A identidade profissional do médico de família é bastante complexa. A especialidade como a conhecemos hoje é muito recente, os movimentos que consolidaram esse campo do saber como uma área de especialização médica possuem em torno de 50 anos. Definir o que faz um médico de família e quais são seus limites de atuação é um desafio grande. Assim como é desafiador conhecer quais habilidades precisam ser desenvolvidas no processo de se construir um médico de família e principalmente validar sua atuação.
Nem clínico, nem ginecologista e obstetra, nem pediatra, nem cirurgião e nem psiquiatra embora caminhe em todos esses campos de saberes. Nem psicólogo, nem assistente social, nem nutricionista, nem pedagogo e nem fisioterapeuta, embora se valha muito das ferramentas desses campos de saberes. Quem decide fazer medicina de família e comunidade luta com o grande desafio de consolidar atualmente qual é seu território de ação, quais os pontos que lhe são competentes, e demonstrar como integrar todas essas formas de trabalho modifica e acrescenta valor em sua atuação médica.
Esse desafio é grande me todos os locais, e no Brasil não é diferente. Por um longo período a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) construiu e desenvolveu um currículo baseado em competências que delimita o território de saberes do médico de família e seus campos de atuação. Atualmente o desafio é a implementação do currículo em programas de residência médica credenciados ano Brasil, bem como difundir a informação das habilidades e competências esperadas tanto para os ingressantes da especialidade quanto dos formadores e facilitadores de aprendizagem da especialidade.
Pessoas que praticam a medicina de família e comunidade estão intimamente ligados aos processos de formação dos sistemas de saúde de seus territórios. O entendimento da função e execução dos cenários de atenção primária em cada região molda os pontos de maior atuação desses profissionais. Na 27ª conferência europeia do WONCA essa trajetória foi relembrada, e potencializados pela pressão exercida pela pandemia do novo coronavírus os principais valores estruturais da especialidade foram redefinidos e atualizados.
Segundo a organização europeia o exercício da medicina de família e comunidade é marcado pela continuidade do cuidado. Um pilar estrutural da atuação desses profissionais é o tempo, que é regado por uma relação de confiança, estando à disposição quando e onde forem necessários, em linhas de frente de crises sanitárias, catástrofes ou cuidados cotidianos. O fazer na medicina de família, a práxis, é a garantia de um cuidado acessível, equânime, personalizado, sustentável e de alta-qualidade.
Para isso, a WONCA organizou os valores centrais da prática da medicina de família e lançou essa nova visão mais atualizada como uma evolução do processo histórico da especialidade. Atualmente são sete valores centrais e descreveremos, em tradução livre nossa, a seguir:
- Cuidado centrado na pessoa: a assistência à saúde exercida na medicina de família e comunidade é centrada no paciente, com ênfase em diálogos abertos, contextos e as melhores evidências disponíveis.
- Continuidade do cuidado: é uma prerrogativa da especialidade promover a continuidade e longitudinalidade da relação médico-paciente com foco nos vínculos.
- Cooperação no cuidado: profissionais da medicina de família e comunidade colaboram entre profissionais da equipe multidisciplinar enquanto também promovem o cuidado sem romperem as linhas das responsabilidades de cada saber.
- Orientação comunitária: atuar na medicina de família e comunidade requer comprometimento com educação, pesquisa e desenvolvimento de qualidade transpassando as os limites físicos das unidades de saúde.
- Equidade do cuidado: um valor central e prioritário na medicina de família e comunidade é a equidade distribuindo o cuidado conforme as prioridades de cuidado em seus territórios
- Orientação científica: o cuidado na medicina de família e comunidade é provisionado baseado nas melhores evidências científicas disponíveis, respeitando os valores e preferências dos pacientes.
- Profissionalismo no cuidado: o cuidado na medicina de família e comunidade envolve cuidado de indivíduos e promovem a saúde da comunidade nos níveis de gestão engajando movimentos de ativismo social e político orientados à comunidade.
Com essa definição de papéis e valores de atuação profissionais a perspectiva da medicina de família e comunidade para os próximos anos é central para vitalidade de sistemas de saúde públicos e privados. Com esses valores o processo organizador do sistema de saúde por pessoas médicas de família fica ainda mais evidenciado o que fortalece a especialidade e amplia as oportunidades futuras.
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