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Infectologia1 julho 2024

P. vivax: Efetividade da tafenoquina e primaquina para prevenção no Brasil

Segundo estimativas da OMS, em 2022 ocorreram 552.000 casos de malária na região, dos quais 72% foram causados por P. vivax

A malária continua sendo uma das principais doenças infecciosas no mundo e nas Américas. Uma particularidade do ciclo de vida do Plasmodium vivax (P. vivax) é a presença de hipnozoítas, formas hepáticas dormentes que podem ser causa de recaídas clínicas e de permanência da transmissão. Para completa eliminação do parasita, é necessário o uso de uma droga com ação contra os hipnozoítas, como primaquina ou, mais recentemente, tafenoquina. 

No Brasil, o esquema de primaquina por 7 dias vem sendo recomendado desde os anos 1990, porém as taxas de adesão são subótimas, podendo ser tão baixas quanto 67% em algumas populações. Em 2019, entretanto, a tanefoquina, uma droga que pode ser utilizada em dose única foi registrada no país e, em 2021, o Ministério da Saúde desenvolveu um novo algoritmo de tratamento para malária por P. vivax, incorporando-a em conjunto com testagem quantitativa de G6PD. 

Um estudo brasileiro publicado na The Lancet Infectious Diseases procurou avaliar a efetividade dessa estratégia em evitar recorrência em 90 e em 180 dias. 

Plasmodium vivax: Efetividade da tafenoquina e primaquina para prevenção no Brasil

Materiais e métodos 

O estudo utilizou dados registrados no sistema SIVEP-Malária, que contém informações de todos os pacientes com diagnóstico de malária no país. Os locais avaliados foram os municípios de Manaus (AM) e Porto Velho (RO), que participaram do ensaio TRuST, que mostrou a viabilidade da implementação do algoritmo com tafenoquina no sistema público brasileiro. 

Foram incluídos todos os pacientes com infecção confirmada por P. vivax ou com infecção mista por P. vivax e P. falciparum entre setembro de 2021 e agosto de 2022 nos dois municípios e que foram tratados com tanefoquina, com primaquina por 7 dias ou com curso de primaquina semanal. 

Após o diagnóstico — realizado em sua maioria por meio de microscopia —, os pacientes foram submetidos a teste rápido quantitativo de G6PD e sua atividade foi classificada em deficiente, intermediária ou normal. O algoritmo de tratamento especifica um curso de 3 dias de cloroquina para todos e uma das seguintes possibilidades: tafenoquina em dose única (300 mg) para os pacientes com ≥ 16 anos, não-gestantes e não-lactantes, com atividade normal de G6PD, primaquina por 7 dias (0,5 mg/kg/dia) para pacientes com ≥ 6 meses, não-gestantes, não-lactantes ou lactantes > 1 mês, com atividade de G6PD normal ou intermediária, ou primaquina semanal (0,75 mg/kg/semana) por 8 semanas para pacientes com ≥ 6 meses, não-gestantes, não-lactantes ou lactantes > 1 mês, com deficiência de G6PD. 

O objetivo primário do estudo foi obter evidências para desenvolver desfechos operacionalmente viáveis e relevantes que permitam a avaliação do desfecho dos pacientes e vigilância da efetividade dos medicamentos. A análise comparativa entre os esquemas terapêuticos restringiu-se aos indivíduos com ≥ 16 anos e com atividade normal de G6PD. 

Resultados 

Durante o período avaliado, 5.554 participantes foram diagnosticados com P. vivax e tratados com um dos esquemas preconizados. A população analisada compreendeu os indivíduos com ≥ 16 anos e com atividade normal de G6PD na seguinte proporção: 2134 (85,2%) que receberam tafenoquina e 370 (14,8%) que receberam primaquina. 

Apesar de os resultados das análises das curvas de Kaplan-Meier deverem ser avaliados com cuidado, uma vez que recrudescências, recorrências e reinfecções não podem ser diferenciados clinicamente, o estudo mostra evidências interessantes. Não houve diferença entre os grupos nas taxas de recorrências nos primeiros 30 dias, mas, entre 30 e 60 dias, houve menos casos de recorrência no grupo que recebeu tafenoquina. Essa diferença manteve-se até pelo menos o dia 90, com achados semelhantes em Manaus e em Porto Velho. 

Saiba mais: Governo oferece canal de suporte para atendimento de pacientes com malária 

Até o dia 90, a efetividade livre de recorrência da tafenoquina foi de 88,6%, comparada com 83,5% do esquema de primaquina por 7 dias. No dia 90, a mediana de tempo até recorrência foi de 75 dias em pacientes tratados com tafenoquina e de 62 dias nos tratados com primaquina. Após ajuste, a razão de risco (hazard ratio – HR) para recorrência com o uso de tafenoquina vs. primaquina foi de 0,65 (IC 95% = 0,49 – 0,86; p = 0,0031) no dia 90. 

Após o dia 120, as curvas de efetividade livre de recorrência voltam a convergir, mantendo-se dessa forma até o dia 180. Esse padrão foi semelhante quando se avaliou os dois municípios participantes separadamente. Até o dia 180, as estimativas de efetividade livre de recorrência foram de 75,7% com tafenoquina e de 77,3% com primaquina. Para esse tempo de acompanhamento, a mediana de tempo para recorrência foi de 92 dias para tafenoquina e de 68 dias para primaquina. 

Uma análise de todos os pacientes tratados comparou a efetividade geral do algoritmo de tratamento. Em todas as idades e em todas as classificações de atividade de G6PD, houve diferença entre os três esquemas até o dia 180. Embora as populações de cada esquema não sejam comparáveis, a efetividade geral do algoritmo excedeu 73% e tafenoquina foi pelo menos tão eficiente quanto o curso de primaquina por 7 dias. O esquema de primaquina semanal para pacientes com deficiência de G6PD também se mostrou eficiente. 

Para o dia 90, a efetividade livre de recorrência foi de 88,6% (IC 95% = 87,3 – 90,0%) para tafenoquina, 81,8% (IC 95% = 80,5 – 83,2%) para primaquina por 7 dias e 88,3% (IC 95% = 84,6 – 92,2%) para primaquina semanal. A análise multivariada, comparando tafenoquina e primaquina por 7 dias, com ajuste para grupo de tratamento, idade, peso, raça, sexo e município, mostrou um efeito clinicamente relevante do grupo de tratamento de acordo na recorrência (HR = 0,60; IC 95% = 0,51 – 0,69; p < 0,0001). 

Mensagens práticas 

  • Nesse estudo de vida real, o uso de tafenoquina em dose única foi mais efetivo na prevenção de recorrência de malária por P. vivax em 90 dias em comparação com um curso de 7 dias de primaquina. 
  • Entretanto, no dia 180, a probabilidade de recorrência foi semelhante entre indivíduos nos dois grupos de tratamento.

Autoria

Foto de Isabel Cristina Melo Mendes

Isabel Cristina Melo Mendes

Infectologista pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) ⦁ Graduação em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro

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