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Medicina de Família30 novembro 2020

O que significa o uso de álcool durante a adolescência?

Estudo da World faz uma breve consideração sobre o que significa o uso de álcool durante a adolescência e suas repercussões.

O uso de álcool é um problema de grandes proporções em todo o mundo, mas o foco de sua discussão é mais comumente voltado para os adultos, deixando de lado os adolescentes e todas as implicações relacionadas a eles. Por isso, este texto é baseado no artigo, publicado na revista World Psychiatry em setembro deste ano, que busca fazer uma breve consideração sobre o que significa o uso de álcool durante a adolescência e suas repercussões.

Quando se fala em adolescentes e o uso de substâncias, geralmente nos ocorre que pode se tratar de uma discussão sobre vaping, cannabis e outros, mas nem sempre se pensa sobre o uso de álcool. No entanto, esta é uma droga amplamente usada e com grande impacto sobre a saúde, repercussões sociais, econômicas e, no caso dos adolescentes, sobre o neurodesenvolvimento. No mundo, os óbitos anuais relacionados ao uso de álcool é estimado em 5,3%. Estudos sugerem que o uso problemático atinge toda a população, independente de etnia, idade ou sexo, sendo comum que o uso seja iniciado na adolescência. É estimado que, 27% das pessoas, entre 15 e 19 anos em todo o mundo, tenha feito uso de álcool no último mês.

O uso precoce do álcool e suas problemáticas

O início do uso precoce pode ter uma relação importante com um padrão problemático de consumo no futuro. Jovens que começam a beber antes dos 15 anos, possuem quatro vezes mais chances de desenvolver um transtorno abusivo por uso de álcool, do que os que começam a beber depois dos 21 anos. As chances do desenvolvimento de um padrão de uso problemático diminui em 14% a cada ano que se adia o início do consumo. Isso, por si só, já justifica o desenvolvimento de estratégias preventivas que orientem sobre os benefícios do contato mais tardio com a bebida. É também necessário entender que adiar o início do uso é uma abordagem mais realista do que a estimulação da abstinência, uma vez que essa estratégia já se mostrou ineficaz.

Em relação ao padrão de consumo, há uma importante diferença entre adultos e adolescentes, pois os mais novos tendem a um consumo mais esporádico, mas em maior quantidade, caracterizando um padrão conhecido como binge drinking. Este se caracteriza por um consumo superior a quatro doses de álcool para o sexo feminino e cinco doses para o masculino.

Como já adiantamos, a adolescência ainda se constitui como uma etapa do neurodesenvolvimento, apesar de a estrutura física do adolescente já se apresentar semelhante a do adulto. Esta fase ainda é marcada por importantes processos no desenvolvimento neuronal, cognitivo, emocional e social, sendo a maturidade cerebral atingida aproximadamente aos 25 anos. Portanto, é justificável a preocupação de que o início do consumo precoce de álcool possa impactar negativamente esse processo e gerar efeitos duradouros.

Duas hipóteses

Os primeiros estudos feitos que tentaram avaliar a relação entre alterações encontradas em adolescentes e o uso do álcool, não conseguiram estabelecer padrões de causalidade por serem em sua maioria estudos transversais. Com o desenvolvimento e publicação mais recente de estudos longitudinais observacionais, duas hipóteses começaram a ser trabalhadas: primeiro a de que alterações neurais e cognitivas podem predizer o uso de álcool e a segunda, de que o uso, por sua vez, também interfere na trajetória normal do desenvolvimento.

Os seguintes achados foram observados entre adolescentes que usavam álcool: redução dos volumes das substância branca e cinzenta do cérebro, pior desempenho  da memória de trabalho e das atividades inibitórias e alterações no padrão de ativação cerebral em tarefas que envolvam esses dois últimos domínios (memória de trabalho e inibição) e o processamento da recompensa. Também há comprometimento da capacidade de tomada de decisão e maior ativação cerebral nas tarefas cognitivas, mesmo quando o desempenho é mantido. Isso sugere que os cérebros dos jovens que consomem álcool precisa trabalhar mais para que eles mantenham seu desempenho.

Apesar de toda essa repercussão, estima-se que apenas 8% dos adultos jovens e 6% dos adolescentes com diagnóstico estabelecido de transtorno por uso de álcool recebam o tratamento adequado. A abordagem considerada como padrão-ouro entre adolescentes é a intervenção psicossocial, na qual destacam-se a terapia de família, a terapia cognitivo-comportamental e a entrevista motivacional. Infelizmente, a eficácia dessa terapêutica é considerada modesta, havendo recaída após um ano do tratamento entre 33 e 50% dos jovens.

Concluindo

Além disso, sabemos que o uso de álcool não é o único fator de comprometimento do desenvolvimento nesse grupo e, em muitos casos, nem a única substância usada. Por isso há ainda estudos em andamento avaliando o uso comórbido de outras drogas e seu impacto. Espera-se que, com os resultados dessas e de novas pesquisas, somado ao desenvolvimento das neurociências, seja possível elaborar mais estratégias terapêuticas, inclusive com possibilidade de intervenções cognitivas e farmacoterapêuticas adjuntas.

No Brasil, apesar de não ser permitida a venda legal a menores de 18 anos, o consumo acontece e não é incomum. Fatores socioculturais podem contribuir e perpetuar uma cultura de consumo precoce de álcool, o que deve ser identificado e reconhecido pelos profissionais de saúde para que possam desenvolver estratégias de orientação e psicoeducação com estes pacientes e suas famílias.

Para mais informações sobre uso de álcool, abstinência, intoxicação por álcool em crianças, síndrome de Wernicke-Korsakoff e as repercussões clínicas do uso de álcool (como cirrose e pancreatite), não deixe de conferir o Whitebook.

 

Referências Bibliográficas: 

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