Foi publicado, recentemente, o artigo intitulado “Reduced risk of cesarean delivery with oxytocin discontinuation in active labor: a systematic review and meta-analysis”, na revista American Journal of Obstetrics & Gynecology (AJOG). AJOG é uma das principais revistas científicas internacionais na área de obstetrícia e ginecologia, com alto fator de impacto.
O uso de ocitocina sintética é uma prática comum na indução e condução do trabalho de parto. Sua administração visa acelerar o processo de parto, reduzir o risco de complicações associadas à prolongação da fase ativa e diminuir o número de cesarianas. Contudo, o uso contínuo de ocitocina durante toda a fase ativa também tem sido relacionado a desfechos adversos, como taquissistolia uterina e alterações na frequência cardíaca fetal. Nos últimos anos, estudos começaram a questionar a necessidade de manter a infusão de ocitocina até o parto, especialmente após o estabelecimento da fase ativa. Diante desse contexto, os autores realizaram uma revisão sistemática com meta-análise com objetivo de determinar se a descontinuação da ocitocina na fase ativa do trabalho de parto impacta a taxa de cesarianas e partos em comparação com a continuação da ocitocina.
Métodos
Trata-se de uma revisão sistemática e metanálise. Esta revisão incluiu ensaios clínicos randomizados que compararam a suspensão com a continuidade da ocitocina durante a fase ativa do trabalho de parto, conforme a definição adotada por cada estudo. As buscas foram realizadas em oito bases de dados até fevereiro de 2024, sem restrições de idioma ou localização. Dois revisores independentes realizaram a seleção dos estudos e a extração dos dados.
O desfecho primário foi a taxa de cesariana. Os desfechos secundários incluíram eventos relacionados ao trabalho de parto (duração das fases, indicações para interrupção, uso de analgesia regional), complicações maternas (hemorragia pós-parto, infecções e perda sanguínea total) e resultados neonatais (Apgar menor que 7 no quinto minuto, pH arterial umbilical <7,10, necessidade de UTI neonatal, reanimação ao nascimento e óbito neonatal). O risco de viés foi avaliado segundo os critérios do Manual Cochrane, e a qualidade da evidência foi classificada pelo sistema GRADE.
Principais achados
A revisão incluiu 15 ensaios clínicos randomizados, publicados entre 2004 e 2023, totalizando 5.734 gestantes (2.855 no grupo de suspensão da ocitocina e 2.879 no grupo controle). Esses estudos foram conduzidos em diferentes países, incluindo Europa, Ásia, América do Norte e Oriente Médio. O número de participantes por estudo variou de 88 a 2.170 mulheres.
A média de idade gestacional nas populações analisadas foi de 39,6 semanas em ambos os grupos. A maioria das participantes era nulípara, com índice de massa corporal médio entre 26,6 e 26,8 kg/m². Grande parte das gestantes foi submetida à indução do trabalho de parto, e o uso de analgesia regional foi comum. O critério mais utilizado para definição da fase ativa foi dilatação cervical ≥5 cm.
Entre os 13 estudos que contribuíram para o desfecho primário (taxa de cesariana), a suspensão da ocitocina durante a fase ativa foi associada a uma redução significativa no risco de cesariana (RR=0,80; IC95%: 0,66–0,97). Em uma análise de subgrupo incluindo apenas mulheres em indução do parto, a redução no risco de cesariana foi ainda mais pronunciada (RR=0,70; IC95%: 0,52–0,93). Contudo, nas análises restritas a estudos cegos ou com definição de fase ativa a partir de 6 cm, não houve diferença estatística significativa.
A suspensão da ocitocina também resultou em menor risco de taquisistolia uterina (RR=0,45; IC95%: 0,34–0,60) e de traçado cardiotocográfico não tranquilizador (RR=0,64; IC95%: 0,49–0,82). Por outro lado, houve aumento discreto na duração da fase ativa do parto (média de 30 minutos a mais) e da segunda fase (em média, 6 minutos adicionais).
Os desfechos maternos como hemorragia pós-parto e necessidade de transfusão, bem como os desfechos neonatais (Apgar <7 no 5º minuto, pH umbilical <7,10, admissão em UTI neonatal, necessidade de reanimação ao nascimento e óbito neonatal) não apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
A avaliação de risco de viés, segundo a ferramenta da Cochrane, indicou risco global baixo, com destaque apenas para ausência de cegamento em 11 dos 15 estudos. A qualidade geral da evidência para os principais desfechos foi classificada como moderada pelo sistema GRADE.
Discussão e conclusão
O artigo não apresenta uma explicação única e definitiva para a redução da taxa de cesariana com a suspensão da ocitocina na fase ativa do trabalho de parto, mas discute algumas hipóteses fisiopatológicas e comportamentais que podem justificar esse achado. Uma das principais razões sugeridas é a redução da hiperestimulação uterina, caracterizada por taquisistolia, o que diminui o risco de alterações na frequência cardíaca fetal e, consequentemente, de indicações de cesariana por sofrimento fetal.
Além disso, a menor frequência e intensidade das contrações uterinas após a suspensão da ocitocina podem melhorar a perfusão placentária e a oxigenação fetal, favorecendo a evolução do trabalho de parto de forma mais fisiológica. Outro aspecto levantado pelos autores é que a suspensão da ocitocina pode permitir uma progressão mais natural do trabalho de parto, com maior autonomia do processo de contrações espontâneas.
Também é destacado o possível viés de conduta médica, uma vez que a decisão de interromper a ocitocina pode induzir os profissionais a adotarem uma abordagem menos intervencionista e mais paciente na condução do parto.
Embora associada a uma extensão do trabalho de parto em cerca de meia hora, a descontinuação da ocitocina na fase ativa do parto foi associada a uma redução de 20% no risco de cesariana e a um menor risco de taquisistolia uterina e de alterações não tranquilizadoras da frequência cardíaca fetal. Embora a análise agrupada sugira um efeito benéfico, esse achado depende da inclusão de estudos com preocupações quanto à sua confiabilidade.
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