Com o avanço dos métodos diagnósticos e das novas terapias para as doenças inflamatórias intestinais (DII), a Organização Internacional para o Estudo das DII (IOIBD) publicou, recentemente, uma atualização dos alvos terapêuticos dessas doenças (STRIDE II).
As doenças inflamatórias intestinais
São doenças crônicas, progressivas e heterogêneas. Na ausência de diagnóstico precoce e tratamento adequado, há progressão com dano tecidual e sequelas, como estenoses e fístulas, levando a aumento da necessidade de cirurgias intestinais, piora na qualidade de vida, e elevação da morbimortalidade.
Dessa forma, entende-se o conceito de “janela terapêutica” como o período em que há oportunidade de modificar a história natural da doença. Com isso, incorporamos os pilares já usados na reumatologia: tratamento precoce, alvo terapêutico bem definido (“treat to target”), e controle rígido da atividade de doença (“tight control”).
Vale lembrar que nas doenças inflamatórias intestinais, principalmente na doença de Crohn, pode não haver correlação entre remissão sintomática e endoscópica, o que reforça a necessidade de estabelecer alvos além da avaliação clínica isolada.
Na prática, surgem muitas perguntas: Quando iniciar o tratamento? Qual melhor estratégia? Que paciente se beneficia de cirurgia? Qual o momento de otimizar ou desescalar a terapia?
O STRIDE II
Para abordar essas questões, foram formuladas questões por 89 estudiosos da área para debate, revisão da literatura, e formação de consenso. Foram discutidos temas como alvos terapêuticos de curto, médio e longo prazo, para avaliação da resposta terapêutica e necessidade de otimização da mesma. Os alvos incluíram parâmetros clínicos, endoscópicos e biomarcadores. O resultado dessa iniciativa foi o documento STRIDE II, publicado em abril de 2021.
O novo STRIDE sugere um tempo individualizado para diferentes medicações. Todavia, no momento atual, os períodos ainda não são validados cientificamente e podemos usar os períodos recomendados pelo STRIDE I.
Alvos terapêuticos clínicos:
- Resposta clínica: alvo de curto prazo
- Redução em 50% do “Patient Reported Outcomes” (PRO2)
- Doença de Crohn (DC): PRO2 considera dor abdominal e frequência de evacuações
- Retocolite ulcerativa (RCU): PRO2 considera sangramento intestinal e frequência de evacuações
- Remissão clínica: alvo de prazo intermediário (aproximadamente em 3 meses)
- DC: PRO2 (dor abdominal ≤ 1 e frequência das fezes ≤ 3) ou Índice de Harvey Bradshaw < 5. Em crianças: PCDAI (Pediatric Crohn’s Disease Activity Index) < 10 pontos ou < 7,5 (excluindo o item de altura) ou wPCDAI (weighted PCDAI) < 12,5 pontos;
- RCU: PRO2 (sangramento retal = 0 e frequência de fezes = 0) ou Mayo parcial (< 3 e sem pontuação > 1 ). Em crianças: PUCAI (Pediatric Ulcerative Colitis Activity Index) < 10 pontos;
- Observações:
– Resposta e remissão clínica são insuficientes para serem usados como alvos de tratamento de longo prazo;
– Em crianças, a restauração do crescimento normal é um alvo de tratamento de longo prazo.
Alvos endoscópicos:
- A avaliação deve ser feita por sigmoidoscopia ou colonoscopia. Na doença de Crohn, considerar cápsula endoscópica ou enteroscopia:
- DC: SES-CD (Simple Endoscopic Score for Crohn Disease) ou CDEIS (Crohn’s Disease Endoscopic Index of Severity) < 3 pontos e ausência de ulcerações (incluindo ulcerações aftóides)
- RCU: Escore endoscópico de Mayo = 0 pontos, ou UCEIS (Ulcerative Colitis Endoscopic Index of Severity) ≤ 1 pontos
- Observações:
– A cura endoscópica é um alvo de longo prazo ( aproximadamente 3 meses na RCU e 6-9 meses na DC);
– Remissão histológica não é um alvo de tratamento. Porém, na RCU pode ser usada como um complemento à remissão endoscópica e remissão profunda).
– Cura transmural (entero – TC, entero – RM ou US intestinal) não é um alvo de tratamento. No entanto, na DC deve ser usado como um complemento à remissão endoscópica e remissão profunda).
– Existem aplicativos e calculadoras online para o cálculo dos escores clínicos e endoscópicos.
Alvos usando biomarcadores:
- Alvos: PCR abaixo do limite superior de normalidade e calprotectina fecal (< 100-250 μg / g) são alvos de prazo intermediário.
- Recomenda-se combinar ambos biomarcadores para aumentar o valor preditivo positivo e negativo.
Qualidade de vida:
- Ausência de deficiência e qualidade de vida normalizada relacionada à saúde, são alvos de tratamento de longo prazo.
- Tratamento que prejudica a QV deve ser revisto, mesmo atingindo os outros alvos terapêuticos;
- As decisões sempre devem ser compartilhadas entre médico e paciente, pesando controle de doença versus efeito adverso das drogas.
O que há de novo no STRIDE II sobre as doenças inflamatórias intestinais?
- Proposta de avaliação dos alvos terapêuticos de controle de doença em diferentes momentos do tempo, de acordo com os diferentes tratamentos;
- Inclusão da avaliação de desfechos auto reportados pelo paciente (PRO2);
- Inclusão de biomarcadores como alvos terapêuticos;
- Alvos pediátricos determinados por escalas e restauração do crescimento normal;
- Inclusão da Qualidade de Vida (QV) e ausência de deficiência como metas a longo prazo;
Quais os principais desafios e caminhos para futuras pesquisas?
- Os PRO (Patient Reported Outcomes) devem ser desenvolvidos visando a implementação na prática clínica, com alta confiabilidade;
- Desenvolvimento e validação de uma ferramenta para avaliar a QV para uso prático;
- Definir o real papel da remissão histológica e cicatrização transmural na avaliação de controle da doença;
Mensagens finais
- Estratégias de manejo das doenças inflamatórias intestinais foram aperfeiçoadas conforme o com o avanço no diagnóstico e tratamento das mesmas;
- Alvos terapêuticos bem definidos e controle rígido da atividade de doença, são usados para modificar a história natural da doença, prevenindo complicações;
- O STRIDE II define como objetivos de longo prazo mais importantes: remissão clínica, cicatrização endoscópica, restabelecimento da QV e ausência de incapacidade;
- Decisões compartilhadas entre médicos e pacientes auxiliam no sucesso terapêutico;
- Os alvos terapêuticos são guias para monitorar o tratamento, mas as condutas devem sempre ser individualizadas para cada paciente.
Referência bibliográfica:
- STRIDE-II: An Update on the Selecting Therapeutic Targets in Inflammatory Bowel Disease (STRIDE) Initiative of the International Organization for the Study of IBD (IOIBD): Determining Therapeutic Goals for Treat-to-Target strategies in IBD. ORIGINAL RESEARCH FULL REPORT: CLINICAL—ALIMENTARY TRACT| VOLUME 160, ISSUE 5, P1570-1583, APRIL 01, 2021. doi:https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.12.031
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