No segundo dia do Congresso Paulista de Nefrologia de 2025, um dos destaques foi a sessão dedicada ao cuidado do paciente idoso e frágil com doença renal crônica (DRC). A mesa, moderada pela Dra. Patrícia Ferreira Abreu, trouxe olhares complementares do nefrologista, do geriatra e do paliativista, mostrando a complexidade e multidimensionalidade desse cuidado.
O papel do nefrologista – Dra. Rosilene Motta Elias
A Dra Rosilene, nefrologista, ressaltou que o idoso com DRC representa um grande desafio clínico, já que a presença de múltiplas comorbidades, fragilidade, alterações cognitivas, polifarmácia e questões relacionadas ao fim da vida tornam a tomada de decisão muito mais complexa. A mensuração da TFG nesse grupo ainda carece de evidências robustas, visto que poucos estudos incluem pacientes acima de 70 anos. Nenhuma equação é claramente superior, mas a comparação entre creatinina e cistatina C pode ser útil em casos selecionados.
Entre as complicações frequentes, destacou hipertensão arterial, hiperpotassemia, acidose metabólica, anemia, alterações neurológicas, distúrbios do metabolismo ósseo, desnutrição e desidratação. Em relação à anemia, alertou para não atribuí-la automaticamente à DRC, já que causas como câncer e desnutrição são comuns nessa faixa etária.
Acompanhamento nutricional regular é fundamental, assim como cautela no controle de pressão arterial e diabetes. O uso de IECA, BRA e dapagliflozina é possível, mas sempre individualizando. A progressão da DRC costuma ser mais lenta em idosos, e a condução clínica deve priorizar qualidade de vida.
O olhar da geriatria – Dra. Danute Bareisys Salotti
A Dra Danute, geriatra, iniciou lembrando que vivemos em uma população cada vez mais envelhecida, com acúmulo de doenças crônicas. Nesse contexto, iniciar diálise nem sempre traz impacto real na sobrevida e pode não melhorar a qualidade de vida, já que 65% das mortes ocorrem em ambiente hospitalar. Muitos pacientes em hemodiálise vivem mais tempo, mas também enfrentam mais internações.
Destacou a importância de aplicar escalas de fragilidade para uma avaliação mais precisa – como a de Fried, que analisa força de preensão, velocidade da marcha, perda de peso não intencional, exaustão e nível de atividade física. O olhar clínico isolado subestima a fragilidade em cerca de 30%.
Os objetivos do cuidado incluem otimizar alimentação, incentivar exercícios, prevenir infecções e quedas, revisar medicações e promover suporte social. Foi lembrada a importância das vacinas pneumocócicas, contra herpes-zóster e VRS. Sobre polifarmácia, sugeriu simplificação de posologias, uso de recursos como alarmes ou pillbox, e maior atenção à adesão.
A saúde cognitiva também merece atenção, e práticas como treino cognitivo e físico durante a diálise foram apontadas como estratégias promissoras.
A visão dos cuidados paliativos – Dra. Juliana Mandato Ferragut
A paliativista trouxe uma reflexão fundamental sobre a diferença entre cuidados paliativos, hospice e os cuidados com a morte. Enquanto os cuidados paliativos se aplicam a qualquer paciente com doença grave, independentemente do prognóstico, o hospice é voltado aos últimos meses de vida e os cuidados com a morte abrangem os momentos finais, incluindo o suporte ao luto da família.
Ela reforçou que o paciente com DRC avançada apresenta carga de sintomas físicos e psicológicos comparável ao de pacientes oncológicos, o que exige atenção sistemática ao controle de sintomas, não apenas ao tratamento da doença. O cuidado deve ser contínuo, acompanhando a transição do manejo curativo e reabilitador até os cuidados do fim da vida.
Cada caso, porém, precisa ser individualizado – não existe protocolo rígido capaz de substituir a escuta e o planejamento conjunto. A abordagem paliativa visa reduzir sofrimento, dar sentido ao cuidado e respeitar valores e escolhas do paciente.
Considerações finais
Essa mesa evidenciou que cuidar do idoso com DRC vai muito além de ajustes clínicos e prescrições medicamentosas. Trata-se de reconhecer a complexidade de um paciente que acumula fragilidade, múltiplas comorbidades e expectativas de vida diversas, exigindo que nefrologistas, geriatras e paliativistas atuem de forma integrada. Quando esses olhares se encontram, a medicina deixa de ser fragmentada e passa a oferecer um cuidado verdadeiramente centrado na pessoa, em que a preservação da autonomia, a qualidade de vida e o respeito às escolhas individuais ganham o mesmo peso que a sobrevida. Mais do que prolongar o tempo de vida, o desafio é garantir que esse tempo seja vivido com dignidade, conforto e significado.
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