Como as mudanças climáticas podem afetar as doenças cardiovasculares
As doenças cardiovasculares estão entre as principais causas de mortalidade no mundo, tendo sua ocorrência influenciada por diversos fatores. Entre eles, os relacionados ao clima vêm ganhando destaque em estudos recentes, indicando que o aumento de temperaturas, episódios de frio intenso, poluição do ar e eventos extremos como inundações e secas são fatores de risco relevantes para desfechos adversos cardiovasculares. O guia “Mudanças Climáticas para Profissionais de Saúde”, publicado pelo Ministério da Saúde em 2024, apresenta uma abrangente visão sobre os efeitos dessas mudanças na saúde cardiovascular, bem como orientações para seu manejo clínico.
A exposição ao calor intenso, comum no Brasil, especialmente durante ondas de calor, é associada a algumas respostas fisiológicas, como mudanças na circulação, desidratação e estresse térmico, o que pode contribuir para desencadear ou agravar condições cardiovasculares. A taquicardia é uma resposta inicial à hipertermia, devido à necessidade de aumentar a circulação cutânea para dissipar calor, mas também pode levar a colapso pelo calor e à síncope, especialmente em idosos e pessoas com doenças cardíacas preexistentes. Dados empíricos mostram que para cada 1°C de aumento na temperatura, há um incremento de 1,6% nas hospitalizações por infarto do miocárdio. Além disso, o calor extremo pode provocar desidratação, que altera a homeostase cardiovascular e a função renal, aumentando o risco de hipotensão, arritmias e até insuficiência cardíaca. Nesse sentido, algumas medicações usadas para condições cardiológicas, como betabloqueadores e diuréticos, podem até agravar os efeitos do calor.
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Inundações, como as experimentadas no Rio Grande do Sul em 2024, também podem afetar a saúde cardiovascular ao contribuir para estados de estresse agudo e crônico, o que ativa o sistema nervoso simpático, elevando a pressão arterial. Esse fato pode colaborar para aumentar a incidência de hipertensão e, potencialmente, de eventos coronarianos agudos, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Em estudos realizados após o furacão Katrina, por exemplo, vítimas das enchentes apresentaram uma prevalência significativamente maior de doenças cardiovasculares em comparação a um grupo controle, destacando o impacto negativo do estresse prolongado e da exposição a condições insalubres.
O frio intenso é outro fator climático que pode ser relevante. Durante períodos de frio extremo, ocorre vasoconstrição periférica, o que pode aumentar a pressão arterial e a carga sobre o sistema cardiovascular. A exposição prolongada ao frio está associada ao aumento da mortalidade por infarto do miocárdio e angina pectoris, devido à hemoconcentração e ao aumento da viscosidade sanguínea. Estudos demonstram uma relação direta entre baixas temperaturas e elevação de 3% a 5% na mortalidade cardiovascular em cidades de clima temperado.
A poluição do ar também exerce um papel significativo nas doenças cardiovasculares, especialmente em áreas urbanas e durante queimadas. As partículas finas (PM2,5) e o ozônio, liberados em altas concentrações durante períodos de seca e queimadas, são fatores desencadeadores de arritmias e insuficiência cardíaca. A exposição prolongada a poluentes atmosféricos está associada ao desenvolvimento de aterosclerose e ao aumento do risco de eventos coronarianos agudos, com um aumento estimado de 2,12% em hospitalizações por insuficiência cardíaca para cada aumento de 10 µg/m³ de PM2,5 no ar.
Assim, torna-se fundamental que os profissionais de saúde mantenham-se atentos aos efeitos das mudanças climáticas no manejo de pacientes com doenças cardiovasculares. Durante ondas de calor, por exemplo, podem ser necessários ajustes nas medicações. Diuréticos, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e betabloqueadores podem potencializar a desidratação e a hipotensão em ambientes muito quentes. Já em períodos de frio intenso, quando há uso de vasodilatadores, pode haver risco de hipotermia por comprometimento da termorregulação periférica conforme a vasoconstrição periférica é reduzida.
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Para além da prática clínica, as políticas de saúde pública devem priorizar estratégias de adaptação às mudanças climáticas, especialmente em populações vulneráveis, como idosos, pessoas com múltiplas comorbidades e indivíduos de baixa renda. Intervenções como programas de alerta precoce para ondas de calor, campanhas de educação sobre cuidados com a saúde cardiovascular durante extremos climáticos e melhoria na qualidade do ar são medidas essenciais para reduzir a carga de doenças cardiovasculares relacionadas ao clima.
Embora já existam evidências sobre a relação entre mudanças climáticas e doenças cardiovasculares, novos estudos são necessários para aprimorar o entendimento sobre os mecanismos envolvidos e identificar intervenções mais eficazes. A detecção precoce de condições cardiovasculares e a adaptação das condutas clínicas frente a necessidades causadas por mudanças importantes do clima são essenciais para reduzir os riscos à saúde desses pacientes.
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