No 18º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade (CBMFC 2025), a mesa redonda “Contexto atual do SUS: avanços, riscos, desafios e perspectivas” trouxe para debate um paradoxo que parece bastante evidente: apesar de aparentemente todos elogiarem e defenderem a Atenção Primária à Saúde (APS), o modelo ainda encontra importantes obstáculos estruturais que impedem seu pleno desenvolvimento. A atenção primária do Brasil é reconhecida como boa prática global. Mas, na prática, ainda está longe de ser a APS que se gostaria ter em todo o país. O SUS já deu passos importantes com a Estratégia Saúde da Família (ESF), presente em praticamente todos os municípios, e acumula evidências robustas de impacto positivo em saúde, equidade e eficiência. Mas as mudanças necessárias para a sua evolução parecem avançar devagar demais.
Existe uma dimensão do problema que não é técnico, mas sim cultural, político e estrutural. A APS ainda é percebida como o “postinho”, com baixa atratividade para população e profissionais. Tem pouca densidade tecnológica, o que a torna menos interessante para o setor privado. E seus resultados, por mais sólidos, são de baixa visibilidade política – o que limita investimentos em tempos tão frequentes de caixa curto.
Nesse sentido, o médico sanitarista Dr. Renato Tasca trouxe ao debate uma proposta clara: é preciso uma APS ordenadora da rede de serviços e uma APS resolutiva no território.
APS ordenadora e APS resolutiva
A APS ordenadora pressupõe conexão permanente entre todos os atores do cuidado. As relações entre ESF e atenção especializada devem ser colaborativas e centradas na pessoa, não na doença. O papel da equipe na regulação assistencial precisa ser fortalecido, garantindo continuidade do cuidado e pertinência nos encaminhamentos. A própria rede de atenção especializada deve ser moldada a partir das demandas identificadas pela APS.
Já a APS resolutiva exige a presença de especialistas em Medicina de Família e Comunidade nas unidades básicas de saúde, infraestrutura para realização de procedimentos e expansão do uso de tecnologias de telemedicina e das teleconsultas. O apoio clínico e a governança podem ser potencializados pelas equipes e-Multi, com ampliação do escopo de atuação.
Avançar nesse modelo significa também trazer a atenção especializada para dentro do território. A proposta “shifting from hospital to community” vai além do acesso: reduz riscos de deslocamento, custos logísticos e ambientais, e devolve tempo e autonomia às pessoas e suas famílias.
A APS do SUS já mostrou que funciona. O desafio agora é criar as condições para que ela se desenvolva plenamente. Isso exige investimento, reestruturação e uma dose de coragem política. Porque fortalecer a APS é, no fim das contas, o caminho mais sustentável para ampliar acesso, reduzir filas e melhorar a saúde da população, justamente o que o Brasil tanto precisa.
Confira a cobertura do CBMFC 2025 aqui no Portal Afya!
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.