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Medicina de Família7 junho 2025

CBMFC 2025: Inteligência artificial na APS, presente e futuro

O congresso trouxe discussões relacionadas às possibilidades do uso de IA, suas responsabilidades e o uso de dados.
Por Renato Bergallo

No 18º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade (CBMFC 2025), a inteligência artificial (IA) foi discutida e apresentada em pelo menos três momentos da programação científica. Duas mesas-redondas e uma oficina prática exploraram, com profundidade e senso crítico, os avanços, riscos, aplicações e desafios da IA na Atenção Primária à Saúde (APS), reforçando que debates que envolver a relação da tecnologia com o cuidado são, antes de tudo, debates clínicos e sobre ética.

IA na APS: possibilidades, limitações e responsabilidade

Na primeira mesa redonda, “IA na Atenção Primária: avanços, riscos e desafios”, especialistas discutiram o impacto da IA generativa em aspectos centrais da prática clínica: desde a automação de registros até o suporte à decisão e à comunicação com pacientes. A promessa de desburocratizar processos e personalizar o cuidado foi contraposta às preocupações legítimas sobre alucinações, vieses algorítmicos e barreiras de implementação no SUS e na saúde suplementar.

A discussão destacou que, no cenário brasileiro, a adoção responsável da IA exige mais do que bons algoritmos: exige infraestrutura, capacitação técnica, regulação robusta e sensibilidade às desigualdades socioterritoriais. Casos internacionais foram apresentados, mas com ênfase em como esses exemplos devem ser adaptados às realidades locais.

Transcrição automatizada e gestão de dados: o que já está acontecendo

A segunda mesa, “IA, prontuários eletrônicos e gestão de dados na APS”, aprofundou o debate sobre ferramentas concretas já em uso ou em desenvolvimento. O foco esteve sobre sistemas de transcrição de áudio em tempo real, que transformam as falas da consulta clínica em registros estruturados (como o SOAP). Para médicas e médicos de família, muitas vezes sobrecarregados com agendas lotadas e curtos tempos de consulta, essa tecnologia aponta para um aumento de produtividade clínica e redução de tempo médio “desperdiçado” por atendimento, com potencial impacto sobre atributos da APS como acesso e longitudinalidade. Além disso, pode permitir também o que talvez seja o mais importante: que o profissional mantenha o olhar no paciente, sem se perder entre o teclado e o monitor.

Nesse sentido, foi citado um estudo qualitativo publicado recentemente no JAMA Network Open, conduzido em serviços de APS nos EUA. A pesquisa entrevistou médicas e médicos que participaram de um piloto com “ambient AI scribes”, que são esses sistemas que transcrevem, sintetizam e redigem anotações clínicas automaticamente. Os resultados foram interessantes: redução da sobrecarga cognitiva, melhora na integração trabalho-vida pessoal e percepção de maior tempo de qualidade com o paciente. Por outro lado, surgiram críticas à acurácia e à necessidade de revisão manual frequente, sobretudo em atendimentos com pacientes não anglófonos.

A mesa também discutiu os desafios específicos da incorporação dessas tecnologias no SUS, incluindo limitações de conectividade, interoperabilidade e privacidade. A integração de dados oriundos do e-SUS AB/PEC, SIAB, SIH, entre outros, articulados ao Cartão Nacional de Saúde (CNS) e sistemas de vigilância foi apontado como uma das maiores riquezas da APS brasileira — desde que explorados com responsabilidade técnica, ética e política.

Oficina prática: ciência de dados aplicada à APS

Com abordagem “mão na massa”, a oficina “Ciência de Dados para APS” apresentou conceitos fundamentais de data science direcionados para profissionais da saúde, em especial os que atuam na APS. A atividade trouxe teoria e prática em Python, utilizando bases de dados sintéticos do SUS. O objetivo: capacitar médicas e médicos a realizarem análises orientadas por dados populacionais, como estratificação de risco, vigilância de condições crônicas e alocação de recursos.

A oficina mostrou que a ciência de dados pode – e deve – ser considerada como uma competência clínica importante para profissionais na APS do século XXI, alinhando tecnologia com os seus atributos e com os princípios dos SUS.

Conclusão

As discussões sobre IA no CBMFC 2025 mostram que a tecnologia, por si só, não é uma solução mágica; contudo, se aplicada com criticidade e atenção à ética, pode ser muito potente como aliada na organização do cuidado, na valorização da clínica e na construção de sistemas de saúde mais inteligentes, humanos e sustentáveis.

Confira a cobertura do CBMFC 2025 aqui no Portal Afya!

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