Na mesa “Desafios no atendimento à adolescente”, realizada durante a 30ª edição do Congresso Paulista de Obstetrícia e Ginecologia da SOGESP, especialistas discutiram os principais dilemas éticos e clínicos do atendimento ginecológico de adolescentes, envolvendo autonomia, saúde reprodutiva e o ciclo gravídico-puerperal.
A dra. Márcia Gaspar Nunes, preceptora do setor de Ginecologia Endócrina e Climatério da UNIFESP, abordou a temática da primeira consulta ginecológica. Segundo ela, esse momento é frequentemente marcado por insegurança e medo, muitas vezes associados ao receio de quebra de sigilo e à realização do exame ginecológico. Ressaltou, no entanto, que a primeira consulta deve priorizar orientações sobre higiene íntima, conhecimento do corpo e prevenção de comportamentos de risco, incluindo a vacinação contra ISTs. A especialista lembrou que o Art. 74 garante o direito ao sigilo médico para adolescentes, que pode ser rompido apenas em casos de gestação, uso de drogas, doenças graves, risco de vida ou procedimentos de maior complexidade. O exame físico, quando necessário, deve ser oportuno e direcionado às queixas da paciente.
Na sequência, o dr. José Alcione Almeida, chefe do setor de Ginecologia e Adolescência do Hospital das Clínicas da USP, discutiu as condutas no atendimento a adolescentes com menos de 14 anos. Destacou que tais práticas devem ser fundamentadas no Código de Ética Médica, no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos documentos internacionais da Conferência de Alma-Ata (1978) e do Cairo (1994 e 1999), além do juramento médico. Reforçou que o Art. 74 assegura sigilo a partir dos 12 anos, ainda que o vínculo com os pais seja desejável. O especialista chamou atenção para o dado de que mais de 100 mil meninas entre 10 e 14 anos se tornaram mães no Brasil entre 2014 e 2018. Explicou ainda que a Lei nº 12.015/2009, ao instituir o crime de estupro de vulnerável para qualquer relação sexual antes dos 14 anos, gera dilemas éticos na prescrição contraceptiva. Nesse contexto, sociedades médicas como a SBP, SOGIA e FEBRASGO publicaram documento orientando que a adolescente menor de 14 anos pode, sim, receber contracepção, desde que o atendimento seja registrado detalhadamente, incluindo consentimento e vínculo com o parceiro.
A dra. Maíra Ribeiro, médica assistente do Hospital das Clínicas, defendeu a ampliação do uso de contraceptivos reversíveis de longa duração (LARCs) entre adolescentes. Lembrou que, no Brasil, 1 em cada 7 filhos nasce de pais adolescentes e que, segundo a pesquisa PeNSE, 24% dos adolescentes entre 12 e 15 anos já iniciaram a vida sexual, com média de 14 anos para meninas. A médica ressaltou que não há contraindicação absoluta para prescrição de métodos contraceptivos nessa faixa etária e que, de acordo com o estudo CHOICE, adolescentes tendem a preferir implantes a DIUs. Citou ainda a norma técnica do SUS nº 2/2024 (CACRIAD/CGACI/DGCI/SAPS/MSA), que garante acesso à contracepção a partir dos 10 anos de idade. Para ela, discutir não apenas os benefícios contraceptivos, mas também os efeitos não contraceptivos e possíveis efeitos adversos, aumenta a adesão ao método, sempre reforçando a necessidade do uso de preservativos.
Encerrando a mesa, a dra. Albertina Takiuti, médica sanitarista da Faculdade de Medicina da USP, destacou as repercussões da gravidez na adolescência. Ressaltou que esse fenômeno tem custo social e econômico elevado, representando 10% do PIB brasileiro, e que, no país, a cada 38 minutos uma adolescente se torna mãe. As gestações nessa faixa etária estão associadas a maior risco de baixo peso ao nascer, parto pré-termo, síndromes hipertensivas, diabetes, infecções e complicações maternas. Além disso, impactam fortemente a saúde mental das jovens.
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