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Hematologia23 julho 2024

Onco-hematologia: O que saber sobre desfechos substitutos em estudos? 

Os desfechos substitutos (DS) são variáveis passíveis de análise em períodos mais curtos, com custos menores e que deveriam ser capazes de capturar o efeito total do tratamento
Por Felipe Mesquita

Na edição de 4 julho de 2024 da Blood, foi publicado um artigo que aborda a maneira como os desfechos substitutos podem ser utilizados no desenvolvimento de pesquisas clínicas na área de onco-hematologia. Desfechos clinicamente significativos (DCS) são aqueles que se referem ao cuidado centrado no paciente e que acessam de maneira confiável a eficácia e a toxicidade de uma determinada droga a partir de uma indicação específica. Como exemplos temos: morte por qualquer causa, sobrevida global, eventos adversos, gravidade dos eventos adversos e saída do estudo motivada por toxicidade. Quando há um dispêndio muito grande de tempo e de recursos, a análise de diversos desses desfechos é muito dificultada ou até impossibilitada. 

Os desfechos substitutos (DS), por sua vez, são variáveis independentes passíveis de análise em períodos mais curtos, de aferição mais simples ou custos menores e que deveriam ser capazes de capturar o efeito total do tratamento, uma vez que seriam ‘incorporados’ pelo desfecho clinicamente relevante ao qual pretendem substituir. O DS ideal deve ser causal quando avaliado pelo ponto de vista da história natural da doença e do tratamento. Em outras palavras: a magnitude do efeito encontrada para um desfecho substitutivo entre dois braços deveria refletir a magnitude do desfecho clinicamente significativo, porém de maneira antecipada. 

No entanto, 2 conceitos principais escapam aos pesquisadores: (1) Nem todas as análises substitutivas respondem à mesma pergunta; (2) Quando propriamente validados, determinados desfechos substitutos são compatíveis apenas para uma doença específica, em um contexto específico e para classes de intervenções específicas. 

Assim, o objetivo deste artigo foi trazer luz ao clínico quanto à interpretabilidade dos resultados obtidos em diferentes estudos. 

Onco-hematologia: O que saber sobre desfechos substitutos em estudos? 

Imagem de freepik

Desfechos correlacionados ou substitutos? 

Dependendo da indicação, DCS podem requerer um período de seguimento mais longo que pode não ser passível de análise em uma janela de tempo mais curta. Somente nesses casos, um DS deve ser usado. Típicos DS utilizados em análises de estudos oncológicos são: taxa de resposta, sobrevida livre de progressão ou avaliação de taxas de resposta ou recidiva em determinado período. Tais desfechos são mais baseados na resposta da doença do que centrados no paciente. De maneira semelhante, avaliações por imagem apresentam diversas limitações quanto à interpretação dos resultados, podendo afetar os resultados encontrados. Por exemplo, a avaliação de uma massa em uma tomografia computadorizada pode ser interpretada como doença residual ou uma resposta completa não-confirmada (uma vez que nem sempre as recidivas ou refratariedades são confirmadas por estudo anatomopatológico).  

Da mesma forma, desfechos como Doença Residual Mínima (DRM), baseadas em critérios tumorais ou celulares, não captam a multidimensionalidade da patogenia dessas neoplasias hematológicas. Tais medidas indiretas podem falhar em representar de maneira confiável as evidências sobre o risco-benefício das intervenções.  

Em 2012, Fleming e Powers propuseram uma categorização das mensurações de desfecho, de maneira a refletir mais adequadamente o nível de evidência encontrado para determinada intervenção. 

  • Nível 1 – Desfechos que de fato impactam em eficácia clínica, como a sobrevida global. 
  • Nível 2 – São desfechos substitutos validados para uma doença em um contexto específico e com classes de intervenções específicas. 
  • Nível 3 – Desfechos substitutos ainda não validados, mas com viés positivo de benefício para determinado desfecho clínico para uma doença em um contexto específico e com classes de intervenções específicas. 
  • Nível 4 – Marcadores com que podem se correlacionar com o desfecho, mas que não captam toda a essência do benefício clínico.  

Importante mencionar que desfechos correlacionados podem ser preditores em cenários específicos sem, no entanto, serem considerados aptos ao padrão de substitutos. Isso acontece pois capturam apenas uma pequena fração do efeito do tratamento, provendo informações enganosas sobre o desfecho final.  

Quando não temos DS validados para uma indicação específica, as agências regulatórias podem aceitar desfechos de nível 3 para garantir aprovação acelerada ou condicional às drogas que visam suprimir “demandas médicas não atendidas”. Acontece que das > 237 solicitações de incorporação ou aprovação de drogas para o tratamento oncológico que deveriam responder a “demandas médicas não atendidas”, 55 (23%) eram relativas a doenças com uma incidência anual de > 1000 casos, com ≥ 5 regimes de tratamento disponíveis pelo NCCN e com sobrevida em 5 anos ≥ 50%.  

Utilizando-se do que consideramos desfechos nível 3 de evidência (correlação forte), o FDA (agência regulatória americana) garantiu aprovação acelerada de medicações a partir de dados que não necessariamente eram validados. Das 15 análises de desfechos substitutos realizados pelo FDA em oncologia entre 2005 e 2022, apenas 1 demonstrou uma forte correlação entre um desfecho substitutivo e sobrevida global, o que gera preocupação sobre as bases às quais a agência reguladora tem se apoiado para garantir a aprovação das drogas. 

Desfechos nível 2 em neoplasias hematológicas 

Linfoma Difuso de Grandes Células B (LDGCB) — Sobrevida livre de progressão é considerado um bom substituto para sobrevida global em primeira linha, porém com dados contraditórios em cenário de novas drogas (ex: lenalidomida, polatuzumab). 

Linfoma Folicular (LF) — Resposta completa aos 30 meses (CR30) como desfecho substituto de SLP em primeira linha. Única terapêutica aprovada nos últimos 10 anos para primeira linha foi o obinutuzumab devido a melhora na SLP. 

Linfoma de Zona Marginal — Resposta completa aos 24 meses (CR24) como desfecho substituto de SLP em 8 anos. 

Quiz: Linfoma de Burkitt relacionado à imunossupressão

Desfechos nível 3 em neoplasias hematológicas 

Sobrevida Livre de Evento (SLE) — Está provavelmente associado à SG em pacientes com resposta completa após indução de LMA com dados fracos (varia conforme o momento da avaliação de resposta). Foi utilizado para aprovação de axicabtagene ciloleucel (Zuma-7) mesmo sem validação para LDGCB em segunda linha. 

Duração de resposta global ou resposta completa — Predizem benefício clínico, mas não captam toxicidade. Tais desfechos foram utilizados nos últimos 10 anos para aprovação de drogas para tratamento de neoplasias linfoides ainda que nenhuma das 15 avaliações de desfechos conduzidas pelo FDA de 2005 a 2022 tenham abordado o papel da duração de resposta como um desfecho substituto.  

Doença Residual Mínima (DRM) — Até o momento, este desfecho é reconhecido pelo FDA como potencial substituto para sobrevida global apenas para LLA-B em primeira ou segunda remissão completa. Apesar dos resultados promissores em LMA, com terapias guiadas pela DRM melhorando a sobrevida global, esse desfecho ainda não foi validado no contexto (apesar de ser rotineiro na prática clínica e nos trabalhos). Nos casos de mieloma múltiplo, os dados são ainda conflitantes, porém favorecendo o uso de DRM. Podemos citar também os dados promissores em LLC, que parecem favorecer o uso de DRM como substituto para SLP e SG, porém sem consenso estabelecido. 

PET/CT radiômica — O uso do PET/CT para avaliação de linfomas com alta avidez para 18-Fluorodeoxiglicose já está incorporado à prática clínica, e a resposta completa ao exame acaba por englobar a funcionalidade de resposta completa de maneira geral, como um desfecho substituto, à sua análise. Em mieloma múltiplo, a capacidade de distinguir áreas ativas de inativas fez com que o exame fosse incorporado pelo International Myeloma Working Group na avaliação de DRM. Neste cenário, alcançar uma resposta completa antes da terapia de manutenção ou em 06 meses após início do tratamento é um forte preditor positivo de SLP e SG, enquanto a variação do SUVmax ≥ 25% no PET ínterim é um fator prognóstico independente. 

Saiba mais: Estudo Apollo para leucemia promielocítica de alto risco: Dados do EHA 2024 

Desfechos nível 4 em neoplasias hematológicas (correlacionados) 

POD24 — Apesar da correlação com SLP e SG em pacientes com linfoma folicular, linfoma de zona marginal e linfoma do manto em segunda linha, este desfecho não é considerado como substituto para nenhuma dessas doenças nas condições acima explicitadas. 

Tempo até o próximo tratamento (TTNT) — Tem a vantagem (e a fraqueza) de combinar a progressão da doença, o controle dos sintomas e a tolerabilidade do tratamento em um único desfecho. Pode ser clinicamente significativo no estudo de doenças indolentes que podem não ser tratadas assim que a progressão for diagnosticada. No entanto, o TTNT não avalia apenas a eficácia, o que o torna menos objetivo que a SLP. Ainda, a avaliação em tempo hábil é muito dificultada nos estudos.

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Referências bibliográficas

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