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Ginecologia e Obstetrícia21 janeiro 2025

Impactos do jejum nos desfechos obstétricos

Revisão reuniu e avaliou evidências atuais sobre o impacto do jejum do Ramadã durante a gravidez nos resultados obstétricos.

Um tema muito presente na dúvida de profissionais de saúde que trabalham com saúde materna é o impacto de padrões alimentares diversos sobre os desfechos obstétricos. Um desses padrões, com cada vez mais adeptos é o jejum intermitente. Uma forma de avaliar o impacto do jejum sobre a gravidez é observar mulheres que jejuam durante o Ramadã. É o nono mês do  calendário islâmico. O jejum é observado durante todo o mês, da alvorada ao pôr-do-sol.  

Apesar de um grande número de estudos de pesquisa primária e revisões sistemáticas e narrativas, não há consenso sobre o impacto do jejum durante o Ramadã durante a gravidez nos resultados da gravidez e do parto. Atualmente, não há diretrizes baseadas em evidências para mulheres muçulmanas em relação ao jejum do Ramadã durante a gravidez e os médicos não podem fornecer recomendações firmes. 

Assim, foi publicado uma revisão guarda-chuva, com o objetivo de revisar as evidências atuais sobre o impacto do jejum do Ramadã durante a gravidez nos resultados obstétricos. 

gestante

Metodologia 

Foi conduzida uma revisão abrangente com o objetivo de reunir e avaliar evidências acumuladas de revisões sistemáticas anteriores sobre o impacto do jejum durante o mês sagrado do Ramadã na gestação e nos desfechos de nascimento. A questão central, formulada segundo o modelo PECO, buscou determinar se o jejum no Ramadã exerce efeitos adversos em gestantes saudáveis quando comparadas às que não jejuam. A pesquisa seguiu as diretrizes PRISMA 2020 e foi registrada no PROSPERO (ID: CRD42023478819). Foram realizadas buscas sistemáticas nas bases de dados PubMed, CINAHL e Cochrane, além de referências adicionais, abrangendo estudos que investigam o impacto do jejum em desfechos como peso ao nascer, parto prematuro, crescimento fetal, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, cesariana, aborto e outros. Foram incluídas revisões sistemáticas e narrativas, enquanto editoriais, livros, artigos de opinião e estudos duplicados foram excluídos. A qualidade das revisões foi avaliada utilizando-se o checklist MOOSE 2, com classificação em baixa, moderada ou alta qualidade. A extração de dados foi realizada por dois revisores, e os resultados foram sintetizados de forma narrativa, de acordo com os desfechos analisados. 

Principais achados 

A revisão identificou 943 estudos publicados nas buscas realizadas nas bases de dados, além de três revisões adicionais localizadas a partir das referências dos estudos recuperados. Após triagem inicial por título e resumo, 932 estudos irrelevantes foram excluídos, restando 14 revisões para análise completa. Destas, uma revisão foi eliminada por não atender aos critérios de inclusão, resultando em 13 revisões que compuseram a revisão final. Entre as revisões incluídas, três eram revisões sistemáticas com meta-análise e seis eram revisões sistemáticas sem meta-análise, enquanto quatro eram revisões narrativas.  

  • Das 13 revisões incluídas, quatro investigaram a idade gestacional ao nascimento, e seis avaliaram a frequência de parto prematuro. Três revisões com meta-análise, incluindo 2040 participantes, relataram que o jejum não afetou a idade gestacional ao nascimento (diferença média de 0,05 semanas; IC 95%: –0,22 a 0,31 semanas) nem o risco de parto prematuro (OR 0,93; IC 95%: 0,60–1,44). Revisões narrativas e sem meta-análise também não encontraram evidências de que o jejum durante a gestação aumente o risco de parto prematuro. 
  • Dez revisões abordaram a relação entre peso ao nascer e jejum, incluindo três meta-análises que totalizaram 31.441 gestações. Nenhuma das meta-análises encontrou impacto significativo no peso ao nascer (diferença média padronizada de 0,03; IC 95%: 0,00 a 0,05) ou na frequência debaixo peso ao nascer (OR 1,05; IC 95%: 0,87–1,26). Revisões sem meta-análise e narrativas apresentaram resultados mistos, mas não há evidências suficientes para concluir que o jejum aumenta o risco de baixo peso ao nascer. 
  • Foram analisados índices como diâmetro biparietal, comprimento do fêmur e circunferência abdominal. Uma meta-análise relatou redução de 0,20 mm no diâmetro biparietal e no comprimento do fêmur no segundo trimestre, mas aumento de 0,39 mm no diâmetro biparietal no terceiro trimestre. Revisões sem meta-análise apresentaram resultados contraditórios, e não há evidências conclusivas de que o jejum afete negativamente o crescimento fetal. 
  • Quatro revisões investigaram a associação entre o jejum e o tipo de parto, sem meta-análise. A maioria dos estudos não encontrou relação significativa entre o jejum e a taxa de cesarianas, e as evidências são insuficientes para afirmar que o jejum aumenta o risco de parto cesáreo. 
  • Uma revisão com meta-análise avaliou cinco estudos, envolvendo 462 participantes. O jejum foi associado a uma redução significativa da glicemia de jejum (diferença média de –2,73 mg/dL; IC 95%: –5,23 a –0,22 mg/dL), mas sem impacto significativo no risco de diabetes gestacional ou pré-eclâmpsia. 
  • Nove revisões investigaram o índice de líquido amniótico, sendo que uma meta-análise relatou redução do ILA no segundo e terceiro trimestres. Outras revisões relataram resultados mistos, sem consenso sobre o impacto do jejum. Duas revisões analisaram o Apgar, e não encontraram diferenças significativas entre grupos que jejuaram e não jejuaram. 
  • Nenhuma revisão relatou impacto do jejum em desfechos raros como natimorto, aborto ou mortes neonatais. Três estudos avaliaram o peso placentário, com resultados contraditórios. Quatro estudos analisaram o ganho de peso gestacional, dos quais dois indicaram menor ganho no grupo em jejum, mas sem diferença significativa na média total (diferença média de 0,5 kg; IC 95%: –1,27 a 0,26 kg). 

Conclusão 

Atualmente, não há evidências suficientes de que o jejum no Ramadã durante a gravidez cause prejuízos significativos à saúde materno-fetal. Recomenda-se que os médicos adotem uma abordagem individualizada, discutindo com a gestante os riscos e benefícios, especialmente em casos de obesidade, anemia ou outras condições pré-existentes. Pesquisas futuras devem investigar o jejum em diferentes trimestres, durações e contextos para embasar melhor as orientações clínicas. 

Autoria

Foto de Ênio Luis Damaso

Ênio Luis Damaso

Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).

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Referências bibliográficas

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