A sessão de late-breaking abstracts ocorrida no último dia do 30º Congresso da Associação Europeia de Hematologia iniciou sua série de trabalhos com o RedirecTT-1, apresentado pelo Dr. Shaji Kumar, um nome mais do que conhecido na comunidade de mieloma.
Dr. Kumar trouxe à plateia os resultados do estudo de fase 2 que combina talquetamabe com teclistamabe para mieloma múltiplo refratário/recaído, com foco específico à população com doença extramedular (extramedullary disease– EMD).
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ReridecTT-1
O ReridecTT-1 em si já é conhecido pela comunidade hematológica desde 2023, quando seus resultados preliminares foram apresentados no Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), e com maior profundidade em janeiro de 2025, quando os resultados do fase1b/2 foram publicados no New England Journal of Medicine.
Com estes dados, já sabemos que a associação talquetamabe + teclistamabe leva a altas taxas de resposta global, em torno de 86.6%, e mesmo um grupo tão difícil de tratar quanto o EMD já havia exibido excelentes taxas de resposta global e completa, respectivamente 61.1% e 33.3%. Foi neste pano de fundo que o dr Kumar iniciou sua explanação.
Para introduzir o estudo, o autor lembrou a plateia que pacientes com mieloma múltiplo e doença extramedular têm um prognóstico reservado, com redução de 87% da probabilidade de resposta ao tratamento e taxas de resposta global de 24% comparadas aos 33% de populações com muitas linhas prévias de tratamento em estudos de mundo real.
Tais taxas de resposta inferiores também repercutem em menores sobrevidas globais, que nos pacientes com EMD chegam a uma mediana de 7.2 meses comparada a 15.5 meses naqueles que não apresentam EMD. Quando olhamos para essa mesma população EMD nos estudos MonumenTAL-1 e MajesTEC-1, vemos uma taxa de resposta global de 43.5% e 43.4% com talquetamabe monoterapia e teclistamabe monoterapia, respectivamente.
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Estudo
Eram considerados para o estudo os pacientes com doença extramedular, definida como pelo menos 1 lesão em partes moles, extra-óssea, não irradiada previamente com pelo menos 2 cm em sua maior dimensão, com diagnóstico de mieloma múltiplo refratário/recaído triplo exposto (não poderia, por exemplo, ser um plasmocitoma solitário). Estes pacientes receberam, em intervalos de 2-4 dias, as seguintes doses de escalonamento:
Tal 0.01 mg/kg e Tec 0.06 mg/kg > Tal 0.06 mg/kg e Tec 0.3 mg/kg > Tal 0.4 mg/kg e Tec 1.5 mg/kg > Dose final: Tal 0.8 mg/lg e 3.0 mg/kg a cada 2 semanas
O desfecho primário foi a taxa de resposta global acessada por PET-CT. Guiados por resposta, os investigadores poderiam reduzir a frequência de aplicações de Tal + Tec para 1 vez ao mês a partir do 4º ciclo de tratamento, caso houvesse pelo menos resposta parcial muito boa.
Quanto às características baseline dos pacientes, 100% deles tinham doença verdadeiramente extramedular (ou seja, em partes moles não relacionadas a extensão de lesões ósseas ou paramedulares), com mediana de idade de idade de 64.5 anos, mediana de 2 lesões extramedulares e 34.4% de doença oligossecretora (e que, portanto, teriam sido excluídos da maioria dos estudos atuais para mieloma múltiplo refratário/recaído, em que a doença mensurável sérica ou urinária é um critério de inclusão muito comum).
Dessa população, 20% dos pacientes já haviam recebido teria com CAR-T cell anti-BCMA e 84.4% eram triplo refratários.
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Tal + Tec (N = 90) |
Taxa de resposta global |
78.9% (54.4% com resposta completa) |
Mediana de follow up em meses |
12.6 (0.5 – 19.5) |
Mediana de tempo para primeira resposta em meses |
2.6 (1.0 – 5.8) |
Mediana de tempo para melhor resposta em meses |
4.7 (1.0 – 11.9) |
Curiosamente, naqueles pacientes previamente expostos a CAR-T Anti-BCMA, a taxa de resposta global foi de 83.3%.
Até o momento da análise dos dados, 66.2% dos respondedores seguiam recebendo o tratamento, com mediana de follow up de 13.4 meses. Nessa época, 77.5% dos respondedores já haviam sido alocados para a posologia mensal após 4º-6º ciclo de tratamento. As respostas pareciam se aprofundar com o tempo, e não foram impactadas pela alteração de posologia.
A sobrevida livre de progressão mediana foi de 15.4 meses, com 61% dos pacientes sem sinais de progressão ao final do primeiro ano de follow up. Convém lembrar que pacientes com EMD tratados com terapias até então consideradas padrão têm sobrevidas livres de progressão inferiores a 3 meses segundo estudos de mundo real [2]. A mediana de duração de resposta foi de 13.8 meses, e a mediana de sobrevida global no perído de follow up não foi atingida.
Perfil de toxicidade
Mas e o perfil de toxicidade? Espera-se que a soma de dois anticorpos biespecíficos com alvos diferentes possa trazer maiores taxas de síndrome de liberação de citocinas, mas tal qual já foi demonstrado pelo fase 1 do RedirecTT-1, tais taxas foram semelhantes às vistas com talquetamabe e teclistamabe em monoterapia. Nenhum evento de síndrome de liberação de citocinas grau 3 foi reportado.
A taxa de descontinuação das terapias foi baixa, e efeitos adversos infecciosos foram muito semelhantes aos encontrados nos estudos com as drogas em monoterapia – é importante ressaltar que 96.7% dos pacientes recebeu profilaxia antiviral e 86.7% recebeu pelo menos 1 dose de reposição de imunoglobulina.
Para concluir, o Dr. Kumar trouxe suas otimistas pontuações de que, sim, a associação de talquetamabe e teclistamabe pode representar uma opção off-the-shelf que apresenta altas taxas de resposta global e sobrevida livre de progressão neste subgrupo tão difícil de tratar que conhecemos como mieloma múltiplo com doença extramedular.
Como isso muda nossa prática clínica?
- Inegavelmente, pacientes com mieloma múltiplo e doença extramedular são uma grande demanda não atendida e representam uma parcela mais grave e mais difícil de tratar destes pacientes.
- Vamos lembrar que talquetamabe e teclistamabe já são drogas aprovadas pela ANVISA para tratamento de mieloma múltiplo recaído/refratário que receberam pelo menos 3 terapêuticas anteriores, incluindo um agente imunomodulador, um inibidor do proteassoma e um anticorpo anti-CD38 e que demonstraram progressão da doença durante a última terapêutica.
- A questão é: em se tendo a disponibilidade de talquetamabe + teclistamabe, CAR-T cell e quem sabe até mesmo um anticorpo triespecífico (cujo estudo fase 1 também foi apresentado na sessão plenária deste mesmo congresso), qual seria a melhor terapia para o paciente com mieloma múltiplo e doença extramedular? Segundo o próprio Dr. Shaji Kumar, até o momento, os melhores resultados se encontram na associação talquetamabe + teclistamabe, já que as respostas encontradas com uso de CAR-T nessa população não parece ser duradoura.
- Só um detalhe: no momento, a combinação talquetamabe + teclistamabe já figura como uma opção “possível” nos guidelines do National Comprehensive Cancer Network (NCCN).
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