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A NEJM publicou um excelente artigo de revisão sobre a profilaxia de hemorragia digestiva alta (HDA) em pacientes hospitalizados. Tecnicamente, trata-se de prevenção das chamadas “úlceras de estresse”, cujo nome mais adequado hoje em dia é lesão aguda da mucosa gástrica (LAMG). A fisiopatologia dessas lesões ocorre pela quebra da barreira da mucosa, que protege da acidez do suco gástrico, e está relacionada com a redução das prostaglandinas e do óxido nítrico por conta de comorbidades sistêmicas.
No ambiente de terapia intensiva, a incidência de LAMG e HDA é maior que nas enfermarias e está relacionada com a maior gravidade dos pacientes. Estima-se que ocorra em 5-25% dos pacientes no CTI, com uma taxa de sangramento grave de 1-5%, ao passo que na enfermaria a incidência estimada é menor, bem como a taxa de HDA grave (< 1%).
Considerando então a LAMG uma doença relativamente comum, há anos é proposta a profilaxia das lesões. O método não farmacológico mais eficaz é a nutrição enteral: ao escolher a via gastrointestinal e estimular o retorno precoce da dieta, há drástica redução no risco de LAMG e HDA. Contudo, em muitos casos é necessário complementar a profilaxia com uma estratégia farmacológica. O sucralfato, os anti-histamínicos e os inibidores da bomba de prótons (IBP) são as drogas mais utilizadas. Com a redução de custos, a boa tolerabilidade e o baixo risco de eventos adversos, os IBP se tornaram a droga de escolha.
O problema é que os médicos têm “escolhido demais” utilizar IBP, e passaram a prescrevê-los mesmo em pacientes de baixo risco (estima-se que mais de 60% dos pacientes internados estejam usando IBP!). A consequência foi um aumento na incidência de efeitos colaterais – eles são raros, mas temos usado tanto IBP, que acabam aparecendo. Este tema é tão importante, que a redução na prescrição indiscriminada de IBP se tornou um dos 5 pontos centrais da campanha Choosing Wisely dos pacientes em medicina interna hospitalista.
Principais efeitos colaterais do uso crônico de IBP:
- Colonização gástrica e maior risco de pneumonia nosocomial
- Diarreia
- Má absorção B12
- Hipomagnesemia
- Infecção por Clostridium difficile
- Nefrite intersticial
- Osteoporose
Qual a saída?
Identificar os pacientes de maior risco para LAMG/HDA, pois são eles que se beneficiam da profilaxia com IBP. Neste aspecto, há dois grupos: um para os quais a profilaxia é indicada, está bem respaldada nos estudos; e outro onde há muito debate. Este último grupo é principalmente os pacientes de enfermaria, que são mais heterogêneos e de menor complexidade.
Profilaxia está indicada | ||
Ventilação mecânica* | Coagulopatia | Dupla antiagregação plaquetária |
AINE | TCE | ECMO |
Sepse Grave | Anticoagulação Plena | Instabilidade hemodinâmica |
Profilaxia questionável | ||
Corticoide | Hepatopata** | Diálise** |
*> 48h para a maioria dos autores
**No artigo da NEJM aparece como critério maior (profilaxia indicada)
Diretrizes de desprescrição: como suspender um inibidor de bomba de prótons?
E na enfermaria?
Um estudo recente propõe utilizarmos um escore que classifique o paciente em grupos de risco para HDA por LAMG.
Idade > 60 anos | 2 |
Masculino | 2 |
Insuficiência renal aguda | 2 |
Hepatopatia | 2 |
Sepse | 2 |
Uso anticoagulante dose profilática | 2 |
Coagulopatia ou anticoagulante dose plena* | 3 |
Internação em medicina interna / clínica médica | 3 |
*Enoxaparina > 60 mg/dia
*INR > 1,5, PTTr > 2x controle e/ou plaquetas < 50 mil.
Faixas de Risco:
- Baixo: ≤ 7
- Médio: 8-9
- Alto: 10-11
- Muito Alto: ≥ 12
Neste artigo, os autores propõem o uso de IBP nos grupos de Alto ou Muito Alto Risco.
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Referências:
- Deborah Cook, M.D., and Gordon Guyatt, M.D. Prophylaxis against Upper Gastrointestinal Bleeding in Hospitalized Patients. June 28, 2018. N Engl J Med 2018; 378:2506-2516 || DOI: 10.1056/NEJMra1605507
- Herzig, S.J., Rothberg, M.B., Feinbloom, D.B. et al. J GEN INTERN MED (2013) 28: 683. https://doi.org/10.1007/s11606-012-2296-x
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