A malária continua sendo uma das principais doenças infecciosas no mundo e nas Américas. Uma particularidade do ciclo de vida do Plasmodium vivax (P. vivax) é a presença de hipnozoítas, formas hepáticas dormentes que podem ser causa de recaídas clínicas e de permanência da transmissão. Para completa eliminação do parasita, é necessário o uso de uma droga com ação contra os hipnozoítas, como primaquina ou, mais recentemente, tafenoquina.
No Brasil, o esquema de primaquina por 7 dias vem sendo recomendado desde os anos 1990, porém as taxas de adesão são subótimas, podendo ser tão baixas quanto 67% em algumas populações. Em 2019, entretanto, a tanefoquina, uma droga que pode ser utilizada em dose única foi registrada no país e, em 2021, o Ministério da Saúde desenvolveu um novo algoritmo de tratamento para malária por P. vivax, incorporando-a em conjunto com testagem quantitativa de G6PD.
Um estudo brasileiro publicado na The Lancet Infectious Diseases procurou avaliar a efetividade dessa estratégia em evitar recorrência em 90 e em 180 dias.
Materiais e métodos
O estudo utilizou dados registrados no sistema SIVEP-Malária, que contém informações de todos os pacientes com diagnóstico de malária no país. Os locais avaliados foram os municípios de Manaus (AM) e Porto Velho (RO), que participaram do ensaio TRuST, que mostrou a viabilidade da implementação do algoritmo com tafenoquina no sistema público brasileiro.
Foram incluídos todos os pacientes com infecção confirmada por P. vivax ou com infecção mista por P. vivax e P. falciparum entre setembro de 2021 e agosto de 2022 nos dois municípios e que foram tratados com tanefoquina, com primaquina por 7 dias ou com curso de primaquina semanal.
Após o diagnóstico — realizado em sua maioria por meio de microscopia —, os pacientes foram submetidos a teste rápido quantitativo de G6PD e sua atividade foi classificada em deficiente, intermediária ou normal. O algoritmo de tratamento especifica um curso de 3 dias de cloroquina para todos e uma das seguintes possibilidades: tafenoquina em dose única (300 mg) para os pacientes com ≥ 16 anos, não-gestantes e não-lactantes, com atividade normal de G6PD, primaquina por 7 dias (0,5 mg/kg/dia) para pacientes com ≥ 6 meses, não-gestantes, não-lactantes ou lactantes > 1 mês, com atividade de G6PD normal ou intermediária, ou primaquina semanal (0,75 mg/kg/semana) por 8 semanas para pacientes com ≥ 6 meses, não-gestantes, não-lactantes ou lactantes > 1 mês, com deficiência de G6PD.
O objetivo primário do estudo foi obter evidências para desenvolver desfechos operacionalmente viáveis e relevantes que permitam a avaliação do desfecho dos pacientes e vigilância da efetividade dos medicamentos. A análise comparativa entre os esquemas terapêuticos restringiu-se aos indivíduos com ≥ 16 anos e com atividade normal de G6PD.
Resultados
Durante o período avaliado, 5.554 participantes foram diagnosticados com P. vivax e tratados com um dos esquemas preconizados. A população analisada compreendeu os indivíduos com ≥ 16 anos e com atividade normal de G6PD na seguinte proporção: 2134 (85,2%) que receberam tafenoquina e 370 (14,8%) que receberam primaquina.
Apesar de os resultados das análises das curvas de Kaplan-Meier deverem ser avaliados com cuidado, uma vez que recrudescências, recorrências e reinfecções não podem ser diferenciados clinicamente, o estudo mostra evidências interessantes. Não houve diferença entre os grupos nas taxas de recorrências nos primeiros 30 dias, mas, entre 30 e 60 dias, houve menos casos de recorrência no grupo que recebeu tafenoquina. Essa diferença manteve-se até pelo menos o dia 90, com achados semelhantes em Manaus e em Porto Velho.
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Até o dia 90, a efetividade livre de recorrência da tafenoquina foi de 88,6%, comparada com 83,5% do esquema de primaquina por 7 dias. No dia 90, a mediana de tempo até recorrência foi de 75 dias em pacientes tratados com tafenoquina e de 62 dias nos tratados com primaquina. Após ajuste, a razão de risco (hazard ratio – HR) para recorrência com o uso de tafenoquina vs. primaquina foi de 0,65 (IC 95% = 0,49 – 0,86; p = 0,0031) no dia 90.
Após o dia 120, as curvas de efetividade livre de recorrência voltam a convergir, mantendo-se dessa forma até o dia 180. Esse padrão foi semelhante quando se avaliou os dois municípios participantes separadamente. Até o dia 180, as estimativas de efetividade livre de recorrência foram de 75,7% com tafenoquina e de 77,3% com primaquina. Para esse tempo de acompanhamento, a mediana de tempo para recorrência foi de 92 dias para tafenoquina e de 68 dias para primaquina.
Uma análise de todos os pacientes tratados comparou a efetividade geral do algoritmo de tratamento. Em todas as idades e em todas as classificações de atividade de G6PD, houve diferença entre os três esquemas até o dia 180. Embora as populações de cada esquema não sejam comparáveis, a efetividade geral do algoritmo excedeu 73% e tafenoquina foi pelo menos tão eficiente quanto o curso de primaquina por 7 dias. O esquema de primaquina semanal para pacientes com deficiência de G6PD também se mostrou eficiente.
Para o dia 90, a efetividade livre de recorrência foi de 88,6% (IC 95% = 87,3 – 90,0%) para tafenoquina, 81,8% (IC 95% = 80,5 – 83,2%) para primaquina por 7 dias e 88,3% (IC 95% = 84,6 – 92,2%) para primaquina semanal. A análise multivariada, comparando tafenoquina e primaquina por 7 dias, com ajuste para grupo de tratamento, idade, peso, raça, sexo e município, mostrou um efeito clinicamente relevante do grupo de tratamento de acordo na recorrência (HR = 0,60; IC 95% = 0,51 – 0,69; p < 0,0001).
Mensagens práticas
- Nesse estudo de vida real, o uso de tafenoquina em dose única foi mais efetivo na prevenção de recorrência de malária por P. vivax em 90 dias em comparação com um curso de 7 dias de primaquina.
- Entretanto, no dia 180, a probabilidade de recorrência foi semelhante entre indivíduos nos dois grupos de tratamento.
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