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Nefrologia12 setembro 2025

CPN 2025: Diálise sustentável - Avanços e desafios ambientais

Projetos arquitetônicos sustentáveis e atenção à liberação de carbono contribuem para a “diálise-verde”. Saiba mais do que foi apresentado no congresso.
Por Ester Ribeiro

A terapia dialítica é vital mas demando muitos recursos. Estudos mostram que cada paciente de hemodiálise apresenta taxa de carbono anual elevada (~7–10 toneladas de CO₂-eq[1]). No Brasil, Moura‑Neto et al. destacam que a diálise consome grandes quantidades de água e energia e gera milhares de toneladas de resíduos anualmente[2], refletindo o alto impacto ambiental global da nefrologia. Em modelos de Peritoneal Dialysis (DP), dados australianos quantificam cerca de 1,2 tCO₂-eq/ano em CAPD versus ~2,0 tCO₂-eq/ano em APD, chegando a 1,5–4,5 tCO₂-eq quando se inclui transporte de insumos[3]. Para se ter uma ideia, 1,5–4,5 tCO₂-eq corresponde, aproximadamente, às emissões anuais de um carro percorrendo entre 6 e 18 mil quilômetros.

A Dra Jennifer E. “Jenny” Flythe, MD, nos trouxe luz sobre o tema e trouxemos aqui um resumo sobre o que foi abordado por ela.

 

Otimizando Práticas de HD e DP

Redução de fluxos e volumes de dialisato: O fluxo de dialisato (Qd) é um dos principais motores do consumo de água na hemodiálise. Tradicionalmente Qd varia entre 500–800 mL/min, mas estudos indicam que fluxos mais baixos (≤400–500 mL/min) podem manter a depuração sem perda de eficácia clínica. Em um centro polonês, reduzir Qd de 500 para 300 mL/min em sessões 4h não comprometeu a adequação dialítica (Kt/V)[4][5], enquanto economizou água (~120 L por sessão no fluxo alto). Consenso recente sugere manter Qd ≤500 mL/min na rotina, sobretudo com dialisadores modernos de alta eficiência.

Diálise domiciliar e incremental: Estimular modalidades domiciliares (DP ou HD domiciliar) pode diminuir emissões de transporte de pacientes e equipes, embora deva-se atentar ao impacto logístico dos suprimentos. A abordagem incremental (iniciar com menor carga dialítica e ajustar conforme necessário) também pode reduzir recursos empregados nos estágios iniciais da doença renal terminal.

Conservação de energia e água: Adotar sistemas de osmose reversa eficientes e reusar sua água rejeitada são medidas cruciais. John Agar e colegas já descrevem estratégias de reuso do rejeito em usos não potáveis (lavagem, irrigação, geração de vapor)[3]. Muito poucos serviços hoje reaproveitam essa água, mas dados recentes mostram que essa medida simples poderia gerar ganhos significativos de economia hídrica e financeira[6]. Além disso, desligar máquinas de HD quando ocioso, usar iluminação LED e otimizar climatização reduz o consumo de eletricidade.

Inovações Verdes em Diálise – diminuindo as embalagens e caixas

Hemodiálise: Avanços em equipamentos e materiais têm potencial para diminuir o lixo plástico e o desperdício. Por exemplo, sistemas de circuito extracorpóreo “airless” (sem bubletrap) reduzem o volume de sangue externo e o uso de heparina/salina. Pesquisas sugerem desenvolver bio-plásticos e materiais biodegradáveis para linhas sanguíneas e filtros, visando menor consumo ambiental. Tecnologias de sorventes, que regeneram o líquido de diálise eliminando toxinas sem descarte frequente de dialisato, são promissoras para economizar água e concentrados. De fato, revisões recentes recomendam ampliação de tais tecnologias circulares (reduzir, reutilizar, reciclar água)[7][8].

Diálise Peritoneal: Na DP, atenção a embalagens e equipamentos é essencial. Por exemplo, projetar embalagens menores ou retornáveis para as bolsas de solução e otimizar os circuitos dos cicladores (reduzir pré-aquecimento e quantidade de plástico) pode diminuir consumo. Estratégias futuras incluem produzir concentrados localmente ou no próprio domicilio (ponto de atendimento), além de adotar plásticos renováveis e recicláveis para as bolsas. Tais inovações miram reduzir o volume de resíduos e as emissões associadas à fabricação e transporte dos insumos de DP.

Infraestrutura e Projetos de Instalações

Projetos arquitetônicos sustentáveis também contribuem para a “diálise-verde”. Projetar unidades de diálise com materiais de baixo impacto (tijolos ecológicos, isolantes térmicos) e integrar fontes de energia renovável (solar, eólica) podem suprir parte do consumo elétrico e de outros equipamentos. Recuperadores de calor em sistemas de ar condicionado, sensores de presença para luzes e torneiras com temporizadores ajudam a economizar energia. Por fim, instalar infraestrutura para produção local de concentrados e para o reúso de água (captando rejeitos da água) viabiliza ainda mais a economia de recursos.

Consciência Ambiental em Eventos Científicos

Até eventos médicos refletem esse dilema: realizar congressos presenciais gera grande taxa de carbono, em especial pelas viagens aéreas dos participantes. O recente controverso tema em nefrologia (Green Dialysis, Berlim 2025) debateu essa “contradição inerente”. Consciente desse cenário, a KDIGO propôs medidas para conferências: minimizar o impacto (ex.: locais eficientes, menus sustentáveis), mensurar as emissões geradas e compensar carbono residual via projetos ambientais. Essas ações permitem manter a interação presencial — vital para troca de ideias — enquanto se esforça por neutralizar o impacto ambiental.

E agora? Por onde começamos?

Devemos pesquisar, aprender mas sem esquecer do desafio de “fazer mais com menos” e de reinventar práticas cotidianas. Nefrologistas devem estar cientes de que cada litro de água e cada quilo de plástico na diálise tem um custo ambiental significativo[2][8]. Ao otimizar prescrições (menor Qd, diálise incremental), conservar recursos e adotar novas tecnologias “verdes”, é possível manter a qualidade do cuidado ao paciente com responsabilidade ecológica. A cobertura deste tema em congressos internacionais (como o de Green Dialysis) sinaliza que a sustentabilidade já é pauta prioritária na nefrologia. Em suma, a transição para a diálise sustentável é uma necessidade urgente e contínua.

A Dra Jennifer E. “Jenny” Flythe, MD, MPH é nefrologista, professora de Medicina e chefe da Divisão de Nefrologia e Hipertensão da University of North Carolina (UNC), onde também atua como vice-diretora do UNC Kidney Center e diretora médica dos serviços de diálise do UNC Hospitals. Formada em Medicina pela UNC e mestre em Saúde Pública pela Harvard School of Public Health, realizou residência no Oregon Health & Science University e fellowship em Nefrologia no Brigham and Women’s/Massachusetts General Hospital. Sua pesquisa se concentra em melhorar a segurança, os desfechos clínicos e a experiência dos pacientes em diálise, com ênfase em manejo de fluidos, hemodinâmica, pressão arterial e incorporação das preferências dos pacientes no cuidado.

Autoria

Foto de Ester Ribeiro

Ester Ribeiro

Graduada em Medicina pela PUC  de Campinas. Médica Nefrologista pelo Hospital Santa Marcelina de Itaquera. Título em Nefrologia pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.

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Referências bibliográficas

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