Uma formidável sessão ocorrida no 2° Congresso Sul-Americano e 4°Congresso Paulista de Urgências e Emergências Pediátricas abordou a temática “Vias Aéreas”. Uma das palestras foi da Dra. Laura Morilla (Paraguai) intitulada “Oxigenação apneica na sequência rápida de intubação”, a qual se encontra sintetizada abaixo.
Introdução
A sequência rápida de intubação (SRI) é o método padrão para o manejo definitivo das vias aéreas em departamentos de emergências No entanto, a apneia induzida por paralisia aumenta o risco de eventos adversos, incluindo queda de saturação de oxigênio (SatO2) e hipercapnia. Ademais, a hipoxemia aumenta o risco de lesão cerebral hipóxica primária e secundária, bradicardia e parada cardiorrespiratória (PCR). A intubação endotraqueal (IET) como um todo também não é isenta de riscos. É realizada em crianças criticamente enfermas em casos de emergência, porém com uma elevada taxa de complicações (até 40%). Dessa forma, tentativas malsucedidas de IET de emergência estão associadas a uma necessidade prolongada de ventilação mecânica (VM) em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).
Saiba mais: Saturação venosa central de oxigênio x saturação venosa mista de oxigênio
Sete passos para a SRI
Sete passos (sete “Ps”) para a SRI foram descritos pela Dra. Laura, conforme demonstrado no Quadro a seguir:
Ação | Tempo |
Preparação | 10 minutos antes da IET (checar paciente, material e equipe) |
Pré-oxigenação | 5 minutos antes da IET |
Otimização da Pré-intubação (Pré-medicação) | É uma fase de estabilização que dura cerca de 3 minutos |
Paralisia e indução (sedação) | Administração de medicamentos |
Posição | 30 segundos depois da indução |
Colocação do tubo e verificação de Posicionamento | O tempo depende do tempo de ação dos fármacos administrados |
Pós-intubação | Manejo posterior à IET |
Legenda: IET – intubação endotraqueal. Fonte: Adaptado de Morilla (2023)
Pré-oxigenação
A palestrante destacou que a pré-oxigenação é uma das etapas mais importantes da IET e seu objetivo é evitar a hipóxia durante o procedimento: manter a SatO2 acima de 90% durante todo o processo. Todavia, embora pareça ser simples, essa estratégia e os possíveis dispositivos para auxiliá-los podem ser difíceis de serem manejados.
As crianças têm maior taxa de consumo de oxigênio com menor capacidade residual funcional e volume alveolar. Consequentemente, a queda de SatO2 ocorre mais rapidamente do que no adulto. Uma dessaturação de 80% pode ocorrer em uma criança saudável, de 10 kg, pré-oxigenada e apneica em menos de quatro minutos, em comparação com um período superior a oito minutos em um adulto saudável de 70 kg.
Em uma emergência, as crianças podem apresentar insuficiência respiratória e/ou hemodinâmica. Assim sendo, a pré-oxigenação é menos eficaz e insuficiente para evitar a dessaturação, mesmo durante curtos períodos de apneia. O tempo seguro de apneia consiste no tempo até que a SatO2 caia para 88-90% durante a IET.
Oxigenação apneica
A oxigenação apneica é descrita desde 1955 como um mecanismo para maximizar as reservas de oxigênio, particularmente útil em intubações difíceis e de emergência. É definida como a passagem de oxigênio para o sangue na ausência de ventilação (respiração espontânea ou ventilação com pressão positiva) e prolonga o tempo de apneia sem dessaturação, mantendo CO2 em níveis toleráveis. Sua finalidade é justamente reduzir falhas e complicações da IET.
Conforme explicado pela Dra. Laura, diferentes estratégias podem ser utilizadas, como cateter nasal, cateter nasofaríngeo, dispositivos supraglóticos, cânulas conectadas ao laringoscópio ou vídeolaringoscópio, e cateter nasal de alto fluxo (CNAF – gera alguma PEEP, umedece e aquece, além de liberar CO2).
Para exemplificar, a palestrante citou alguns artigos a favor do método, incluindo a revisão Efficacy of Apneic Oxygenation During Pediatric Endotracheal Intubation, de Mark Dancy (2021) que determinou que não importa o método: a prática da oxigenação apneica é bastante útil tanto na redução quanto na eliminação da hipóxia peri-intubação no paciente pediátrico. Outro estudo citado (Apneic nasal oxygenation and safe apnea time during pediatric intubations by learners, de Soneru e colaboradores – 2019) constatou que a oxigenação apneica via cânula nasal durante a intubação de pacientes cirúrgicos pediátricos prolonga o tempo antes da dessaturação, estendendo assim o intervalo seguro para o manejo das vias aéreas por alunos em treinamento. Entretanto, no estudo observacional Apneic oxygenation to prevent oxyhemoglobin desaturation during rapid sequence intubation in a pediatric emergency department, Overmann e colaboradores (2019) concluíram que a oxigenação apneica não foi associada a um menor risco de dessaturação da oxihemoglobina durante a SRI.
Leia também: Intubação orotraqueal na UTI: updates e dispositivos
Um outro artigo mencionado pela palestrante foi um que contou com sua participação como autora: Evaluación del manejo avanzado de la vía aérea en un departamento de emergencia pediátrico (Céspedes e colaboradores, 2019). Trata-se de um estudo observacional, descritivo e prospectivo em pacientes de 0 a 18 anos que necessitaram de IET. Foram incluídos 93 pacientes de 0 a 18 anos. A porcentagem de sucesso do procedimento foi de 83,9% (78/93). A mudança de operador foi necessária 19 vezes e todos foram intubados por laringoscopia convencional. O tempo médio de intubação foi de 3 (2-5,5) minutos, com média de tentativas de 1,8 (± 1,3), sendo a dessaturação de oxigênio observada em 23 (24,7%) pacientes.
Mensagens finais
A Dra. Laura Morilla finalizou sua brilhante apresentação com as seguintes conclusões: a oxigenação é essencial para reduzir a morbidade e a mortalidade em crianças e adolescentes durante o manejo das vias aéreas. A literatura demonstra que a oxigenação apneica reduz os episódios de hipóxia em adultos e em crianças em centros cirúrgicos. Em Emergências Pediátricas, no entanto, não está definida a forma ideal de administração de oxigênio, porém qualquer tentativa de IET não deve ser feita sem medidas para prevenir a hipoxemia.
Comentário
Como pediatra intensivista, concordo que a oxigenação apneica deva ser empregada em diferentes ambientes clínicos e a vejo como uma medida satisfatória na minimização de quadros de hipoxemia. Na prática, utilizo o cateter nasal de oxigênio (simples, de baixo fluxo), com bastante sucesso. No entanto, é preciso ter muito cuidado com relação a outras formas de administração de oxigênio, havendo necessidade, de fato, de mais estudos, com o objetivo de se evitar lesões pulmonares, como o barotrauma.
Acompanhe nossa cobertura do 2° Congresso Sul-Americano e 4°Congresso Paulista de Urgências e Emergências Pediátricas.
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