Logotipo Afya
Anúncio
Gastroenterologia20 junho 2024

Tirzepatida na MASH 

A esteato-hepatite associada à disfunção metabólica (MASH) é uma doença hepática progressiva associada a complicações relacionadas ao fígado e morte.
Por Leandro Lima

A esteato-hepatite associada à disfunção metabólica (MASH) está atrelada à doença hepática crônica avançada e suas complicações, respondendo por cerca de um terço dos transplantes hepáticos no Brasil, com números crescentes nas últimas décadas. Portanto, há uma necessidade imperativa de disponibilizar terapias capazes de modificar a sua história natural.  

Nesse sentido, a tirzepatida, recentemente incorporada ao arsenal terapêutico da obesidade, demonstrou-se promissora na MASH, de acordo com o estudo SYNERGY-NASH, um ensaio clínico de fase 2 publicado simultaneamente no congresso da EASL e no NEJM em junho de 2024.  

A droga atua como um agonista sintético dual sobre os receptores GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose) e GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon 1), valendo-se da potência na indução de emagrecimento semelhante à cirurgia bariátrica, sob mediação do efeito incretinomimético. O medicamento aumenta o fluxo sanguíneo do tecido adiposo e a captação pós-prandial de triglicérides, melhora a resistência insulínica e reduz o depósito hepático ectópico de gordura, além de amplificar a oxidação de gordura no processo de emagrecimento.  

Leia também: Pancreatite aguda biliar: os pilares da abordagem

Dessa forma, há, sim, plausibilidade biológica em considerá-la no tratamento da MASH, tendo em vista que se espera, com perda ponderal superior a 10%, seja sob modificações do estilo de vida e/ou cirurgia antiobesidade, maior incidência de resolução da MASH e regressão da fibrose.  

A pergunta que se faz é a seguinte: Será que os benefícios do emagrecimento na MASH são mantidos quando ele é induzido pela tirzepatida?

Em estudos prévios de fase 2, com tempo de seguimento de 48 e 72 semanas, os agonistas do receptor do GLP-1 demonstraram eficácia na resolução da MASH, mas sem implicar em regressão da fibrose.  

No presente estudo, evidenciou-se, pois, que a intervenção com a tirzepatida foi, como o esperado, significativamente mais eficaz do que o placebo não só na reversão da MASH, mas também na melhora da fibrose, embora esse tenha sido um desfecho secundário. 

Tirzepatida MASH 

Imagem de jcomp/Freepik

Desenho do estudo e principais resultados 

O estudo SYNERGY-NASH é um RCT multicêntrico envolvendo 10 países (incluindo Japão, EUA, México, Europa e Israel), duplo-cego e controlado por placebo, realizado entre janeiro/2020 e janeiro/2023 e patrocinado pela indústria farmacêutica. 

O estudo envolveu 190 participantes (poder estatístico de 80%) com MASH confirmada por biópsia e fibrose moderada ou grave (estágios F2 ou F3), entre os quais 157 foram submetidos à biópsia após a 52ª semana de seguimento. 

Classificação da fibrose hepática 

(Metavir) 

F0 

Ausência de fibrose 

F1 

Fibrose leve 

F2 

Fibrose moderada 

F3 

Fibrose grave 

F4 

Cirrose hepática 

Os participantes participantes foram selecionados pelos critérios de faixa etária (18 a 80 anos) e IMC (27 a 50), independentemente do diagnóstico de DM2, com biópsia hepática realizada nos últimos 6 meses.  

A análise histopatológica deveria ser compatível com F2 ou F3 e com escore da atividade de NAFLD ≥ 4, em uma escala de 0 a 8 e que leva em conta esteatose, balonização de hepatócitos e inflamação lobular. Os indivíduos foram, então, randomizados para os 4 grupos abaixo descritos, em uma proporção de 1:1:1:1.  

A dose inicial de tirzepatida foi de 2,5 mg/semana, com aumento gradual de 2,5 mg a cada 4 semanas, conforme a tolerância, até a dose-alvo de cada um dos 3 primeiros grupos, com taxa de sucesso em mantê-la  de 96%, 96% e 85% para as doses de 5, 10 e 15 mg, respectivamente. 

Os critérios de exclusão foram doença hepática crônica de outras etiologias, cirrose ou descompensação hepática; uso abusivo de álcool (> 14 ou 21 doses-padrão semanais para mulheres e homens, respectivamente); DM2 descontrolado (HbA1C > 9,5%) e uso de medicamentos confundidores (agonistas do receptor GLP-1 ou terapia antiobesidade de outra natureza).  

O desfecho primário foi a reversão da MASH (definida por ausência de esteatose ou esteatose simples sem esteato-hepatite), na ausência de agravamento da fibrose após a 52ª semana, enquanto o desfecho secundário principal foi a melhora de pelo menos 1 estágio da fibrose, sem agravamento da MASH. Ambos desfechos são endossados pelas agências regulatórias, como o FDA. 

Vários outros desfechos exploratórios foram incluídos, como o FIB4, parâmetros da RM de abdome (a exemplo do conteúdo de água extracelular hepático), FibroScan®, enzimas hepáticas, citoqueratina 18 e Pró-C3. 

População do estudo  

  • A idade média foi de 54,4 anos, com predomínio de mulheres (57%) e etnia branca (86%). O IMC médio de 36,1 e mais da metade apresentava DM2. 
  • A maioria dos indivíduos apresentava grau 3 de fibrose de Metavir: 

Grupos 

Tirzepatida 

Placebo 

5 mg 

10 mg 

15 mg 

Reversão na MASH, sem piora da fibrose 

43,6% 

55,5% 

62,4% 

9,8%  (P < 0,001) 

Melhora da fibrose em ao menos 1 estágio, sem piora da MASH 

54,9% 

51,3% 

51% 

29,7% (P < 0,001) 

Redução do peso corporal 

10,7% 

13,3% 

15,6% 

0,8% 

A análise de desfechos secundários adicionais demonstrou melhora de biomarcadores de lesão hepática e da taxa de gordura hepática.  

Vale ressaltar que o desenho do estudo não objetivou demonstrar melhora da fibrose, embora os resultados tenham sido promissores nesse quesito, especialmente no grupo de pacientes com F3 à alocação.   

Perfil de segurança 

  • A tirzepatida foi, em geral, considerada segura, em consonância com os relatos prévios dos estudos de fase 3: SURMOUNT-1 (obesos e não diabéticos) e SURPASS (diabéticos).  
  • A maioria dos eventos adversos foi gastrointestinal, a exemplo de náuseas, diarreia, hiporexia e constipação), de intensidade leve a moderada em 96% dos casos e com taxa de descontinuação semelhante ao grupo placebo (4% em ambos grupos). 

Conclusão e Mensagens práticas 

  • O estudo de fase 2 SYNERGY-NASH demonstrou que a tirzepatida é um tratamento promissor para a MASH e fibrose, com eficácia na reversão da MASH e na melhora da fibrose, com perfil de segurança favorável. 
  • A maioria dos pacientes leva 5 anos para melhorar um estágio de fibrose após a cirurgia bariátrica. Se o mesmo for válido para a tirzepatida, estaremos diante da necessidade provável de terapias com duração entre 52 e 72 semanas, o que exigirá atenção adicional à custo-eficácia e dados de segurança, incluindo carcinoma medular de tireoide.   
  • Os pontos fracos do estudo foram a amostra pequena para realizar inferências sobre a fibrose, tempo de seguimento curto para avaliar desfechos hepáticos adversos maiores e sub-representação de indivíduos de pele preta. 
  • Ficaremos no aguardo dos estudos de fase 3 e dos resultados em longo prazo em termos de eficácia e perfil de eventos adversos.
Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo