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Ginecologia e Obstetrícia16 dezembro 2025

Ingestão materna de Mio-Inositol e defeitos cardíacos congênitos em prole

Estudo associa maior ingestão periconcepcional de mio-inositol à redução do risco de cardiopatias congênitas fetais.

Um artigo recentemente publicado na revista BJOG, teve como objetivo investigar a associação entre o a ingestão periconcepcional de mio-inositol e defeitos congênitos cardíacos na prole. 

As cardiopatias congênitas são os defeitos congênitos mais comuns, afetando cerca de 1% dos nascidos vivos e associando-se a maior mortalidade, morbidade e prejuízos neurocognitivos. Embora o ácido fólico e padrões alimentares ricos em “one-carbon” já tenham sido relacionados à redução de risco, outros nutrientes podem ter papel protetor. 

O mio-inositol é um carboidrato presente em frutas, feijões, nozes, grãos e suplementos, já estudado na prevenção de defeitos do tubo neural. Como algumas cardiopatias e defeitos do tubo neural compartilham vias de desenvolvimento (como o envolvimento de células da crista neural), surgiu a hipótese de que o mio-inositol também possa atuar na prevenção. 

Metodologia 

O estudo foi conduzido como um estudo caso-controle de base populacional, utilizando dados do National Birth Defects Prevention Study (NBDPS), nos Estados Unidos, incluindo nascimentos, óbitos fetais e interrupções de gestação ocorridos entre 1997 e 2011.  

Foram incluídos 11.752 casos de gestações com cardiopatias congênitas não sindrômicas e 11.415 controles, constituídos por nascidos vivos sem grandes defeitos congênitos. A exposição de interesse foi a ingestão materna de mio-inositol no período periconcepcional (dos três meses anteriores até o terceiro mês de gestação), estimada a partir de um questionário de frequência alimentar abreviado referente ao ano anterior à gestação e do relato de uso de suplementos (como vitaminas e bebidas energéticas) contendo mio-inositol. Os pesquisadores analisaram a quantidade de mio-inositol proveniente da dieta (mg/dia), o mio-inositol total (soma de dieta e suplementos) e o uso de suplementos contendo mio-inositol (sim/não).  

Para estimar as associações com cardiopatias congênitas, foram utilizados modelos de regressão logística ajustados para diversos potenciais fatores de confusão, incluindo idade materna, índice de massa corporal, escolaridade, raça/etnia, diabetes tipo 2, epilepsia e uso de medicações, entre outros. Além disso, foram realizadas análises de sensibilidade incorporando a qualidade da dieta (por meio do índice DQI-P) e a ingestão de folato/ácido fólico. 

Resultados 

O uso de suplementos contendo mio-inositol foi pouco frequente entre as participantes, representando cerca de 2% a 3% das mulheres avaliadas. Apesar da baixa utilização, observaram-se associações relevantes: mulheres que relataram uso de mio-inositol no período periconcepcional apresentaram menor chance de ter uma gestação com cardiopatia congênita em geral, com odds ratio ajustado de 0,79 (IC95% 0,66–0,94). A redução do risco foi ainda mais evidente para defeitos septais, incluindo defeitos do septo em geral (aOR 0,61; IC95% 0,46–0,81) e especificamente para o defeito do septo ventricular (VSD), cuja chance foi quase 40% menor entre usuárias de suplementos (aOR 0,59; IC95% 0,40–0,86). 

A ingestão dietética elevada de mio-inositol (≥ 500 mg/dia) no ano anterior à gestação também se associou a menor probabilidade de vários tipos de cardiopatias congênitas. Em comparação às mulheres com ingestão inferior a 500 mg/dia, aquelas com ingestão elevada apresentaram menor chance de qualquer cardiopatia (aOR 0,88; IC95% 0,84–0,94) e menor chance de defeitos conotruncais (aOR 0,87; IC95% 0,80–0,96). Foram observadas ainda associações inversas para retorno venoso pulmonar anômalo (aOR 0,79; IC95% 0,63–0,99), defeitos de via de saída do ventrículo esquerdo (aOR 0,87; IC95% 0,78–0,96) e defeitos de via de saída do ventrículo direito (aOR 0,85; IC95% 0,77–0,95). A ingestão elevada também se relacionou a menor chance de defeitos do septo atrial (aOR 0,91; IC95% 0,83–0,99). Entre os subtipos específicos, destacaram-se associações inversas com d-transposição das grandes artérias (aOR 0,78; IC95% 0,66–0,91), estenose aórtica (aOR 0,81; IC95% 0,66–0,98) e estenose da valva pulmonar (aOR 0,85; IC95% 0,75–0,95). 

O estudo também identificou um padrão sugestivo de relação dose–resposta. À medida que a ingestão dietética de mio-inositol aumentava nos quartis superiores de consumo, observava-se redução progressiva das chances de diversos subtipos de cardiopatias congênitas, particularmente defeitos de via de saída e estenoses valvares. Esse comportamento reforça a plausibilidade biológica de um possível efeito protetor dependente da dose. 

Por fim, foram avaliadas possíveis interações entre mio-inositol e a ingestão materna de folato/ácido fólico. O efeito protetor do mio-inositol foi mais evidente entre mulheres com ingestão mais baixa de folato, sugerindo benefício adicional nesses cenários. Em contrapartida, entre mulheres com maior consumo de folato/ácido fólico, a associação entre mio-inositol e redução de cardiopatias tornou-se menos pronunciada, possivelmente indicando um “efeito teto” do folato como fator protetor na formação cardíaca embrionária. 

Discussão 

Estudos experimentais indicam que o mio-inositol pode influenciar o desenvolvimento cardíaco embrionário por meio da modulação da via Wnt/β-catenina, essencial nas primeiras semanas de gestação para a diferenciação adequada dos precursores cardíacos. Acredita-se que o mio-inositol, ao atuar sobre intermediários como a GSK3, possa exercer um efeito protetor, reduzindo o risco de múltiplos subtipos de cardiopatias congênitas quando presente em níveis mais elevados no período periconcepcional. 

O estudo apresenta pontos fortes importantes, como grande amostra populacional, classificação padronizada das cardiopatias e análises ajustadas para diversos confundidores. No entanto, limitações relevantes incluem possível viés de memória na estimativa de ingestão alimentar, ausência de tabelas padronizadas de composição de mio-inositol, baixa frequência de uso de suplementos e o próprio desenho observacional, que impede inferências causais. Na prática clínica, os achados sugerem uma associação inversa modesta entre maior ingestão de mio-inositol e menor risco de cardiopatias congênitas, mas não justificam suplementação rotineira com essa finalidade. O foco continua sendo o ácido fólico pré-concepcional e a redução de fatores de risco conhecidos, enquanto o mio-inositol se mantém como um alvo promissor para futuras pesquisas. 

Autoria

Foto de Ênio Luis Damaso

Ênio Luis Damaso

Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).

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Referências bibliográficas

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