O remdesivir, medicamento inicialmente indicado para ebola, é uma das apostas de medicamentos para tratamento da Covid-19. Em estudos anteriores, o fármaco foi associado a uma recuperação mais rápida que outros tratamentos em pacientes com a doença grave.
Com os resultados iniciais positivos, a Food and Drug Administration (FDA) autorizou o uso emergencial do remdesivir em pacientes graves com Covid-19, assim como a agência europeia emitiu uma autorização para uso do medicamento em pacientes com 12 anos de idade ou mais com pneumonia e em uso de oxigênio suplementar. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o medicamento para estudos clínicos relacionados à infecção pelo SARS-CoV-2.
Apesar disso, novos estudos ainda são necessários para avaliar a eficácia e efeitos colaterais do fármaco nesses pacientes. Recentemente foram divulgados os resultados de um novo ensaio clínico multicêntrico, que incluiu pacientes dos Estados Unidos, Europa e Ásia, e buscou avaliar o tratamento de cinco dias e de dez dias com remdesivir versus tratamento padrão em pacientes com doença moderada. O estudo foi publicado este mês, no Journal of the American Medical Association (JAMA).
Remdesivir para Covid-19
O estudo foi um ensaio clínico aberto e randomizado, que incluiu pacientes com síndrome respiratória aguda grave por SARS-CoV-2, confirmada por RT-PCR, e pneumonia moderada (infiltrados pulmonares e saturação de oxigênio do ar ambiente> 94%), de 15 de março a 18 de abril de 2020, em 105 hospitais americanos, europeus e asiáticos. O acompanhamento foi até o dia 20 de maio.
Os pacientes foram randomizados em três grupos, onde um deles recebeu remdesivir por dez dias, outro por cinco dias e outro tratamento padrão. Os participantes receberam 220 mg IV no primeiro dia, seguido por 100 mg/dia, infundidos por 30 a 60 minutos.
O remdesivir deveria ser descontinuado em pacientes que apresentassem elevações graves nas enzimas hepáticas ou diminuição da creatinina estimada para < 30 mL/min. Aqueles que melhorassem o suficiente poderiam receber alta antes de terminar o curso do tratamento.
O desfecho primário considerado foi o estado clínico do participante no dia 11 do estudo, em uma escala ordinal de sete pontos, que variava de morte (categoria 1) a alta (categoria 7). O desfecho secundário foi a proporção de pacientes com eventos adversos ao longo da duração do estudo.
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Resultados
Dos 596 pacientes que foram randomizados, 584 pessoas começaram o estudo. A idade média foi de 57 anos, 56% tinham doença cardiovascular, 42% tinham hipertensão e 40%, diabetes. O ensaio foi concluído com 533 pessoas (91%). Embora todos os pacientes tivessem uma saturação de oxigênio acima de 94% na triagem, 12% dos pacientes no grupo de remdesivir de dez dias, 16% no grupo de cinco dias e 19% no grupo de tratamento padrão usaram oxigênio suplementar no dia 1 devido à deterioração do estado clínico ou para conforto respiratório.
Os pacientes em todos os grupos foram hospitalizados por uma mediana de dois dias (intervalo interquartil [IQR], 1-3 dias) antes do dia 1 do estudo.
A duração média do tratamento do grupo de cinco dias foi de cinco dias, e no grupo de dez dias, foi de seis dias.
Pacientes que fizeram o tratamento com remdesivir por cinco dias tiveram melhora significativa no dia 11 em comparação aos do grupo de tratamento padrão (odds ratio, 1,65; IC 95%, 1,09-2,48; P = 0,02). Já aqueles que receberam remdesivir por dez dias não tiveram chances significativamente diferentes de melhora em comparação com o padrão (P = 0,18 pelo teste de soma de postos de Wilcoxon).
No dia 28 de seguimento, nove pacientes evoluíram a óbito, sendo dois no grupo de cinco dias (1%), três no grupo de dez dias (2%) e quatro no grupo de tratamento padrão (2%). Trinta e sete pacientes (6,3%) não morreram, não tiveram alta e nem tinham um quadro clínico relatado no dia 11; o último estado clínico disponível foi usado para os dados desses pacientes no estudo.
Os efeitos colaterais mais comuns do remdesivir, quando comparados ao tratamento padrão, foram náuseas (10% vs 3%), hipocalemia (6% vs 2%) e cefaleia (5% vs 3%).
Conclusões
O tratamento com remdesivir por cinco dias mostrou uma melhora de estado clínico significativa do dia 11 do acompanhamento em relação ao tratamento padrão nos pacientes com Covid-19 moderada, mas o mesmo comportamento não pôde ser observado no grupo que se tratou por dez dias com o fármaco. Os autores citam, porém, que os resultados avaliados nos dias 14 e 28 mostraram distribuições semelhantes de estado clínico entre os pacientes nos grupos de remdesivir, possivelmente apontando para diferenças em comparação com o tratamento padrão.
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Entre as hipóteses da diferença dos grupos do remdesivir, está o fato de que dias adicionais de hospitalização e tratamento para o grupo de dez dias possam ter um efeito negativo sobre os resultados, mesmo que os efeitos colaterais tenham sido os mesmos.
Apesar disso, não se sabe a importância clínica real dessa melhora no estado geral dos pacientes.
O estudo também teve algumas limitações importantes, como não ter acompanhado laboratorialmente os pacientes, nem avaliado a carga viral do SARS-CoV-2 durante o tratamento. Além disso, o protocolo para o estudo foi escrito quando os casos ainda estavam majoritariamente na Ásia, tendo apenas relatos de caso disponíveis para uso. Por fim, por ter um desenho aberto, o estudo pode ter tido alguns vieses no atendimento ao paciente e relato de dados.
*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED
Referência bibliográfica:
- Spinner CD, et al. Effect of Remdesivir vs Standard Care on Clinical Status at 11 Days in Patients With Moderate COVID-19. A Randomized Clinical Trial. JAMA. Published online August 21, 2020. doi: 10.1001/jama.2020.16349. Available at <https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2769871>
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