O botulismo é uma síndrome neuroparalítica potencialmente fatal, resultante da exposição à neurotoxina botulínica, produzida por bactérias do gênero Clostridium. A via de intoxicação pode ser por meio de alimentos e ferimentos de pele contaminados, e pela produção intestinal da toxina em lactentes menores de um ano (botulismo do lactente).
O que fazer diante de um paciente com suspeita de botulismo?
Inicialmente você deve avaliar de forma completa e sistematizada o seu paciente, garantindo que ele não apresente nenhuma condição ameaçadora à vida. O exame do aparelho respiratório é crucial para a identificação de alterações da frequência ou profundidade das incursões respiratórias, sinais de esforço e queda da saturação periférica de oxigênio.
Na anamnese, é imprescindível investigar as seguintes informações:
– Ingestão de alimentos enlatados, em conserva ou estragados;
– Ingestão de mel;
– Presença de manifestações gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarreia;
– Infecções recentes, sobretudo as virais;
– Presença de ferimentos na pele;
– Cronologia e ordem de instalação das manifestações neurológicas;
– Ingestão de medicamentos ou produtos químicos diversos;
– Traumatismo cranioencefálico;
– Acidente com serpentes.
Tão importante quanto pensar no botulismo, é levantar a possibilidade diagnóstica de outras doenças que possam ter algumas manifestações clínicas em comum, tais como:
– Doenças que cursem com acometimento muscular (miastenia gravis, síndrome miastênica Lambert-Eaton, poliomielite, Guillain-Barré – principalmente a variante Miller Fisher).
– Alterações agudas do Sistema Nervoso Central (acidente vascular cerebral, encefalites);
– Distúrbios eletrolíticos (sobretudo hipocalcemia e hipocalemia);
– Alguns acidentes com animais peçonhentos e intoxicações (ofidismo por cascavel ou coral verdadeira) e a síndrome intermediária (fase tardia da intoxicação por organofosforados).
Durante a investigação, uma informação merece destaque: o paciente com botulismo não apresenta alterações do estado mental, taquicardia ou febre! Logo, na presença dessas alterações o seu diagnóstico deverá ser ampliado ou até mesmo redirecionado. A avaliação neurológica pelo especialista pode ajudar.
Exames laboratoriais de rotina, tomografia de crânio e análise do liquor encontram-se normais no paciente com botulismo, sendo geralmente realizados para excluir outras etiologias.
Veja também: Botulismo faz duas vítimas fatais na Bahia
Como é dado o diagnóstico?
O botulismo geralmente é subdiagnosticado na primeira avaliação médica, sendo os sintomas iniciais aparentes apenas no dia seguinte à ingestão do alimento contaminado: náusea, vômito, dor e distensão abdominal. Alterações neurológicas podem surgir no intervalo de 12 horas a alguns dias (geralmente não mais que 24 horas): diplopia, visão borrada e paralisia flácida, bilateral e simétrica (de instalação na região cervical, estendendo-se para o tronco, membros superiores e inferiores – nesta ordem). Podem também estar presentes a constipação intestinal, retenção urinária, xerostomia, disfagia, disartria, disfonia, midríase fixa bilateral, ptose bilateral e bradicardia. Casos graves evoluem com fraqueza da musculatura respiratória e necessidade de ventilação mecânica.
O Ministério da Saúde define como caso suspeito de botulismo alimentar/ferimento: indivíduo com paralisia flácida aguda, simétrica, descendente, com preservação do nível de consciência, caracterizado por um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: visão turva, diplopia, ptose palpebral, boca seca, disartria, disfagia ou dispneia.
Exames específicos são necessários para a confirmação do caso. Dentre eles, a pesquisa pela toxina botulínica no sangue, fezes ou amostras do alimento contaminado; ou isolamento do bastonete gram-positivo Clostridium botulinum nas fezes, conteúdo gástrico ou em ferimentos de pele. Por se tratar de uma doença grave e de alta letalidade, deve ser considerada como uma emergência de saúde pública e a suspeita de um caso de botulismo deve desencadear a imediata comunicação entre os profissionais da área da atenção à saúde e técnicos de vigilância epidemiológica.
Autoria

Juliana Sartorelo
Médica formada em 2006 pela UFMG, Residência em Clínica Médica, especialista em Medicina de Emergencia e Toxicologia Médica, titulada pela AMB. Mestra em infectologia e Medicina Tropical. Membro da diretoria da ABRAMEDEMG, presidente do Comitê de Toxicologia da Abramede Nacional. Membro da Comissão de Toxicologia da AMB.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.