O manejo do viajante é baseado no princípio de risco e, por isso, deve levar em consideração uma série de fatores que dependem de cada paciente. A escolha de quais vacinas indicar deve levar em consideração quais doenças o paciente pode estar exposto na viagem, a gravidade da doença se adquirida, os riscos da vacinação em si e o risco comportamental envolvido (tipo de acomodação, comida, uso de repelentes, comportamento sexual, atividades ao ar livre). Dessa forma a abordagem requerida pela medicina de viagem deve ser individualizada.
Vacinas para viajantes
Devemos ter em mente também que as doenças preveníveis por vacinas (DPV) tem incidências diferenciadas. A influenza é a mais comum DPV no viajante apresentando risco estimado de 8,9 a cada 100 pessoas/mês. Já a hepatite A tem risco estimado de 3,5 casos por 100000 viajantes que procuram zonas de alta e intermediária endemicidade. O risco de febre amarela pode ser alto em áreas epidêmicas de transmissão: em 2018, pelo menos 10 viajantes adquiriram a doença no Brasil.
Além disso, a consulta de aconselhamento pré viagem é uma ótima oportunidade para atualização do cartão vacinal.
A seguir, vamos citar as vacinas mais comuns na rotina de avaliação do viajante (levando em consideração o Programa Nacional de Imunização, as indicações da Organização Mundial de Saúde e da Sociedade Brasileira de Imunizações).
Tríplice bacteriana acelular do tipo adulto (dTpa)/Dupla adulto (dT)
- Atualizar a dTpa independente do intervalo prévio com dT;
- Se o esquema de vacinação básico for completo, o reforço com dTpa deve ser feito a cada 10 anos;
- Se o esquema de vacinação básico for incompleto, uma dose de dTpa deve ser feita a qualquer momento e, após, deve-se completar a vacinação básica com dT de forma a totalizar três doses de vacina contendo o componente tetânico;
- Não vacinados ou aqueles com histórico desconhecido devem realizar uma dose de dTpa e duas doses de dT (esquema 0 – 2 – 4 – 8 meses);
- A dTpa está recomendada mesmo para aqueles que tiveram coqueluche, visto que a proteção conferida pela infecção não é permanente;
- A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim) indica o uso da vacina dTpa, em substituição à dT, objetivando, além da proteção individual, a redução da transmissão da Bordetella pertussis para suscetíveis com alto risco de complicações (como lactentes);
- A dT está disponível no SUS e a dTpa em clínicas privadas de vacinação.
Polio
- Adultos que tem o calendário básico de vacinação completo e pretendem viajar para área endêmica de poliomielite(Afeganistão, Paquistão e Nigéria) ou que tiveram casos da doença vacinal (informação disponível no Global Polio Eradication Initiative), devem receber uma dose da vacina inativada de pólio como booster;
- Para indivíduos que precisam também realizar a dTpa, recomenda-se a vacina dTpa combinada à pólio inativada (dTpa – VIP);
- Disponível no SUS.
Veja também: Quando e como vacinar pacientes submetidos a transplante de medula óssea?
Varicella
- Para suscetíveis, devem ser realizadas duas doses com intervalo de um a dois meses;
- Está disponível no Programa Nacional de Imunização (PNI) desde 2013 (uma dose aos 15 meses de idade – tetraviral);
- Para adultos, a vacina encontra-se disponível em clínicas privadas;
- O uso em imunodeprimidos deve ser avaliado pelo médico.
Zoster
- Faltam estudos que comprovem o risco adicional de reativação do vírus varicela zoster em viajantes;
- Uma dose;
- Licenciada a partir dos 50 anos, ficando a critério médico sua recomendação a partir dessa idade;
- Recomendada para indivíduos a partir de 60 anos de idade, mesmo para aqueles que já desenvolveram a doença. Nesses casos, aguardar o intervalo de um ano entre o quadro agudo e a aplicação da vacina;
- Em casos de pacientes com história de herpes zoster oftálmico, ainda não existem dados suficientes para indicar ou contraindicar a vacina;
- O uso em imunodeprimidos deve ser avaliado pelo médico;
- Disponível apenas em clínicas privadas de vacinação.
Pneumocócica (VPC13/ VPP23)
- Viajantes tem risco aumentado de infecções respiratórias de todos os tipos;
- O esquema sequencial de VPC13 e VPP23 é recomendado rotineiramente para indivíduos com 60 anos ou mais;
- A vacinação entre 50-59 anos com VPC13 fica a critério médico;
- O esquema sequencial de VPC13 e VPP23 é recomendado para indivíduos portadores de algumas comorbidades, estando, assim, disponíveis no SUS através dos Centros de referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE).
Papilomavírus humano (HPV)
- Apesar de existir evidência de aumento da atividade sexual, geralmente não planejado, durante viagens, não há indicação específica da vacinação para viajantes;
- Três doses (0-1 a 2-6 meses);
- Duas vacinas estão disponíveis no Brasil: HPV4, licenciada para meninas e mulheres de 9 a 45 anos de idade e meninos e homens de 9 a 26 anos; HPV2, licenciada para meninas e mulheres a partir dos 9 anos de idade;
- Indivíduos mesmo que previamente infectados podem ser beneficiados com a vacinação;
- Homens e mulheres em idades fora da faixa de licenciamento também podem ser beneficiados com a vacinação, ficando a critério médico o uso off label nesses casos;
- Disponível no PNI para crianças entre 9 a 14 anos (2 doses com seis meses de intervalo).
Tríplice viral (MMR)
- Duas doses da vacina acima de 1 ano de idade, com intervalo mínimo de um mês entre elas;
- Para adultos com esquema completo, não há evidências que justifiquem uma terceira dose como rotina, podendo ser considerada em situações de surto de caxumba e risco para a doença;
- O uso em imunodeprimidos deve ser avaliado pelo médico;
- Está disponível no SUS (duas doses até 29 anos, uma dose entre 30 e 49 anos).
Hepatite B
- Transmissão da doença se dá por via sexual, transfusão de sangue, equipamento médico contaminado, colocação de piercing, acunpuntura. Difícil controle no contexto de viagem;
- Indivíduos não imunizados anteriormente devem ser vacinados;
- Três doses (0 – 1 – 6 meses);
- O esquema acelerado (0 – 7 – 21 dias – 12 meses) e hiperacelerado (0 – 1 – 2 dias – 12 meses) pode ser utilizado;
- Disponível no SUS.
Hepatite A
- Indicada para pessoas não imunes que irão para áreas de risco moderado a alto (inclui basicamente todas as regiões, exceto Estado Unidos, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Escandinávia e países desenvolvidos da Europa);
- Uma única dose da vacina feita em qualquer momento antes da viagem confere proteção adequada;
- Duas doses (0 – 6 meses);
- Indivíduos não imunizados anteriormente para as hepatites A e B devem ser vacinados;
- A vacina combinada para as hepatites A e B é uma opção e pode substituir a vacinação isolada;
- É recomendada para indivíduos portadores de algumas comorbidades, estando, assim, disponível no SUS através dos CRIE.
Leia também: Malária: o que você precisa saber sobre a profilaxia para viajantes
Influenza
- Alterações genômicas podem ocorrer abruptamente com esse vírus e, dessa forma, pode haver diferença significativa entre as cepas predominantes nos hemisférios norte e sul. Portanto, anualmente a vacina é revisada separadamente para os dois hemisférios;
- Durante os anos em que a composição das vacinas contra influenza sazonal for diferente entre os hemisférios, os viajantes devem obter a vacinação recomendada para o local em que ele está indo (preferencialmente duas semanas antes da viagem). Se não for possível, providenciar a vacina no local de destino o mais rápido possível;
- Desde que disponível, a vacina influenza 4V é preferível à vacina 3V, por conferir maior cobertura das cepas circulantes;
- No SUS encontra-se disponível a vacina 3V para maiores de 55 anos e grupos de risco em qualquer idade.
Meningocócica
- A vacina quadrivalente (ACWY) é recomendada para quem vai para África Subsaariana (cinturão da meningite) durante a estação seca de dezembro à junho;
- A vacina meningocócica B não é recomendada rotineiramente para viajantes a menos que exista alguma indicação específica como asplenia ou deficiência de complemento. Considerar a vacinação se a pessoa for em local próximo de surto;
- Disponíveis em clínicas privadas.
Febre tifoide
- Deve ser considerada para todos que vão para Índia e outras áreas endêmicas. O risco aumenta de acordo com a duração, tipo de acomodação, local de alimentação e tipo de alimento ingerido;
- O viajante deve ser instruído sobre cuidado rigoroso com água e alimentação que será consumida;
- A vacina oferece 53-72% de proteção e um grande inóculo oral pode sobrecarregar a resposta imune;
- Uma dose. A vacina confere proteção por três anos, de modo que a revacinação pode ser recomendada após esse período;
- Disponível no SUS através dos CRIE e em clínicas privadas de vacinação.
Febre amarela
- No Brasil estão disponíveis duas vacinas (a produzida por Bio-Manguinhos – Fiocruz e a pela Sanofi Pasteur);
- Ambas têm perfil de segurança e eficácia semelhantes (estimada em mais de 95% para maiores de 2 anos);
- Em situação de aumento das chances de infecção pelo vírus selvagem, a vacinação pode ser recomendada para pessoas com algumas pessoas com condições clínicas que inicialmente seriam consideradas contraindicação. Cabe avaliação médica nesses casos;
- Como o Brasil é um país endêmicos para a doença, alguns países só permitem a entrada de viajantes brasileiros mediante apresentação do Certificado Internacional de Vacinação e Profilaxia (CIVP) com registro de dose aplicada no mínimo 10 dias antes da viagem. A dose fracionada não é válida para esse fim.
- Uma dose. Disponível no SUS.
Raiva
- Deve ser realizada para quem vai para áreas endêmicas da América Latina, Ásia e África. Considerar principalmente em caso de viagens de aventura, como escaladas, exploração de cavernas, mochilões;
- Não elimina a necessidade da vacinação pós exposição, mas simplifica o esquema e elimina a necessidade do uso de imunoglobulina (que pode ser difícil de encontrar dependendo do local da viagem);
- Esquema composto por três doses (0 – 7 – 21 ou 28 dias).
Referências bibliográficas:
- Freedman DO; Chen LH. Vaccines for International Travel. Mayo Clin Pro. 2019 Nov, 94 (11): 2314-2339.
- https://www.who.int/ith/vaccines/en/
- https://familia.sbim.org.br/vacinas/vacinas-disponiveis
- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – 4. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
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