No IAS 2024, tivemos uma sessão dedicada às hepatites virais crônicas. Estima-se que aproximadamente 340 milhões de pessoas no mundo tenham hepatite B ou hepatite C crônica no mundo, o que mostra a importância dessas infecções para a saúde pública global.
Os avanços em opções de tratamento nos últimos anos levaram a revisões nas práticas recomendadas até então e em 2024 a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou uma atualização de seu guideline de prevenção, diagnóstico e tratamento de hepatite B crônica.
Os guidelines da OMS diferenciam-se por ter como alvo países em desenvolvimento e ter uma abordagem voltada para políticas de Saúde Pública, procurando recomendar estratégias simplificadas e que possam ser aplicadas em diferentes cenários. Por esse motivo, suas recomendações podem diferir das presentes em guidelines nacionais ou de sociedades, que costumam ser voltados para a prática individual.
Confira as novidades e atualizações que foram discutidas:
– Para a avaliação de fibrose e cirrose por métodos não-invasivos, o índice de APRI é o método preferencial em locais com recursos econômicos limitados. A elastografia hepática transitória (FibroScan®) pode ser o método de escolha em locais em que seja acessível.
– Evidência de fibrose significativa (≥ F2) deve ser baseada em um APRI > 0,5 ou elastografia transitória > 7,0 kPa. As evidências de cirrose (F4) devem ser baseadas em critérios clínicos, ou APRI > 1,0, ou elastografia transitória > 12,5 kPa.
– O tratamento agora é recomendado para todos os adultos e adolescentes (≥ 12 anos) com hepatite B crônica, incluindo mulheres grávidas e mulheres em idade fértil, que apresentem pelo menos um dos seguintes critérios:
- Evidência de fibrose significativa (≥ F2) ou de cirrose (F4), independente dos níveis de DNA-HBV ou de TGP (20 – 25% dos indivíduos com HBsAg positivo);
- DNA-HBV > 2000 UI/mL e valores séricos de TGP acima do limite superior da normalidade (30 U/L para homens e 19 U/L para mulheres). Para adolescentes, é necessário que os valores de TGP estejam elevados em pelo menos duas mensurações em um período de 6 a 12 meses (20 – 35% dos indivíduos com HBsAg positivo);
- Presença de coinfecções, como HIV, HDV ou HCV, história familiar de neoplasia hepática ou cirrose, imunossupressão, comorbidades (como doença hepática esteatótica associada à síndrome metabólica) ou manifestações extra-hepáticas, independentes dos valores de APRI ou dos níveis de DNA-HBV ou de TGP (5 – 8% dos indivíduos com HBsAg positivo);
- Na impossibilidade de dosagem dos valores de DNA-HBV, níveis de TGP persistentemente anormais, definidos como dois valores de TGP acima do limite superior da normalidade em um período de 6 a 12 meses, independente do valor de APRI (20% dos indivíduos com HBsAg positivo).
– Com os novos critérios acima, mais pessoas são elegíveis para tratamento, com possibilidade de alcançar 50% de todos os indivíduos HBsAg positivos, em comparação com 8 – 15% com os critérios anteriores. Além disso, há ampliação da possibilidade de tratamento para mulheres em idade fértil, independente da condição de profilaxia de transmissão vertical.
– Tenofovir (TDF) ou entecavir (ETV) são os esquemas preferenciais de tratamento. Em locais em que a monoterapia com TDF não esteja disponível, as associações com lamivudina (TDF + 3TC) ou emtricitabina (TDF + FTC) são recomendadas como alternativas.
– Para, recomenda-se o uso de ETV ou TAF estão recomendados para pessoas com osteoporose estabelecida e/ou disfunção renal e para crianças e adolescentes com indicação de terapia antiviral (ETV ≥ 3 anos e TAF ≥ 12 anos).
– No contexto de profilaxia de transmissão vertical, recomenda-se profilaxia com TDF nas gestantes HBsAg positivas com DNA-HBV ≥ 200.000 UI/mL ou HBeAg positivo, nos locais em que esses testes estão disponíveis.
– Nos locais em que nenhum dos dois testes está disponível, a profilaxia com TDF para todas as gestantes HBsAg positivas pode ser considerada.
– Idealmente, a profilaxia com TDF deve ser feita do segundo trimestre de gestação até pelo menos o parto ou término do esquema vacinal da criança.
– Todas as intervenções de prevenção devem ser feitas adicionalmente à administração de pelo mesmo três doses de vacina contra hepatite B para todas as crianças, incluindo uma dose ao nascimento.
– Outras estratégias recomendadas na cadeia de cuidado de prevenção de transmissão vertical incluem: aumento da cobertura vacinal contra hepatite B, testagem universal para HIV, HBsAg e sífilis em gestantes, aumento na capacidade de trabalho de profissionais de saúde, fluxos de diagnóstico e tratamento para HBV, HIV e sífilis simplificados.
– Testes de DNA-HBV point-of-care podem ser usados como uma estratégia alternativa aos ensaios laboratoriais tradicionais para avaliar a elegibilidade para o tratamento e monitorar a resposta terapêutica.
– Testagem para HDV é recomendada. A melhor estratégia – se por meio de rastreio universal para todos os indivíduos HBsAg positivos ou direcionado a populações de risco – deve ser definida por cada país. Nos locais em que o rastreio universal não é possível, a OMS recomenda a priorização dos indivíduos HBsAg positivos que:
- Nasceram em regiões endêmicas para HDV;
- Apresentam doença hepática avançada, estejam recebendo tratamento para HBV e nos que apresentam condições que sugiram infecção por HDV (como níveis baixos de DNA-HBV com níveis elevados de TGP) e
- Sejam considerados como tendo alto risco de infecção pelo HDV (hemodiálise, pessoas com HCV ou HIV, usuários de drogas intravenosas, trabalhadores do sexo e homens que fazem sexo com homens).
– Para o diagnóstico de infecção por HDV, recomenda-se a realização de sorologia para detecção de anti-HDV total, seguida de NAT para detectar RNA-HDV e infecção ativa entre aqueles que apresentam sorologia positiva.
– Para implementação das políticas públicas em relação ao controle de hepatite B crônica, a OMS recomenda priorizar a testagem e detecção dos casos.
Os guidelines da OMS estão disponíveis no site da Organização.
Confira todos os destaques do congresso aqui!
Autoria

Isabel Cristina Melo Mendes
Infectologista pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) ⦁ Graduação em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro
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