A lactose é o principal carboidrato do leite humano e de outros mamíferos, sendo uma importante fonte energética na infância e fase adulta. Uma recente revisão de patogênese, diagnóstico e tratamento trouxe alguns tópicos importantes e updates sobre a intolerância à lactose. Vamos abordar os principais neste artigo.
Lactose e intolerância
A digestão e absorção da lactose ocorre por ação da lactase, expressa pelos enterócitos no ápice da borda em escova do intestino delgado – especialmente jejuno médio. Essa enzima cliva a lactose em glicose e galactose, os quais são transportados, ativamente, pelo co-transportador sódio/glicose (galactose) – SGLT1 – para os enterócitos e, posteriormente, para capilares do trato gastrointestinal por difusão facilitada. Em situações de alta concentração, outro transportador, denominado GLUT2 é também envolvido.
Lactose em produtos de consumo humano
Alimento | Quantidade de lactose em 100 g (em gramas) |
Leite de vaca | 4,7-4,8 |
Leite de cabra | 4,5 |
Sorvete | 6,4 |
Iogurte | 3-4 |
Manteiga | 0,5 |
Lasanha | 1,1 |
Queijo | 0,3-3 |
Definições
Deficiência de lactase: deficiência na expressão da enzima lactase no intestino delgado.
Má-absorção de lactose: qualquer causa de falha no processo de digestão e/ou absorção de lactose no intestino delgado.
Intolerância a lactose: presença de sintomas, como dor abdominal, meteorismo ou diarreia, em pacientes com má-absorção de lactose, após a ingestão de lactose.
Intolerância a lactose funcional: presença de sintomas, como dor abdominal, meteorismo ou diarreia, em pacientes sem má-absorção de lactose, após a ingestão de lactose.
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Fisiopatologia da intolerância à lactose
A expressão da enzima lactase atinge seu pico na infância e se reduz ao longo do tempo. A principal causa de má-absorção de lactose em adolescentes e adultos é a não persistência primária (genética) da enzima lactase (denominada má-absorção primária de lactose). Outras causas, ditas secundárias, incluem: doença celíaca, supercrescimento bacteriano do intestino delgado, gastroenterites, esclerose sistêmica e aumento da velocidade de trânsito intestinal. Essas pacientes são potencialmente capazes de digerir a lactose quando resolvida a causa base.
A deficiência da enzima lactase permite que a lactose não digerida entre em contato com a microbiota intestinal, desencadeando um processo fermentativo. Sobrevém produção de gás carbônico, metano, hidrogênio e ácidos graxos de cadeia curta, aumentando a carga osmótica no cólon. Quando o conteúdo de lactose e ácidos graxos de cadeia curta excede a capacidade absortiva do cólon ocorrerá diarreia.
A probabilidade da má-absorção de lactose gerar quadro de intolerância depende de múltiplos fatores, como:
- Quantidade de lactose ingerida;
- Velocidade de trânsito intestinal;
- Expressão de lactase na borda em escova;
- História de doenças do trato gastrointestinal (ex: doença de Crohn, síndrome do intestino irritável);
- História de cirurgias no trato gastrointestinal;
- Transtornos de ansiedade;
- Composição da microbiota intestinal.
Epidemiologia e genética
Estima-se que cerca de 68% das pessoas apresentem má-absorção de lactose, sendo essas taxas mais baixas em países nórdicos (Dinamarca 5%) e maiores em países orientais (Coreia e China – próximo a 100%). Na população caucasiana, a persistência da enzima lactase na fase adulta é determinada pela mutação LCT-13’910:C→T, ‘‘T” para “tolerância”) no cromossomo 2 (LCT-13’910:TT).
Pacientes incapazes de expressar a enzima lactase apresentam dois alelos LCT-13’910:C. Indivíduos heterozigotos LCT-13’910:CT possuem fenótipo intermediário. Outras mutações podem ocorrer, mas são mais frequentes no Oriente Médio e África.
Diagnóstico
Existem diversas maneiras de se fazer o diagnóstico de má-absorção/intolerância a lactose. Os principais testes estão compilados na tabela abaixo, com suas vantagens e desvantagens. No Brasil, os mais comumente utilizados são o teste de tolerância a lactose e o teste do hidrogênio expirado com lactose.
Variável | Teste do hidrogênio expirado com lactose | Teste de tolerância a lactose | Medida da atividade de lactase duodenal | Teste genético |
Desafio com lactose | Sim | Sim | Não | Não |
Princípio do teste | Aumento do H2 expirado após desafio com lactose | Aumento de glicose plasmática após desafio com lactose | Atividade da enzima lactase após biópsia duodenal | Detecção do polimorfismo 13’910 C ou T |
Avaliação de sintomas (intolerância) | Sim | Possível | Não | Não |
Avaliação de má-absorção secundária | Sim | Sim | Sim | Não |
Custo | Médio | Baixo | Alto | Alto |
Melhor uso | Teste de primeira escolha | Teste respiratório indisponível; redução de custos | Pouco utilizado na prática | Estudos epidemiológicos |
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Tratamento
De maneira geral, recomenda-se dieta com baixa concentração de lactose. No entanto, a maior parte dos pacientes com intolerância a lactose tolera consumo de até 250 mL de leite de vaca ou equivalente (12 g de lactose) ao dia. Pode ser realizada suplementação de prebiótico a base de galacto-oligossacarídeos (GOS), o qual aumenta a flora de Bifidobacterium spp, capaz de fermentar lactose.
A suplementação de lactase nas refeições com lactose também deve ser instituída com objetivo de reduzir sintomas. Indivíduos com síndrome do intestino irritável associada podem se beneficiar da dieta FODMAP, a qual necessita de supervisão de nutricionista para ser realizada.
Referência bibliográfica:
- Misselwitz B, Butter M, Verbeke K, et al. Update on lactose malabsorption and intolerance: pathogenesis, diagnosis and clinical management. Gut. 2019; 68:2080–2091.
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