Síndromes infecciosas oculares: saiba como identificar os sinais de alarme
Os principais sinais de alarme em pacientes com infecções oculares são a dor ocular, hipoacuidade visual, presença de hipópio e outros.
Uma das principais causas evitáveis de cegueira em todo o mundo são as infecções oculares, de forma que os médicos generalistas e emergencistas possuem uma grande responsabilidade, enquanto linha de frente de cuidados, em identificar os sinais de alarme, viabilizando a referência prioritária à oftalmologia.
Destacamos abaixo as principais síndromes infecciosas oculares:
- Conjuntivite;
- Ceratite;
- Endoftalmite;
- Uveíte.
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As conjuntivites
As conjuntivites respondem por um terço das emergências oftalmológicas, sendo prioritariamente virais entre adultos (80%) e bacterianas (70%) entre crianças.
A etiologia viral é sugerida por secreção ocular hialina, linfonodomegalia pré-auricular, faringite e contato com indivíduos sintomáticos. Os adenovírus respondem por até 90% dos casos, o tratamento geralmente é suportivo e a medida de contenção de propagação mais importante é a higienização das mãos.
Algumas cepas mais virulentas do adenovírus (tipo 8, 37 e 64) se relacionam a uma forma grave e altamente contagiosa: a ceratoconjuntivite epidêmica. Outras etiologias menos frequentes são o herpes simplex virus (HSV), varicela zoster virus (VZV), enterovírus, sarampo, rubéola, covid-19, Ebola e Mpox.
As conjuntivites bacterianas se caracterizam por descarga conjuntival purulenta e presença de crostas matinais em cílios. As principais bactérias implicadas são o S. aureus, S. pneumoniae, H. influenzae e M. catarrhalis. O tratamento se faz com colírios de quinolonas, tobramicina e polimixina. Outras bactérias, como a Chlamydia, N. meningitidis e N. gonorrhoeae, são causas menos frequentes de conjuntivite bacteriana.
A conjuntivite gonocócica gera secreção conjuntival purulenta hiperaguda e copiosa, com risco de envolvimento corneano e perfuração ocular. Os sorotipos D a K da C. trachomatis são sexualmente transmissíveis e implicados na conjuntivite de inclusão, destacada por evolução subaguda e presença de folículos conjuntivais à eversão da pálpebra. A cobertura sistêmica deve ser realizada com ceftriaxona intramuscular e doxiciclina.
Os sorotipos A a C da C. trachomatis são responsáveis pela principal causa infecciosa de cegueira em todo o mundo: o tracoma. As infecções iniciais se apresentam sob a forma de conjuntivite folicular, mas a repetição desencadeia conjuntivite cicatricial, entrópio (inversão da pálpebra com projeção dos cílios sobre a córnea), triquíase (direcionamento dos cílios ao globo ocular) e cicatrizes corneanas. O tratamento de escolha é a azitromicina.
As ceratites
As ceratites devem ser suspeitadas diante de dor ocular, hiperemia conjuntival, fotofobia, hipópio (camada leucocitária formando nível na câmara anterior do olho) e surgimento de opacidades corneanas, responsáveis por rápido comprometimento visual.
As principais causas virais são representadas por HSV e VZV. A ceratite por HSV se dá por reativação viral no gânglio trigeminal e o seu achado clássico é um infiltrado corneano dendrítico, manifestando-se por meio de ceratite epitelial, estromal ou uveíte anterior. O tratamento consiste em ganciclovir tópico ou terapia sistêmica oral (aciclovir, valaciclovir ou famciclovir), combinados ou não à corticoterapia tópica.
A profilaxia com aciclovir reduz a recorrência em 1 ano de 32% para 19%. A ceratite por VZV, por sua vez, se deve ao herpes zóster oftálmico e pode gerar cicatrizes corneanas, hipoestesia e risco para novas ulcerações. A vacina recombinante é uma medida profilática altamente eficaz.
O acometimento ocular pelo HSV, VZV e, em menor proporção, pelo CMV, pode acarretar à necrose retiniana aguda, uma causa potencial de cegueira e nem sempre acompanhada por outras evidências de infecção herpética. Os principais sintomas são: dor ocular leve, fotofobia, redução visual rapidamente progressiva e inicialmente unilateral.
O tratamento com doses elevadas de valaciclovir e aciclovir endovenoso (HSV e VZV) ou ganciclovir e foscarnet intravítreos (CMV) é capaz de interromper a retinite necrotizante destrutiva e reduzir o risco de bilateralidade de 70 para 13%.
As ceratites microbianas (bactérias, fungos e parasitas) têm como fatores de risco o uso de lentes de contato, doença corneana subjacente, síndrome do olho seco e trauma ocular, incluindo o cirúrgico, constituindo-se uma rara complicação das cirurgias refrativas. Entre os agricultores, devemos nos lembrar das ceratites fúngicas, como as secundárias ao Aspergillus e Fusarium.
As ferramentas diagnósticas incluem o exame com lâmpada de fenda e a microscopia confocal in vivo. As culturas podem ser obtidas a partir de raspados corneanos.
Um cuidado especial deve ser destinado aos usuários de lente de contato, entre os quais me incluo e faço o mea-culpa, pois a adoção integral de práticas adequadas é raríssima (<1%):
- Não se deve dormir, cochilar, tomar banho ou mergulhar enquanto se utiliza as lentes de contato;
- As lentes de contato não podem ser armazenadas em água, sendo obrigatória a sua imersão em solução específica, a ser trocada após cada utilização, não se podendo reaproveitá-la;
- As lentes devem ser trocadas periodicamente, conforme as recomendações do fabricante, geralmente a cada 3 meses.
As ceratites relacionadas às lentes de contato são causadas por bactérias em 90% dos casos, com grande destaque para a P. aeruginosas, seguida por S. aureus e estreptococos. Menos frequentes são os fungos e a Acanthamoeba, que são altamente virulentos e podem culminar com a indicação de transplante de córnea.
O tratamento das ceratites se faz com colírios antimicrobianos (quinolona ou vancomicina + tobramicina nas bacterianas; pimaricina nas fúngicas; e clorexidina e polihexametileno biguanida nas ceratites por Acanthamoeba).
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As endoftalmites
As endoftalmites são infecções que envolvem o humor vítreo e/ou aquoso e que resultam em perda visual grave em 20% dos pacientes. Os sintomas mais frequentes são dor ocular e hipoacuidade visual de instalação abrupta, notando-se, inflamação intraocular difusa e hipópio.
A maioria dos casos de endoftalmite exógena se deve à infecção bacteriana ou fúngica a partir de quebra da barreira de proteção. Os fatores de risco incluem as cirurgias oftalmológicas (0,1% das facectomias), injeções intravítreas, trauma penetrante e ceratite.
Os principais germes relacionados à endoftalmite exógena são os estafilococos coagulase-negativos (70%), seguidos por S. aureus e estreptococos. Nos traumas penetrantes enfatiza-se o Bacillus cereus, tipicamente responsável por endoftalmite fulminante com rápida perda visual, bem como a indicação de antibioticoterapia profilática intravítrea (vancomicina + ceftazidima por 48h), capaz de reduzir a incidência de endoftalmite de 10% para 0,9%.
O diagnóstico microbiológico depende da obtenção de amostras oculares, com maior rendimento com amostras advindas de vitrectomia, seguida por aspirado vítreo e do humor aquoso. As culturas negativas não afastam o diagnóstico e estão presentes em até um terço dos casos.
A endoftalmite endógena, responsável por menos de 15% dos casos de endoftalmite, se deve à bacteremia ou fungemia com disseminação hematogênica e acometimento bilateral a uma taxa de 20%.
Os principais focos infecciosos relacionados à endoftalmite endógena são a endocardite infecciosa, infecções do trato urinário, abscessos intracavitários e pneumonia. Faz-se necessária a pesquisa por fatores de risco, como endoscopia gastrointestinal recente, uso de drogas endovenosas ou presença de acessos venosos centrais. Além das amostras intraoculares, as hemoculturas são úteis na documentação microbiológica, apesar de estarem positivas em apenas metade dos casos. A incidência de sintomas sistêmicos, como febre, não ultrapassa os 70%, o que demonstra a necessidade de alta suspeição clínica.
Perfil microbiológico com base no foco infeccioso primário | |
Endocardite | S. aureus e estreptococos |
Abscesso hepático | K. pneumoniae |
Infecção urinária | E. coli |
Acessos centrais e uso de drogas injetáveis | Candida albicans |
Imunossupressão | Fungos |
A endoftalmite fúngica geralmente apresenta um curso mais indolente, com perda visual gradual e dor ocular ausente ou de instalação muito tardia. Infiltrados vítreos algodonosos são consistentes com o diagnóstico e as hemoculturas frequentemente são negativas, com o diagnóstico microbiológico muitas vezes dependendo das culturas vítreas.
Uma dica importante para quem lida mais diretamente com medicina hospitalar e intensiva: a candidemia nunca deve ser desprezada. Faz-se necessária a investigação de endocardite e avaliação oftalmológica, pois quase 10% dos indivíduos desenvolvem coriorretinite e até 1,6% complica com endoftalmite. Entre esses pacientes com candidíase ocular documentada, mais de 80% negam sintomas visuais, o que corrobora a necessidade de propedêutica oftalmológica pré-emptiva.
O tratamento da endoftalmite bacteriana consiste na antibioticoterapia intravítrea, reservando-se a vitrectomia para os casos refratários ou graves. A antibioticoterapia sistêmica é fundamental nos casos de endoftalmite endógena e pode ser útil como terapia adjuvante na endoftalmite exógena. Em relação à endoftalmite fúngica, uma importante ressalva é que a penetração ocular das equinocandinas é muito restrita, sendo a terapia antifúngica de escolha a anfotericina B ou voriconazol, combinando-se a administração intravítrea com a sistêmica.
As uveítes
As uveítes, importantes causas de cegueira, acometem primariamente a úvea, estrutura composta pela íris, corpo ciliar e coróide. A maioria é idiopática ou imunomediada. As etiologias infecciosas respondem por 30 a 50% dos casos em países em desenvolvimento. A baixa acuidade visual é o principal sintoma, sendo a dor ocular mais característica da uveíte anterior.
A uveíte anterior é a mais comum e, felizmente, menos ameaçadora à visão, tendo como achados típicos os precipitados ceráticos, gerados por aglomerados de piócitos no endotélio corneano. Os precipitados ceráticos são subdivididos em granumolatomatosos (grandes e associados à sarcoidose e tuberculose, a última responsável por 25% dos casos de uveíte em países em desenvolvimento) ou pequenos (finos).
Uveíte | Localização principal do processo inflamatório |
Anterior | Segmento anterior, com HSV sendo o agente causador em até 15% dos casos. |
Intermediária | Vítreo, principalmente nas proximidades da pars plana |
Posterior | Segmento posterior, sendo mais da metade dos casos de natureza infecciosa, com destaque para a toxoplasmose. |
Panuveíte | Segmento anterior e posterior |
A toxoplasmose ocular é a principal causa infecciosa de uveíte posterior, cursando com uma coriorretinite autolimitada. A antibioticoterapia é incapaz de eliminar os cistos, logo as recorrências são frequentes, podendo gerar perda de visão permanente quando há envolvimento da mácula. O achado clássico é a lesão coriorretiniana cremosa adjacente à uma cicatriz pigmentada. Os flares são tratados com antibioticoterapia sistêmica (pirimetamina + sulfadiazina ou trimetoprima-sulfametoxazol, sendo o último muito eficaz na profilaxia de recorrências) ou intravítrea (clindamicina).
A sífilis ocular
A sífilis ocular frequentemente se associa ao estágio secundário, latente tardio ou de duração indeterminada. A uveíte é a apresentação mais frequente (65%) e o envolvimento é bilateral em metade dos casos. A maioria dos pacientes relata exclusivamente sintomas oftalmológicos (redução da visão) na ausência de achados cutâneos ou neurológicos, embora o líquor, não obrigatório conforme recomendação do CDC em 2021, seja anormal em até 70% dos indivíduos submetidos à punção lombar. Os testes treponêmicos e não treponêmicos são úteis no diagnóstico, mas podem ser negativos. O tratamento recomendado é a penicilina intravenosa por 10 a 14 dias.
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Conclusão e mensagens práticas
- As infecções oculares merecem ser conhecidas pelo médico generalista, que, sendo muitas vezes o primeiro prestador de assistência, pode viabilizar o tratamento eficaz e em tempo hábil, potencialmente evitando a instalação de cegueira, a partir do pronto encaminhamento à oftalmologia.
- Os principais sinais de alarme em pacientes com infecções oculares são a dor ocular, hipoacuidade visual, presença de hipópio, achados compatíveis com herpes zóster oftálmico e sintomas constitucionais.
- A suspeita de endoftalmite endógena exige o afastamento de endocardite infecciosa, infecções do trato urinário e coleções intracavitárias, bem como atenção aos fatores de risco, como uso de drogas endovenosas e presença de acessos venosos centrais.
- As principais medidas profiláticas de infecções oculares são a adoção de práticas adequadas de uso de lentes de contato, uso de óculos de proteção diante de trabalhos de risco, imunização para o VZV e administração de antibioticoterapia profilática intravítrea em traumas oculares perfurantes.
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