Um artigo publicado recentemente na revista BJOG, por um grupo de cientistas canadenses, tiveram como objetivo investigar a associação entre estresse materno percebido no pré-natal, cortisol salivar e as chances de parto prematuro recorrente.
O parto prematuro (antes de 37 semanas) afeta mais de 15 milhões de gestações por ano e é uma das principais causas de morte neonatal. Mulheres que já tiveram parto prematuro têm maior risco de recorrência. Além dos fatores clínicos, o estresse psicossocial tem papel importante: situações de tensão prolongada podem alterar o eixo hormonal do estresse, elevando ou desregulando o cortisol, o que pode antecipar o trabalho de parto.
No entanto, a relação entre cortisol e prematuridade ainda não é totalmente clara, com estudos mostrando resultados diferentes conforme o contexto de vida e o suporte recebido pela gestante. Avaliar estresse percebido e marcadores fisiológicos, como cortisol salivar, pode ajudar a identificar precocemente mulheres com maior risco, permitindo intervenções e suporte adequados durante o pré-natal.

Metodologia
Este foi um estudo de coorte prospectivo que incluiu gestantes com histórico de parto prematuro espontâneo prévio, atualmente em gestação única. As participantes foram recrutadas entre 7 e 30 semanas, durante consultas pré-natais de rotina, e acompanhadas até o parto. Foram excluídas mulheres cujo parto prematuro anterior teve causa médica (como pré-eclâmpsia ou sofrimento fetal) e aquelas com gestação múltipla ou anomalias fetais. No total, 245 mulheres foram analisadas, das quais 22% tiveram recorrência de parto prematuro. Durante a gestação, foi aplicado o questionário Perceived Stress Scale (PSS-10) para avaliar estresse percebido, e foram coletadas amostras de saliva em dois momentos, com o objetivo de medir níveis de cortisol como marcador biológico do estresse.
Os padrões de estresse ao longo da gestação foram classificados em quatro grupos: estresse consistentemente alto, estresse crescente, estresse decrescente e estresse consistentemente baixo (grupo referência). Dados clínicos e gestacionais foram coletados dos prontuários, e análises estatísticas ajustadas foram realizadas para identificar associação entre padrões de estresse e recorrência de parto prematuro. Modelos de regressão logística incluíram variáveis como idade materna, paridade, tabagismo, escolaridade e número de partos prematuros prévios. As análises foram feitas apenas com casos completos, devido à baixa taxa de dados ausentes.
Resultados
Entre as 245 mulheres avaliadas, 22,4% apresentaram recorrência de parto prematuro. Níveis elevados de estresse percebido no final da gestação foram associados a uma maior incidência de recorrência de parto prematuro (38,9% vs. 19,2%; p = 0,011; OR ajustada = 2,44; IC 95%: 1,053–5,639; p = 0,038), mesmo após ajuste para idade materna, número de partos prematuros prévios e paridade. As mulheres com estresse consistentemente elevado durante toda a gestação apresentaram a maior incidência de recorrência de parto prematuro (40%), seguidas daquelas cujo estresse aumentou ao longo da gestação (37,5%).
A análise multivariada mostrou que estresse persistentemente elevado (OR ajustada = 3,82; IC 95%: 1,37–10,64; p = 0,010) e estresse elevado apenas no final da gestação (OR ajustada = 3,18; IC 95%: 1,04–9,73; p = 0,042) foram fatores de risco significativos para recorrência de parto prematuro. Não houve associação entre níveis de cortisol salivar, estresse elevado apenas no primeiro trimestre e recorrência de parto prematuro. Também não foram observadas diferenças entre os grupos com e sem recorrência de parto prematuro em relação às características demográficas, clínicas ou de estilo de vida.
Conclusão
Este estudo destacou o papel fundamental do estresse materno percebido no final da gestação como um fator de risco modificável para a recorrência do parto prematuro. A ausência de associação entre os níveis de cortisol salivar e a recorrência do parto prematuro reforça a importância da avaliação subjetiva do estresse na identificação de risco psicossocial. Esses achados defendem a integração de intervenções psicossociais no cuidado pré-natal, com o objetivo de reduzir o estresse materno e melhorar os desfechos de saúde maternos e neonatais.
Autoria

Ênio Luis Damaso
Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).
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