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Infectologia4 agosto 2025

Impacto da regulamentação legal sobre cesarianas eletivas no Brasil

Lei paulista aumentou taxa de cesáreas a pedido, sem elevar riscos maternos ou neonatais, aponta estudo em maternidade pública.
Por Ênio Luis Damaso

Um artigo, recentemente publicado por um grupo de médicos brasileiros na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, teve como objetivo avaliar o impacto da Lei Estadual nº 17.137/2019 na taxa de cesarianas em uma maternidade pública de média complexidade e analisar fatores preditivos e complicações associadas à cesariana a pedido. 

O contexto em que esse artigo foi proposto envolve que essa lei, sancionada em São Paulo, garante à gestante o direito de optar pela cesariana a pedido, a partir de 39 semanas de gestação, mesmo sem indicação médica, desde que seja previamente informada sobre os riscos e benefícios do procedimento e assine um termo de consentimento livre e esclarecido. 

A cesariana, embora seja um procedimento cirúrgico importante para reduzir morbimortalidade materna e perinatal em casos indicados, envolve riscos imediatos e de longo prazo. A OMS recomenda taxas de até 15%, e o Ministério da Saúde ajusta esse valor para 25–30% no Brasil, mas o país apresenta números alarmantes, chegando a 55% no SUS e 90% na rede privada, configurando uma epidemia de cesarianas. Entre as indicações médicas estão distócia, alterações de vitalidade fetal, desproporção cefalopélvica, apresentações anômalas, gestações múltiplas, algumas infecções, doenças maternas e alterações placentárias. Porém, cresce o fenômeno da cesariana a pedido, motivada por medo da dor, ansiedade e experiências anteriores negativas. Nesse cenário, a lei, que autoriza a cesariana sob solicitação materna, reforça a necessidade de equilibrar a autonomia da gestante e a responsabilidade médica na informação sobre riscos e benefícios. 

cesariana

Metodologia 

O estudo foi conduzido em uma maternidade pública de média complexidade com média mensal de 180 partos. Trata-se de um estudo retrospectivo que incluiu gestantes com idade gestacional igual ou superior a 39 semanas, atendidas entre 21 de julho de 2018 e 31 de julho de 2019 (período anterior à Lei Estadual nº 17.137/2019) e entre 23 de agosto de 2019 e 31 de julho de 2021 (período após a promulgação da lei). O intervalo de julho de 2020 a junho de 2021 foi excluído devido à suspensão temporária da legislação. 

Foram analisados dados de prontuários eletrônicos contendo informações sociodemográficas, antecedentes obstétricos, evolução do trabalho de parto, preferências maternas, via de parto e desfechos obstétricos. Foram incluídas gestantes atendidas no serviço durante os períodos estudados, enquanto foram excluídas pacientes com dados incompletos e aquelas atendidas durante a suspensão da lei. 

Os desfechos principais foram a variação da taxa de cesarianas antes e após a vigência da lei e, secundariamente, a identificação de fatores preditivos e complicações associadas às cesarianas a pedido. A análise estatística incluiu distribuição de frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas e medidas de tendência central e dispersão para variáveis quantitativas. Foram aplicados os testes qui-quadrado, t de Student ou Wilcoxon, conforme a distribuição dos dados. 

Principais achados 

Os principais achados do estudo foram: 

  • População e amostra: foram analisadas 5.206 gestantes com 39 semanas ou mais, divididas em dois grupos: pré-lei (1.999 partos entre julho/2018 e julho/2019) e período da lei (3.207 partos entre agosto/2019 e julho/2021, excluído o período de suspensão da lei). 
  • Perfil sociodemográfico: média de idade de 25 anos, maioria branca, sem parceiro fixo, com escolaridade ≥ 9 anos e sem renda pessoal. O grupo da lei apresentou maior proporção de gestantes com hipertensão e diabetes (p < 0,01). 
  • Taxa de cesariana: Houve aumento significativo de 23,6% para 27,7% após a implementação da lei (p < 0,01). 
  • Cesarianas por solicitação materna: Durante o período da lei, 134 partos (4,2% do total e 15,1% das cesarianas) foram realizados exclusivamente a pedido da gestante. 
  • Fatores associados: O único fator significativamente associado ao pedido de cesariana foi histórico de cesariana prévia (52,2% no grupo de solicitação materna vs. 24,8% no grupo por indicação médica). 
  • Complicações: Não houve diferenças significativas entre cesarianas por solicitação e por indicação médica em relação a complicações maternas e neonatais (hemorragia pós-parto, vitalidade neonatal e reinternações). 
  • Tempo de internação: Foi maior no período da lei (p < 0,01), possivelmente relacionado ao aumento de cesarianas. 

Conclusão 

A Lei nº 17.137/2019 foi associada a um aumento da taxa de cesarianas na instituição, sem incremento nas complicações maternas e neonatais. O histórico de cesariana prévia foi o principal preditor para a solicitação de nova cesariana, reforçando a necessidade de estratégias de educação em saúde e práticas obstétricas baseadas em evidências para reduzir cesarianas desnecessárias. 

Saiba mais: Profilaxia antibiótica na cesariana

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Referências bibliográficas

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