
Conservação de energia e água: Adotar sistemas de osmose reversa eficientes e reusar sua água rejeitada são medidas cruciais. John Agar e colegas já descrevem estratégias de reuso do rejeito em usos não potáveis (lavagem, irrigação, geração de vapor)[3]. Muito poucos serviços hoje reaproveitam essa água, mas dados recentes mostram que essa medida simples poderia gerar ganhos significativos de economia hídrica e financeira[6]. Além disso, desligar máquinas de HD quando ocioso, usar iluminação LED e otimizar climatização reduz o consumo de eletricidade.
Inovações Verdes em Diálise – diminuindo as embalagens e caixas
Hemodiálise: Avanços em equipamentos e materiais têm potencial para diminuir o lixo plástico e o desperdício. Por exemplo, sistemas de circuito extracorpóreo “airless” (sem bubletrap) reduzem o volume de sangue externo e o uso de heparina/salina. Pesquisas sugerem desenvolver bio-plásticos e materiais biodegradáveis para linhas sanguíneas e filtros, visando menor consumo ambiental. Tecnologias de sorventes, que regeneram o líquido de diálise eliminando toxinas sem descarte frequente de dialisato, são promissoras para economizar água e concentrados. De fato, revisões recentes recomendam ampliação de tais tecnologias circulares (reduzir, reutilizar, reciclar água)[7][8].
Diálise Peritoneal: Na DP, atenção a embalagens e equipamentos é essencial. Por exemplo, projetar embalagens menores ou retornáveis para as bolsas de solução e otimizar os circuitos dos cicladores (reduzir pré-aquecimento e quantidade de plástico) pode diminuir consumo. Estratégias futuras incluem produzir concentrados localmente ou no próprio domicilio (ponto de atendimento), além de adotar plásticos renováveis e recicláveis para as bolsas. Tais inovações miram reduzir o volume de resíduos e as emissões associadas à fabricação e transporte dos insumos de DP.
Infraestrutura e Projetos de Instalações
Projetos arquitetônicos sustentáveis também contribuem para a “diálise-verde”. Projetar unidades de diálise com materiais de baixo impacto (tijolos ecológicos, isolantes térmicos) e integrar fontes de energia renovável (solar, eólica) podem suprir parte do consumo elétrico e de outros equipamentos. Recuperadores de calor em sistemas de ar condicionado, sensores de presença para luzes e torneiras com temporizadores ajudam a economizar energia. Por fim, instalar infraestrutura para produção local de concentrados e para o reúso de água (captando rejeitos da água) viabiliza ainda mais a economia de recursos.
Consciência Ambiental em Eventos Científicos
Até eventos médicos refletem esse dilema: realizar congressos presenciais gera grande taxa de carbono, em especial pelas viagens aéreas dos participantes. O recente controverso tema em nefrologia (Green Dialysis, Berlim 2025) debateu essa “contradição inerente”. Consciente desse cenário, a KDIGO propôs medidas para conferências: minimizar o impacto (ex.: locais eficientes, menus sustentáveis), mensurar as emissões geradas e compensar carbono residual via projetos ambientais. Essas ações permitem manter a interação presencial — vital para troca de ideias — enquanto se esforça por neutralizar o impacto ambiental.
E agora? Por onde começamos?
Devemos pesquisar, aprender mas sem esquecer do desafio de “fazer mais com menos” e de reinventar práticas cotidianas. Nefrologistas devem estar cientes de que cada litro de água e cada quilo de plástico na diálise tem um custo ambiental significativo[2][8]. Ao otimizar prescrições (menor Qd, diálise incremental), conservar recursos e adotar novas tecnologias “verdes”, é possível manter a qualidade do cuidado ao paciente com responsabilidade ecológica. A cobertura deste tema em congressos internacionais (como o de Green Dialysis) sinaliza que a sustentabilidade já é pauta prioritária na nefrologia. Em suma, a transição para a diálise sustentável é uma necessidade urgente e contínua.
A Dra Jennifer E. “Jenny” Flythe, MD, MPH é nefrologista, professora de Medicina e chefe da Divisão de Nefrologia e Hipertensão da University of North Carolina (UNC), onde também atua como vice-diretora do UNC Kidney Center e diretora médica dos serviços de diálise do UNC Hospitals. Formada em Medicina pela UNC e mestre em Saúde Pública pela Harvard School of Public Health, realizou residência no Oregon Health & Science University e fellowship em Nefrologia no Brigham and Women’s/Massachusetts General Hospital. Sua pesquisa se concentra em melhorar a segurança, os desfechos clínicos e a experiência dos pacientes em diálise, com ênfase em manejo de fluidos, hemodinâmica, pressão arterial e incorporação das preferências dos pacientes no cuidado.
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