A endocardite infecciosa é uma doença que exige tratamento prolongado e cuja primeira linha de terapia ainda é antibioticoterapia intravenosa. Estudos mais recentes procuraram estabelecer a eficácia de transição para terapia oral, com resultados favoráveis.
Entretanto, essa prática ainda não é amplamente adotada, especialmente porque dados de vida real sobre sua eficiência são pouco disponíveis. Um estudo publicado na Clinical Infectious Diseases trouxe mais informações sobre o tema.
Saiba mais: Infecções de prótese: qual a duração ideal da antibioticoterapia?
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo, multicêntrico, avaliando dados de prontuários eletrônicos de três centros médicos nos Estados Unidos da América no período de dezembro de 2018 a junho de 2022. Foram incluídos pacientes com diagnóstico definitivo ou provável de endocardite segundo os critérios de Duke até então vigentes.
O desfecho primário foi sucesso clínico em 90 dias, definido como estar vivo, sem bacteremia recorrente e sem complicações que tenham se desenvolvido durante o tratamento. Tais complicações incluíram embolia arterial maior, infartos/êmbolos sépticos pulmonares, aneurismas micóticos, lesões de Janeway, abscessos ou infartos em órgãos à distância, ou implantes secundários com disseminação por via hematogênica. Os desfechos secundários foram sucesso clínico no último seguimento, eventos adversos relacionados ao tratamento, tempo de hospitalização e taxas de readmissão hospitalar.
Os participantes foram divididos em duas coortes de acordo com a prescrição no momento da alta hospitalar: os que receberam terapia IV exclusiva e os que fizeram transição para terapia oral. Os que receberam alta e precisaram ser readmitidos por endocardite foram considerados como pertencentes a um segundo evento, podendo ser contabilizados mais de uma vez na análise dos dados.
Resultados
Foram incluídos 257 pacientes com endocardite, sendo 211 no braço de terapia IV exclusiva e 46 no braço com transição para VO. As principais bactérias envolvidas foram Staphylococcus aureus, Streptococcus spp. e Enterococcus faecalis.
Os grupos eram em geral semelhantes, mas os pacientes que foram tratados exclusivamente com antibióticos IV tenderam a ser mais velhos. Esse grupo também tinha maior proporção de endocardites de valva aórtica, diabetes, dependência de diálise e presença de acesso venoso central no momento do diagnóstico. Por outro lado, o braço com transição para VO tinha maior proporção de endocardites de valva tricúspide, pacientes com história de uso de drogas injetáveis e casos de MRSA.
As taxas de sucesso clínico foram semelhantes com 90 dias (84,4% no grupo de terapia IV e 87,0% no grupo com transição para VO; p = 0,66) e no último seguimento (82,0% no grupo de terapia IV e 76,1% no grupo com transição para VO; p = 0,36). Também não houve diferença entre os grupos para os desfechos de falha clínica (morte, recorrência de bacteremia e complicações durante o tratamento) e nem nas taxas de readmissão hospitalar. A análise de subgrupo não mostrou diferenças nos desfechos por características clínicas, exceto por maior sucesso com terapia IV exclusiva nos pacientes com doença hepática no último seguimento.
O número de eventos adversos foi significativamente maior no grupo da terapia com antibioticoterapia IV exclusiva quando comparado com o grupo com transição para VO (27,5% vs. 8,7%, respectivamente; p = 0,004). As principais diferenças foram na ocorrência de disfunção renal aguda e eventos relacionados a acesso venoso.
Na análise multivariada, os resultados foram ajustados por idade, dependência de diálise, comprometimento de valva aórtica e infecção por MRSA. Também não houve diferença nas taxas de sucesso clínico em 90 dias ou no último seguimento. Quando os casos de endocardite provável foram excluídos e as análises foram repetidas somente com os casos de endocardite definitiva, os resultados foram semelhantes: sem diferenças entre os grupos no desfecho primário em 90 dias e no último seguimento.
A duração de antibioticoterapia IV antes de transição para VO variou de 7 a mais de 21 dias, com mediana de 15,5 dias. Não houve correlação entre o tempo de tratamento IV e as taxas de sucesso clínico. Em relação ao tempo de hospitalização, também não houve diferença entre os grupos de antibioticoterapia IV e o com terapia VO.
Leia também: ESC 2023: Nova diretriz de endocardite infecciosa apresentada foca na prevenção
Mensagens práticas
– Não houve diferença na taxa de sucesso clínico entre pacientes com endocardite tratados com terapia IV e os que fizeram transição para VO.
– O uso de terapia IV prolongada esteve associado a maior frequência de eventos adversos.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.