Urina infectada e paciente sem sintomas. Quais são as indicações de tratamento?
É comum, como nefrologista, lidar com represálias de pacientes que apresentam urina “infecciosa”, mas sem sintomas. Nesses casos, a melhor conduta é não tratar, conforme as diretrizes. No entanto, esses pacientes frequentemente chegam frustrados após passarem por outros especialistas que, ao analisarem o exame, dizem algo como: “Nossa! O nefrologista não viu essa infecção com mais de 1 milhão de leucócitos? Já que ele não passou antibiótico, pode deixar que eu passo!”. E assim, o paciente acaba utilizando uma quinolona sem qualquer indicação adequada.
A situação é tão recorrente que passei a incluir uma observação em todos os exames de urina 1 que identificam bacteriúria assintomática e não têm indicação de tratamento:
“Bacteriúria assintomática. Tratar apenas em gestantes ou antes de procedimentos urológicos invasivos.”
Não se trata de preciosismo ou chatice do nefrologista. O tratamento inadequado dessa condição traz riscos reais ao paciente. Para refrescar a memória, segue um resumo dos principais pontos que justificam essa conduta baseada em evidências.
Saiba mais: Bacteriúria assintomática: tratamento antibiótico é eficaz?
O que é Bacteriúria Assintomática
A bacteriúria assintomática (BA) é definida como a presença de bactérias na urina sem sintomas urinários associados. É uma condição comum que muitas vezes leva a decisões sobre a necessidade de tratamento antimicrobiano. No entanto, existem poucas indicações para tratar a bacteriúria assintomática, e o tratamento inadequado pode contribuir para o desenvolvimento de resistência antimicrobiana.
Quando preciso tratar a BA?
O tratamento da BA é recomendado em circunstâncias específicas, conforme as diretrizes atualizadas da Infectious Diseases Society of America (IDSA) e outras fontes. As principais situações em que o tratamento é indicado incluem:
1. Gravidez: As mulheres grávidas devem ser rastreadas para BA no início do pré-natal e tratadas se o resultado for positivo. Isso se deve ao risco aumentado de pielonefrite e complicações associadas à gravidez, como parto prematuro e baixo peso ao nascer.
2. Procedimentos Urológicos: Indivíduos que irão se submeter a procedimentos urológicos que envolvem trauma da mucosa devem ser rastreados e tratados para BA. Isso é para prevenir infecções pós-operatórias que podem ocorrer devido à presença de bactérias na urina.
Fora dessas situações, o tratamento da BA não é recomendado, pois não há evidências de que o tratamento melhore os desfechos clínicos e pode, na verdade, contribuir para a resistência antimicrobiana. Isso inclui pacientes com diabetes, aqueles com cateteres de longa permanência, pacientes com lesão medular, e pacientes submetidos a cirurgias não urológicas, entre outros.
Quais os riscos de tratar indevidamente a Bacteriúria Assintomática?
1 – O tratamento desnecessário de BA pode levar ao aumento da resistência antimicrobiana.
Estudos demonstram que mulheres tratadas para BA apresentam uma maior prevalência de cepas bacterianas resistentes a antibióticos, como Escherichia coli, em comparação com aquelas que não foram tratadas. Isso é particularmente preocupante em um contexto de crescente resistência antimicrobiana global.
2 – O tratamento de BA pode resultar em um aumento na frequência de infecções.
O número de infecções (realmente sintomáticas) a curto prazo após o tratamento da BA pode aumentar, sem oferecer benefícios clínicos significativos. Isso sugere que a intervenção pode, paradoxalmente, predispor os pacientes a infecções mais frequentes.
3 – O aumento dos efeitos adversos relacionados ao uso de antibióticos.
Efeitos adversos incluindo infecções por Clostridioides difficile podem ser graves e aumentar os custos de saúde. O uso inadequado de antibióticos também está associado a hospitalizações prolongadas, como observado em pacientes hospitalizados tratados para BA. Outros efeitos colaterais como alterações eletrolíticas, gastrite associada ao uso de antimicrobianos também devem ser considerados.
Veja também: Saiba o que é bacteriúria assintomática e como combatê-la
Conclusão
As diretrizes atuais recomendam o rastreamento e tratamento da bacteriúria assintomática em mulheres grávidas e em indivíduos que irão se submeter a procedimentos urológicos com risco de trauma mucoso. Portanto, a abordagem ao tratamento da BA deve ser cuidadosa e baseada em evidências, limitando-se às situações em que há um benefício claro e documentado.
O tratamento inadequado da bacteriúria assintomática pode levar a consequências indesejadas, como resistência antimicrobiana e infecções por Clostridium difficile, além de aumentar os custos de saúde. Portanto, é importante reduzir o tratamento desnecessário dessa condição.
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