O artigo intitulado Effects of Oral Contraceptive Pills on Brain Networks: A Conceptual Replication and Extension, escrito por Gino Haase e colaboradores, desenvolvido no Reino Unido e nos Estados Unidos, foi publicado recentemente na revista Human Brain Mapping. O estudo teve como objetivo replicar e expandir achados anteriores sobre os efeitos dos contraceptivos orais na conectividade cerebral, utilizando um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo.
Esse trabalho foi desenvolvido para investigar se o uso de anticoncepcionais orais, além de seus efeitos reprodutivos, também pode impactar a forma como diferentes regiões do cérebro se comunicam entre si. Essa “conectividade cerebral” refere-se à correlação da atividade entre áreas distintas, formando redes neurais que sustentam funções como emoção, memória e tomada de decisão. Alterações nesses padrões de comunicação podem ajudar a explicar mudanças de humor ou sintomas emocionais relatados por algumas mulheres durante o uso de anticoncepcionais.
Metodologia
O estudo foi desenhado como um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, envolvendo mulheres jovens saudáveis da região de Los Angeles. Inicialmente, 183 candidatas foram avaliadas, mas apenas 26 completaram todo o protocolo. Para garantir a segurança e a homogeneidade da amostra, foram excluídas participantes grávidas, fumantes, usuárias recentes de anticoncepcionais, com uso de drogas ilícitas, transtornos psiquiátricos ou neurológicos, ou contraindicações para ressonância magnética. Cada voluntária passou por duas fases: em uma delas recebeu comprimidos de anticoncepcional oral combinando etinilestradiol (30 µg) e levonorgestrel (0,15 mg), e na outra recebeu placebo, sempre durante 21 dias e separados por um período de washout (intervalo para eliminar os efeitos da medicação anterior). Ao final de cada fase, eram realizadas ressonâncias magnéticas, exames laboratoriais hormonais e questionários para avaliar humor e regulação emocional.
Os questionários aplicados incluíram a Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS), que mede dificuldades no manejo das emoções; o Beck Depression Inventory (BDI), utilizado amplamente para avaliar sintomas depressivos; e o Daily Record of Severity of Problems (DRSP), que acompanha variações de humor e sintomas ao longo do ciclo menstrual. Paralelamente, a conectividade cerebral em estado de repouso foi estudada por meio de ressonância magnética funcional de 3 Tesla, com análises estatísticas para identificar alterações ligadas ao uso do anticoncepcional. Foram selecionadas regiões-chave do cérebro, como amígdala, putâmen, giro parahipocampal e córtex cingulado anterior dorsal, conhecidas por sua relação com emoções e comportamento. A inovação metodológica esteve no uso do functional connectome fingerprinting, uma técnica que avalia a estabilidade e a singularidade dos padrões de conectividade de cada indivíduo. Assim, o estudo buscou não apenas confirmar efeitos já sugeridos, mas também ampliar a compreensão de como os contraceptivos orais podem impactar redes neurais ligadas à regulação emocional.
Principais achados
Os principais achados do estudo mostraram que o uso de anticoncepcionais orais produziu efeitos tanto nos níveis hormonais quanto na organização da conectividade cerebral. Além disso, foram observadas alterações no padrão individual de funcionamento do cérebro e em sintomas relatados pelas participantes. Seguem as principais alterações identificadas:
- Hormônios: redução significativa dos níveis de estradiol (33 pg/mL no OCP vs. 152 pg/mL no placebo) e progesterona (0,26 vs. 7,57 ng/mL).
- Conectividade cerebral: mudanças amplas em diferentes redes neurais, principalmente nas áreas executivas, motoras e subcorticais, sem confirmação de alterações pontuais em regiões específicas como amígdala ou córtex cingulado.
- Padrões individuais: maior homogeneidade entre os cérebros das participantes durante o uso do OCP, com perda de parte das diferenças individuais (idiossincrasia).
- Sintomas associados: alterações em 13 conexões cerebrais se correlacionaram com aumento de sintomas negativos, como fadiga e mal-estar, avaliados pelo Daily Record of Severity of Problems (DRSP).
Conclusões
Esses resultados reforçam que o uso de anticoncepcionais orais não atua apenas no sistema reprodutivo, mas pode também afetar circuitos cerebrais ligados ao humor e à regulação emocional. Para os médicos, isso significa que queixas de alterações de humor, fadiga ou sintomas emocionais relatados por mulheres em uso de anticoncepcionais devem ser reconhecidas como plausíveis e merecem acolhimento clínico. Embora os efeitos sejam variáveis e não justifiquem contraindicação ampla do método, esses achados ressaltam a importância de um acompanhamento individualizado, discutindo riscos, benefícios e alternativas contraceptivas de forma compartilhada com a paciente.
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