Um tema muito presente na dúvida de profissionais de saúde que trabalham com saúde materna é o impacto de padrões alimentares diversos sobre os desfechos obstétricos. Um desses padrões, com cada vez mais adeptos é o jejum intermitente. Uma forma de avaliar o impacto do jejum sobre a gravidez é observar mulheres que jejuam durante o Ramadã. É o nono mês do calendário islâmico. O jejum é observado durante todo o mês, da alvorada ao pôr-do-sol.
Apesar de um grande número de estudos de pesquisa primária e revisões sistemáticas e narrativas, não há consenso sobre o impacto do jejum durante o Ramadã durante a gravidez nos resultados da gravidez e do parto. Atualmente, não há diretrizes baseadas em evidências para mulheres muçulmanas em relação ao jejum do Ramadã durante a gravidez e os médicos não podem fornecer recomendações firmes.
Assim, foi publicado uma revisão guarda-chuva, com o objetivo de revisar as evidências atuais sobre o impacto do jejum do Ramadã durante a gravidez nos resultados obstétricos.
Metodologia
Foi conduzida uma revisão abrangente com o objetivo de reunir e avaliar evidências acumuladas de revisões sistemáticas anteriores sobre o impacto do jejum durante o mês sagrado do Ramadã na gestação e nos desfechos de nascimento. A questão central, formulada segundo o modelo PECO, buscou determinar se o jejum no Ramadã exerce efeitos adversos em gestantes saudáveis quando comparadas às que não jejuam. A pesquisa seguiu as diretrizes PRISMA 2020 e foi registrada no PROSPERO (ID: CRD42023478819). Foram realizadas buscas sistemáticas nas bases de dados PubMed, CINAHL e Cochrane, além de referências adicionais, abrangendo estudos que investigam o impacto do jejum em desfechos como peso ao nascer, parto prematuro, crescimento fetal, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, cesariana, aborto e outros. Foram incluídas revisões sistemáticas e narrativas, enquanto editoriais, livros, artigos de opinião e estudos duplicados foram excluídos. A qualidade das revisões foi avaliada utilizando-se o checklist MOOSE 2, com classificação em baixa, moderada ou alta qualidade. A extração de dados foi realizada por dois revisores, e os resultados foram sintetizados de forma narrativa, de acordo com os desfechos analisados.
Principais achados
A revisão identificou 943 estudos publicados nas buscas realizadas nas bases de dados, além de três revisões adicionais localizadas a partir das referências dos estudos recuperados. Após triagem inicial por título e resumo, 932 estudos irrelevantes foram excluídos, restando 14 revisões para análise completa. Destas, uma revisão foi eliminada por não atender aos critérios de inclusão, resultando em 13 revisões que compuseram a revisão final. Entre as revisões incluídas, três eram revisões sistemáticas com meta-análise e seis eram revisões sistemáticas sem meta-análise, enquanto quatro eram revisões narrativas.
- Das 13 revisões incluídas, quatro investigaram a idade gestacional ao nascimento, e seis avaliaram a frequência de parto prematuro. Três revisões com meta-análise, incluindo 2040 participantes, relataram que o jejum não afetou a idade gestacional ao nascimento (diferença média de 0,05 semanas; IC 95%: –0,22 a 0,31 semanas) nem o risco de parto prematuro (OR 0,93; IC 95%: 0,60–1,44). Revisões narrativas e sem meta-análise também não encontraram evidências de que o jejum durante a gestação aumente o risco de parto prematuro.
- Dez revisões abordaram a relação entre peso ao nascer e jejum, incluindo três meta-análises que totalizaram 31.441 gestações. Nenhuma das meta-análises encontrou impacto significativo no peso ao nascer (diferença média padronizada de 0,03; IC 95%: 0,00 a 0,05) ou na frequência debaixo peso ao nascer (OR 1,05; IC 95%: 0,87–1,26). Revisões sem meta-análise e narrativas apresentaram resultados mistos, mas não há evidências suficientes para concluir que o jejum aumenta o risco de baixo peso ao nascer.
- Foram analisados índices como diâmetro biparietal, comprimento do fêmur e circunferência abdominal. Uma meta-análise relatou redução de 0,20 mm no diâmetro biparietal e no comprimento do fêmur no segundo trimestre, mas aumento de 0,39 mm no diâmetro biparietal no terceiro trimestre. Revisões sem meta-análise apresentaram resultados contraditórios, e não há evidências conclusivas de que o jejum afete negativamente o crescimento fetal.
- Quatro revisões investigaram a associação entre o jejum e o tipo de parto, sem meta-análise. A maioria dos estudos não encontrou relação significativa entre o jejum e a taxa de cesarianas, e as evidências são insuficientes para afirmar que o jejum aumenta o risco de parto cesáreo.
- Uma revisão com meta-análise avaliou cinco estudos, envolvendo 462 participantes. O jejum foi associado a uma redução significativa da glicemia de jejum (diferença média de –2,73 mg/dL; IC 95%: –5,23 a –0,22 mg/dL), mas sem impacto significativo no risco de diabetes gestacional ou pré-eclâmpsia.
- Nove revisões investigaram o índice de líquido amniótico, sendo que uma meta-análise relatou redução do ILA no segundo e terceiro trimestres. Outras revisões relataram resultados mistos, sem consenso sobre o impacto do jejum. Duas revisões analisaram o Apgar, e não encontraram diferenças significativas entre grupos que jejuaram e não jejuaram.
- Nenhuma revisão relatou impacto do jejum em desfechos raros como natimorto, aborto ou mortes neonatais. Três estudos avaliaram o peso placentário, com resultados contraditórios. Quatro estudos analisaram o ganho de peso gestacional, dos quais dois indicaram menor ganho no grupo em jejum, mas sem diferença significativa na média total (diferença média de 0,5 kg; IC 95%: –1,27 a 0,26 kg).
Conclusão
Atualmente, não há evidências suficientes de que o jejum no Ramadã durante a gravidez cause prejuízos significativos à saúde materno-fetal. Recomenda-se que os médicos adotem uma abordagem individualizada, discutindo com a gestante os riscos e benefícios, especialmente em casos de obesidade, anemia ou outras condições pré-existentes. Pesquisas futuras devem investigar o jejum em diferentes trimestres, durações e contextos para embasar melhor as orientações clínicas.
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