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Gastroenterologia13 junho 2025

Profilaxia secundária de peritonite bacteriana espontânea

Estudo sugere que a antibioticoprofilaxia secundária na PBE pode aumentar a recorrência e resistência bacteriana, sem reduzir mortalidade.
Por Leandro Lima

A peritonite bacteriana espontânea (PBE) é uma das principais causas de descompensação aguda das hepatopatias crônicas. Dessa forma, a paracentese propedêutica, sempre que houver ascite puncionável, é uma ferramenta indispensável nesse cenário.  

Sob uma óptica operacional, o principal critério diagnóstico da PBE é a identificação de uma ascite neutrofílica e com contagem de polimorfonucleares ≥ 250/mm³, desde que afastado foco infeccioso intracavitário (condição que, uma vez presente, define a peritonite bacteriana secundária).  

A positividade monomicrobiana (geralmente com enterobactérias gram negativas) do líquido ascítico, por sua vez, embora característica da PBE, tem sensibilidade apenas limitada. Uma dica prática para otimizar a sensibilidade das culturas do líquido ascítico é realizar a semeadura à beira do leito, logo que coletado, com a inoculação do espécime em balões de hemocultura.  

As principais diretrizes recomendam a instituição de antibioticoprofilaxia secundária após um primeiro episódio de PBE, comumente com a prescrição de quinolonas (norfloxacino ou ciprofloxacino) ou sulfametoxazol-trimetoprima. Tal conduta, embasada em estudos da década de 1990, tem sido questionada na atualidade, em razão de mudanças do perfil microbiológico e preocupação crescente quanto à resistência antimicrobiana.  

Veja mais:Profilaxia primária para Peritonite Bacteriana Espontânea: benefício ou risco?

Uma nova e importante evidência! 

O desempenho da antibioticoprofilaxia secundária dedicada à PBE foi avaliado em uma análise de 2 coortes norte-americanas, compreendendo mais de 11.000 pacientes diagnosticados com PBE entre 2009 e 2019. 

O estudo foi publicado por Silvey e colaboradores no prestigiado American Journal of Gastroenterology (fator de impacto: 10,2) em maio de 2025, trazendo à tona dados muito relevantes sobre o desempenho da antibioticoprofilaxia secundária.   

Abaixo sintetizamos as principais características das 2 coortes utilizadas: 

Bases de dados 

Características 

VA CDW 

  • N = 4.673 
  • Veteranos, ex-militares, das forças armadas dos EUA; 
  • População majoritariamente (>98%) masculina; 
  • Idade média de 62 anos; 
  • MELD-Na médio de 18 pontos.   

TriNetX 

  • N = 6.708 
  • Portadores de seguros privados de saúde; 
  • Predomínio do sexo masculino (64%); 
  • Idade média de 56 anos; 
  • MELD médio de 17 pontos.  

Em ambas coortes, apenas metade da população estava exposta à antibioticoprofilaxia, sobretudo com ciprofloxacino e sulfametoxazol-trimetoprima.  

De maneira surpreendente, o risco de recorrência de PBE foi maior no grupo exposto à antibioticoprofilaxia: 24% vs. 15%, com hazard ratio (HR) de 1,6, com manutenção dos dados após os ajustes multivariados direcionados à equilibrar a gravidade entre os grupos: 

  • No grupo de veteranos, a taxa de recorrência de PBE foi de 24,1% (611 casos) no grupo de profilaxia antimicrobiana em comparação a 13,7% (293 casos) no grupo sem a intervenção, de forma que o HR foi de 1,82 (IC 95%: 1,59 a 2,1, P < 0,001); 
  • No grupo de assegurados, a taxa de recorrência de PBE no grupo de antibioticoprofilaxia foi de 22,5% (734 casos) em comparação a 16% (551 casos) no grupo sem a intervenção, condicionando um HR de 1,61 (IC 95%: 1,44 a 1,8, P < 0,001).  

 

Veteranos 

Assegurados  

Antibioticoprofilaxia 

Sim 

Não 

Sim  

Não 

Recorrência de PBE (2 anos) 

24,1%  

(611) 

13,7%  

(293) 

22,5%  

(734) 

16%  

(551) 

Mortalidade global  

(2 anos) 

61,6%  

(1.564) 

59,1%  

(1.261) 

37%  

(1.207) 

33,6% 

(1.157)  

Transplante hepático (2 anos) 

3,5%  

(87) 

1,5%  

(33) 

14,4%  

(468) 

5,5%  

(191) 

Destacou-se ainda a maior prevalência de resistência de infecções por germes resistentes às quinolonas entre os que estavam recebendo a profilaxia com essa classe farmacológica: 68% vs. 46%.  

Conclusão e Mensagens práticas 

  • Os resultados deste estudo colocam em questionamento a recomendação atual de instituir a profilaxia secundária rotineira dedicada à PBE; 
  • A estratégia de antibioticoprofilaxia secundária pode aumentar o risco de novas infecções e contribuir para a resistência antimicrobiana, sem impactar na mortalidade;  
  • Diante desses dados, faz-se necessário reavaliar a conduta, primando pelo uso criterioso da profilaxia, baseado em dados microbiológicos e no risco individual, enquanto RCTs direcionados ao tema são aguardados. 

 

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Referências bibliográficas

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