Segundo a Federação Mundial de Hemofilia, o Brasil tem a quarta maior população de pacientes com a doença no mundo.
A hemofilia representa uma coagulopatia hereditária, caracterizada por deficiência de fatores da coagulação:1
– Fator VIII: Hemofilia A (subtipo mais comum);
– Fator IX: Hemofilia B;
– Fator XI: Hemofilia C.
A doença cursa com diversas manifestações hemorrágicas, que podem ocorrer espontaneamente ou após um ligeiro trauma, como: hematomas, equimoses, hemorragias da mucosa, hemorragias intracranianas, articulares, musculares, retroperitoneais, pós-cirúrgicas e as hemorragias após extração dentária. Dentre elas, as mais comuns e incapacitantes são as hemartroses (hemorragias intra-articulares), que causam dor, edema e imobilidade.2
O manejo da coagulopatia visa controlar os eventos hemorrágicos e promover uma adequada hemostasia, o que impacta positivamente na qualidade de vida de seus portadores. O tratamento específico consiste na reposição do fator deficiente, a qual não é isenta de riscos. Complicações relacionadas à infusão do fator incluem infecções transmitidas pelo hemoderivado (tipicamente virais) e desenvolvimento de inibidores do fator.3 Por isso, a indicação e a forma como é feita a administração do fator devem ser individualizadas.
Complexidade do tratamento
A reposição de fator pode ser feita após evidência de manifestação hemorrágica ou para prevenir manifestações hemorrágicas. Na primeira situação, a dose e a duração da reposição dependem do sítio e da gravidade do sangramento. No outro caso, dependem da gravidade da deficiência do fator e, se houver indicação, do procedimento invasivo proposto.4
Independentemente do momento, a terapia baseia-se em infusões intravenosas de concentrado do fator de coagulação.2 A própria via de administração é, por si só, um obstáculo enfrentado pelos portadores de hemofilia, uma vez que resulta em estresse físico e emocional. A necessidade de injeções frequentes pode causar desconforto no local das aplicações, e a dificuldade de acesso, encontrada em alguns casos, pode gerar desgaste psicológico.5
Soma-se a isso o risco de desenvolvimento de inibidores do fator de coagulação, que são anticorpos formados em resposta ao fator exógeno. Nesses casos, o manejo torna-se ainda mais complexo.1
Aspectos psicossociais
A rotina de consultas médicas, exames complementares e infusões do fator pode ser exaustiva, especialmente em crianças e adolescentes, levando a abandono ou irregularidade no acompanhamento.6 Além disso, apesar do tratamento da hemofilia ser oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o perfil socioeconômico dos seus portadores também tem influência nos desfechos da doença. As condições de moradia e trabalho relacionam-se com o risco de sangramentos graves e recorrentes, e a dificuldade de acesso ao sistema de saúde e o consequente atraso no manejo adequado podem contribuir para uma maior incidência de complicações.7
Além disso, ressalta-se que o impacto psicológico não se restringe aos efeitos do tratamento. Muitos pacientes hemofílicos sofrem com a ansiedade e o medo de novos eventos hemorrágicos e possíveis sequelas permanentes e incapacitantes.8 Há também risco de depressão e isolamento social quando as limitações secundárias à artropatia hemofílica ou os déficits neurológicos resultantes de sangramento em sistema nervoso central afetam a capacidade de realização de tarefas cotidianas.9
Os transtornos físicos e emocionais causados pela doença podem prejudicar a adesão ao tratamento e a qualidade de vida dos hemofílicos. Muitas vezes, além da terapia especializada, os indivíduos necessitam de medidas farmacológicas, como analgésicos, antidepressivos e antipsicóticos.10
Informação e apoio para melhor adesão ao tratamento
Diante das dificuldades enfrentadas pelos hemofílicos, destaca-se a importância de uma boa relação médico-paciente. Os portadores devem conhecer a doença e entender a necessidade do tratamento adequado, além de serem orientados a evitar situações de risco (por exemplo, prática de esportes competitivos e uso de medicamentos que possam aumentar o risco hemorrágico).11 A percepção do indivíduo em relação à sua saúde é essencial para otimizar a adesão ao tratamento, o que consequentemente se reflete em melhor qualidade de vida.6
Assim como em outras doenças crônicas, o trabalho de uma equipe multidisciplinar e o estímulo a um suporte familiar apropriado são pilares fundamentais na atenção à saúde dos hemofílicos, visando o autocuidado e a orientação de condutas que melhorem o bem-estar desses pacientes.9
PP-UNP-BRA-5807 – novembro/2024
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