Estima-se que 5 milhões de mortes em 2019 foram associadas à germes multirresistentes e que o ônus global cumulativo associado ao tratamento dessas doenças gire em torno de 100-210 trilhões de dólares (1% do produto interno bruto global). Assim, percebe-se que a resistência aos antimicrobianos é uma urgência de saúde pública global e o uso excessivo e inadequado de antibióticos, inclusive em infecções virais, é um dos principais impulsionadores do processo de resistência.
A pandemia de covid-19 chamou a atenção para a necessidade de combate ao uso indiscriminado de antimicrobianos. Embora menos de 10% dos pacientes com COVID-19 sejam diagnosticados com uma infecção bacteriana secundária, 75% receberam prescrição de antibiótico.
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Contexto atual do uso de antimicrobianos
Os estudos clínicos realizados até hoje mostraram um aumento do consumo global de antimicrobianos durante a pandemia, porém, o efeito do uso de antibióticos para doenças não covid-19 ainda precisa ser avaliado. São exemplos de fatores de confundimento:
- Intervenções não farmacêuticas para controlar a disseminação da doença viral (como bloqueios, restrições de viagens, uso de máscaras) podem ter reduzido a transmissão de muitas doenças infecciosas relacionadas a COVID-19, como influenza sazonal, que constantemente também é tratada inadequadamente com antimicrobianos.
- As interrupções do sistema de saúde podem ter reduzido o acesso dos pacientes, o que pode ter atuado para redução de prescrição de medicamentos.
- O uso privado e off-label (incluindo uso profilático) de antibióticos durante a pandemia foi documentado e também precisa ser avaliado.
- O retorno à normalidade em 2021 e 2022 pode ter sido associado a uma maior prevalência de outras infecções virais que não a provocada pelo Sars-Cov-2 e que tiveram uso inadequado de antibiótico.
- A cobertura vacinal infantil decresceu, o que pode ter aumentando a prevalência de doenças evitáveis.
Novo estudo sobre a venda de antimicrobianos
Um estudo recente avaliou, então, os dados mensais de volume de vendas de antibióticos de amplo espectro (cefalosporinas, penicilinas, macrolídeos e tetraciclinas) em 71 países durante março de 2020 a maio de 2022 a partir do banco de dados IQVIA MIDAS. Esses dados foram combinados com os dados mensais de casos e vacinação da covid-19 do Our World in Data, banco de dados alimentado pela Universidade Johns Hopkins. Foram usados modelos de regressão com dados em painel e de efeitos fixos, levando em conta as características do país, para estimar as associações entre vendas de antibióticos e casos de covid-19 e vacinas por 1 mil pessoas.
Resultados
As análises mostraram que as vendas de todos os quatro antibióticos caíram acentuadamente durante abril e maio de 2020, seguido por um aumento gradual para níveis próximos aos pré pandêmicos até maio de 2022. Além disso, um aumento de 10% nos casos mensais de covid-19 foi associado a 0,2%-0,3% mais vendas de cefalosporinas, 0,2%-0,3% mais vendas de penicilinas, 0,4%-0,6% mais vendas de macrolídeos e 0,3% mais vendas de todos os quatro antibióticos combinados por 1 mil pessoas.
Em todos os continentes, um aumento de 10% nos casos mensais de covid-19 foi associado a vendas de macrolídeos 0,8%, 1,3% e 1,5% maiores na Europa, América do Norte e África, respectivamente. As vendas de outros antibióticos em todo o continente também foram positivamente associadas aos casos de covid-19, embora as associações estimadas fossem menores em magnitude.
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Conclusão e mensagem prática
O estudo não encontrou associação consistente entre a venda de antibióticos e as vacinas contra a covid-19, desfecho que não impacta mudanças na prática clínica.
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