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Infectologia26 julho 2022

Curativos com antibióticos são benéficos no tratamento de feridas cutâneas?

Muitas abordagens para cicatrização de feridas cutâneas, são baseadas no uso de curativos com substâncias com propriedades antimicrobianas.

Úlceras e feridas cutâneas são um problema comum e desafiador na prática clínica. Muitas vezes dolorosas e de cicatrização difícil, são uma porta de entrada para processos infecciosos e fatores importantes na redução da qualidade de vida dos pacientes.

Diversas abordagens vêm sendo utilizadas ao longo dos anos para promover a cicatrização de feridas, muitas baseadas no uso rotineiro de curativos com substâncias com propriedades antimicrobianas, com o objetivo de erradicar bactérias e fungos presentes na superfície da ferida. Entretanto, alguns estudos sugerem que essa estratégia pode, na verdade, ser prejudicial. É sobre esse tema que versa uma revisão publicada na revista Wounds, a qual aborda também novas tecnologias para tratar esse problema.

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Cada vez mais se observa que, em uma pele normal saudável, ocorre um equilíbrio entre a presença de várias espécies de bactérias — o chamado microbioma — e o controle exercido pelo sistema imune. Uma ferida cria uma área rica em umidade, calor e nutrientes em que o equilíbrio do microbioma é alterado de forma súbita, muitas vezes permitindo colonização por outros microrganismos mais virulentos ou expansão de uma única espécie já existente e que passa a ser dominante. Ao mesmo tempo, a produção de toxinas e de enzimas e a produção de biofilme inibem a ação eficaz do sistema imune no local.

Curativos com antibióticos são benéficos no tratamento de feridas cutâneas?

Análises recentes

Estudos em úlceras crônicas em pacientes diabéticos demonstraram que a presença de um microbioma flutuante estava associada a uma maior probabilidade de cura quando comparado com microbiomas menos variados e menos flutuantes. As feridas em que o microbioma tornou-se estagnado não cicatrizaram. Postula-se que um microbioma flutuante poderia reduzir a probabilidade de um microrganismo específico tornar-se dominante e facilitaria o controle local pelo sistema imune. O mesmo grupo observou que o uso de antimicrobianos desestabilizou o microbioma, mas aparentemente não alterou sua diversidade geral e não levou à cicatrização.

Apesar de muito utilizados, o uso de curativos com substâncias antissépticas e antimicrobianas não demonstra evidências de benefício na cicatrização de feridas nas meta-análises realizadas, o que foi corroborado pela US Food and Drug Administration (FDA) em 2016. Além disso, outra preocupação é a ação citotóxica dos antissépticos.

Destaca-se que o efeito citotóxico desses agentes foi observado em células humanas in vitro, mesmo em concentrações e tempo de exposição menores do que os encontrados na prática clínica. Até coberturas com mel teriam o potencial de causar citotoxicidade, uma vez que o mel leva à produção enzimática de peróxido de hidrogênio e seu uso em curativos exporia às células à oxidação por um período prolongado.

Micropore particle technology

Uma nova estratégia que vem ganhando força é o uso da tecnologia micropore particle technology (MPPT), que não depende do uso de antimicrobianos para exercer sua ação. Coberturas de MPPT consistem em partículas altamente porosas que, por capilaridade, drenam o exsudato da ferida em direção à superfície da cobertura, facilitando a evaporação. Sua ação é puramente física, pois não apresenta efeitos bactericidas ou antifúngicos e nem altera a formação de biofilme local. Da mesma forma, os ensaios em laboratório não demonstraram efeitos citotóxicos.

Ensaios clínicos mostraram que o MPPT, em comparação ao uso de antibióticos e antissépticos, reduziu o tempo para alcançar uma ferida livre de necrose, pus e infecção em 60% e foi associado a um início 50% mais rápido do processo de granulação e epitelização, independente do tipo de ferida. Além disso, o grupo do MPPT teve uma redução nos dias de hospitalização em 41% para lesões agudas, 31% para úlceras em pé diabético, e 19% para úlceras venosas em comparação com o uso de antibióticos e em 44%, 51% e 36% respectivamente, em comparação aos antissépticos. A experiência clínica tem demonstrado um processo de cicatrização mais rápido e diminuição na dor associada à presença das lesões, o que gera, por consequência, melhora da qualidade de vida, mesmo nos casos refratários às abordagens padrão.

Apesar de não ter propriedades antimicrobianas, outros estudos têm demonstrado que o MPPT removeria a colonização e infecção locais, facilitando o processo de cura. Uma possível explicação para essa característica é que a retirada do exsudato das feridas também removeria as toxinas e enzimas produzidas por microrganismos e secretadas localmente. Ao mesmo tempo, a remoção do exsudato também interromperia a integridade do biofillme, facilitando a ação das células imunes. Ambos os efeitos comprometeriam os dois principais sistemas de defesa de fungos e bactérias e o MPPT agiria, assim, como uma forma de imunoterapia passiva, no auxílio do sistema imune para manter o controle do microbioma local.

Limitações

Dois pontos importantes devem ser destacados em relação à revisão. O primeiro é que os estudos e casos citados dizem respeito ao uso de coberturas com antibióticos e antissépticos com o objetivo de promover o processo de cicatrização de feridas e não ao tratamento de infecções locais. Lesões cutâneas com sinais de infecção devem ser adequadamente tratadas com antibióticos. O segundo ponto é o conflito de interesses: ambos os autores da revisão trabalham para uma das fabricantes de curativos de MPPT.

O uso de dispositivos impregnados com antibióticos também tem sido estudado para uso em feridas cutâneas. Entretanto, de forma semelhante, o corpo de evidências não é robusto. Uma revisão sobre a utilização desses dispositivos após cirurgia de amputação em pacientes com pé diabético infectado não mostrou diferenças em desfechos clínicos, como mortalidade, taxas de reoperação e necessidade de amputação maior, em estudos com essa intervenção quando comparados com outros em que foi aplicado cuidado padrão. Parece haver uma tendência à cicatrização mais rápida e a menores custos, mas os estudos em geral não eram dimensionados para avaliar essas diferenças adequadamente.

Por outro lado, o uso de antissépticos locais pode ser recomendado em algumas situações. O consenso alemão de antissepsia de feridas desaconselha o uso de antibióticos locais no tratamento de feridas, mas recomenda antissépticos com os seguintes objetivos:

  • prevenção de infecções de feridas agudas, como as resultantes de traumas, mordeduras ou projéteis;
  • prevenção de infecções de feridas operatórias;
  • descolonização de feridas colonizadas por organismos multirresistentes;
  • tratamento de feridas com sinais clínicos de infecção;
  • preparação para limpeza ou desbridamento de feridas crônicas em pacientes ambulatoriais.

Mensagem prática

As evidências de algumas revisões sistemáticas não sugerem benefício no uso de curativos com antibióticos no tratamento rotineiro de feridas cutâneas.

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Referências bibliográficas

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