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Hematologia16 agosto 2023

IKEMA: Associação do Isatuximabe em pacientes com recidiva de Mieloma Múltiplo

Saiba mais sobre as atualizações trazidas pelo estudo IKEMA e entenda o uso de Isatuximabe em pacientes com recidiva de Mieloma Múltiplo.

Por Felipe Mesquita

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Sanofi de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

O Mieloma Múltiplo (MM) é o segundo tipo de neoplasia hematológica mais comum no mundo, contabilizando aproximadamente 2% dos diagnósticos de câncer nos Estados Unidos. Essa desordem de células plasmáticas acomete principalmente homens com uma mediana de idade de 69 anos. O arsenal terapêutico disponível para o tratamento desses pacientes envolve principalmente combinações de duas ou mais drogas, sendo elas anticorpos monoclonais anti-CD38, imunomoduladores, corticoides, inibidores de proteassoma, entre outras.

Na era das novas drogas e do transplante de medula óssea (TMO) autólogo como consolidação do tratamento de primeira linha nos pacientes quimiorresponsivos, a sobrevida dos pacientes com diagnóstico de Mieloma têm melhorado muito. No entanto, não se fala ainda em cura para essa neoplasia e, tendo em vista a expectativa de vida da população saudável, novos esquemas terapêuticos são necessários a fim de se otimizar os resultados para os pacientes em questão. Na esteira dos enormes avanços obtidos no tratamento do MM nas últimas décadas, o estudo IKEMA foi realizado com o objetivo de avaliar mais uma grande opção terapêutica no contexto dos pacientes com MM recidivado ou casos refratários (MMRR).

Estudo IKEMA: Uma nova opção para o tratamento do Mieloma Múltiplo

Qual esquema devemos utilizar nos pacientes com diagnóstico de mieloma múltiplo (MM) com recidiva após primeira linha? Essa é uma das grandes perguntas que os hematologistas têm tentado responder. O estudo IKEMA traz novas informações para o assunto.

Desenho do estudo

O estudo foi desenhado como um ensaio clínico randomizado multicêntrico (RCT) internacional, de fase 3, comparando o grupo intervenção versus tratamento habitual. O grupo intervenção recebeu um esquema contendo Isatuximabe, Carfilzomibe e Dexametasona. O grupo controle recebeu esquema com Carfilzomibe e Dexametasona. Os pacientes foram randomizados em uma proporção de 3:2 respectivamente, com permutação por blocos. A randomização foi estratificada a priori em função do número de linhas prévias de tratamento e pelo estadiamento da neoplasia com o R-ISS (revised International Staging System). As doses e vias de administração encontram-se na tabela a seguir:

Os tratamentos foram administrados até que ocorresse: progressão de doença, toxicidade inaceitável, morte ou outro evento que implicasse em necessidade de descontinuação. Todos os participantes foram submetidos à análise citogenética por FISH e aqueles que portassem del(17p), t(4;14) ou t(14;16) eram considerados de alto risco. As avaliações laboratoriais foram feitas em laboratório central que era mascarado para o grupo de alocação dos pacientes.

Critérios de inclusão e exclusão

Os participantes deveriam ter mais de 18 anos, diagnóstico de MM recidivado  após 1 a 3 linhas de tratamento ou refratário às linhas prévias desde que não fossem refratários primários, e que apresentassem proteína monoclonal mensurável (sérica ≥0,5g/dL ou urinária ≥200mg/24h). Podemos citar como critérios de exclusão: pacientes com ECOG performance status ≥2, refratários primários, pacientes que utilizaram qualquer tratamento anti-Mieloma nos últimos 14 dias, tratamento prévio em qualquer linha com carfilzomibe, refratários à terapia com outros anti-CD38, contraindicação ao uso de dexametasona, doença renal com taxa de filtração glomerular < 15mL/min/1,73m² e fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 40%.

Definição dos desfechos

O desfecho primário escolhido foi avaliação da sobrevida livre de progressão (SLP). Os principais desfechos secundários avaliados foram: taxa de resposta global (RG), taxa de resposta parcial muito boa (RPMB) ou superior de acordo com os critérios do International Myeloma Working Group (IMWG), taxa de negatividade para Doença Residual Mínima (DRM) definida como < 1 x 105 células obtida por Next Generation Sequencing (NGS), e sobrevida global (SG). Os desfechos de segurança incluíram gravidade dos eventos adversos, eletrocardiogramas, parâmetros laboratoriais, sinais vitais, avaliação da performance status pelo ECOG. Os desfechos foram avaliados por um comitê independente cegado quanto à alocação dos pacientes nos respectivos grupos.

Características da população e Análise Estatística

O cálculo amostral sugeria que seriam necessários 159 eventos para obter um poder de 90% em detectar uma redução de 41% no risco de progressão de doença [Hazard Ratio (HR) 0,59] com a intervenção. Os desfechos foram analisados por intenção de tratar.

Um total de 302 pacientes foram alocados para o braço intervenção (179 indivíduos) ou controle (123 indivíduos). A mediana de idade foi de 64 anos, enquanto a mediana de linhas prévias de tratamento foi de duas, antes de entrar no estudo. As características demográficas, estadiamento e tratamento foram semelhantes entre os grupos. Aqui é importante destacar que aproximadamente 44% dos pacientes em ambos os grupos utilizaram lenalidomida em pelo menos uma das linhas de tratamento prévias, com 32% dos pacientes sendo refratários à droga. Além disso, cerca de 89% dos pacientes haviam utilizado um inibidor de proteassoma (exceto Carfilzomibe) nas linhas prévias de tratamento. Apenas 1 paciente no grupo intervenção, e nenhum no grupo controle, havia utilizado Daratumumabe previamente. Com relação ao TMO autólogo, 65% dos pacientes no grupo intervenção e 56% no grupo controle haviam sido submetidos a tal abordagem de consolidação. Ambos os grupos foram muito bem balanceados quanto ao risco citogenético ou aquele estabelecido pelo ISS-R.

Análise dos resultados de eficácia

Após uma mediana de 20,7 meses de seguimento, a adição do Isatuximabe ao esquema contendo carfilzomibe e dexametasona produziu uma melhora de 50% na sobrevida livre de progressão de doença desses pacientes levando-se em consideração o tempo de seguimento supracitado. A mediana de sobrevida do grupo controle foi de 19,15 meses, dado que está de acordo com o encontrado no estudo ENDEAVOR que aprovou o Carfilzomibe para pacientes com MMRR. Essa informação é de extrema importância, mostrando que o grupo controle não apresentou desfechos inferiores aos estudos previamente realizados, reafirmando a robustez dos resultados em favor do grupo Isatuximabe.

A avaliação da taxa de negativação da MRD (Minimal Residual Disease) tem sido um desfecho cada vez mais buscado nos estudos de Mieloma Múltiplo. Aqui a diferença entre os grupos foi quase o dobro a favor do braço intervenção (30% vs 13%, p =0,0004), um dado que chama bastante a atenção nesses pacientes com múltiplos esquemas de tratamento prévios.

Os benefícios clínicos favorecendo o tratamento com Isatuximabe foram observados em praticamente todos os subgrupos analisados. Interessante notarmos que entre os pacientes com redução na taxa de filtração glomerular, observamos um ganho de 73% na sobrevida livre de progressão da doença entre os pacientes com doença renal (HR 0,27; IC 95% 0,11 – 0,66).

Atualizações observadas com seguimento prolongado

Em maio de 2022 foi apresentado no plenário da ESMO (European Society for Medical Oncology), um resumo dos resultados observados com seguimento de 44 meses dos pacientes do estudo IKEMA. A mediana de sobrevida no grupo intervenção foi de 35,7 meses versus 19,2 meses no grupo controle (quase o dobro). Um total de 33,5% dos pacientes atingiu negatividade da DRM (Doença Residual Mensurável) no grupo isatuximabe (versus 15,4% no grupo controle) e a taxa de Resposta Completa associada a negativação da DRM foi de 26,3% versus 12,2%, em favor do grupo intervenção.

O perfil de toxicidade foi semelhante, com eventos adversos grau ≥ 3, pelo CTCAE, acontecendo em 70,1% dos pacientes no braço Isa-KD versus 59,8% no braço KD.

Eventos adversos semelhantes

 A ocorrência de eventos adversos relacionados ao tratamento foi semelhante entre os grupos. Esses eventos são divididos em graus de gravidade. Eventos grau 3 são aqueles que causam sintomas significativos, com necessidade de hospitalização ou intervenção invasiva eletiva (ex: endoscopia ou reoperação) ou transfusão de hemocomponentes. Eventos grau 4 resultam em risco de vida ou sequelas (ex: sepse, hemorragia grave), necessidade de UTI ou intervenção de emergência. Eventos grau 5 resultam em morte.

O grupo intervenção apresentou 10% a mais de eventos de grau 3 ou superior, sem diferença estatística. A mortalidade foi igual entre os grupos. Isso pode ter acontecido devido ao maior tempo de exposição ao tratamento (47% vs 68%).  Os eventos mais frequentes no grupo Isatuximabe foram: reações  relacionadas à infusão, hipertensão, diarreia, infecções do trato respiratório superior e pneumonias.

Mensagem final

O estudo IKEMA traz o Isatuximabe, associado ao esquema com Carfilzomibe e Dexametasona como uma importante opção terapêutica nos pacientes com Mieloma Múltiplo que apresentam quadro de recidiva ou refratariedade não-primária. A adição do anticorpo monoclonal anti-CD38 demonstrou um incremento estatisticamente significativo na sobrevida livre de progressão de doença em relação ao tratamento com Carfilzomibe e Dexametasona em pacientes submetidos a múltiplos esquemas prévios de tratamento. De forma semelhante, a taxa de negativação da MRD (Minimal Residual Disease) foi significativamente superior com essa intervenção, o que pode indicar um bom prognóstico para esses pacientes no longo prazo, com eventos adversos manejáveis. Assim, o esquema com Isatuximabe associado a Carfilzomibe e Dexametasona mostra-se como uma alternativa a ser administrada a uma população de pacientes com Mieloma Múltiplo recidivado e/ou refratário.

 

 

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