A osteoporose é caracterizada pela diminuição da massa óssea e deterioração de sua microarquitetura, condicionando maior fragilidade e suscetibilidade às fraturas.
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Várias afecções gastroenterológicas comportam-se como fatores de risco para a osteoporose, sendo os principais mecanismos:
- Acloridria: o pH gástrico básico dificulta, em muito, a solubilidade do carbonato de cálcio (40% de cálcio elementar), reduzindo a sua biodisponibilidade. Portanto, na gastrite atrófica autoimune, infecção crônica pelo H. pylori, cirurgias bariátricas e exposição continuada à terapia antissecretora gástrica, deve-se dar preferência para o citrato de cálcio (21% de cálcio elementar). Em termos de tolerância, o risco de constipação e distensão abdominal também é menor com o citrato de cálcio. Ambos sintomas podem ser atenuados com a administração fracionada, evitando-se doses superiores a 500 mg/refeição, que suplantam a capacidade absortiva gastrointestinal.
- Malabsorção: condição frequente na doença celíaca, doença de Crohn, síndrome do intestino curto e pancreatite crônica. Uma menção especial é sobre a hiperoxalúria entérica, relacionada ao efeito quelante dos ácidos graxos livres sobre o cálcio (limitando a sua absorção) em contexto de esteatorreia, aumentando a disponibilidade de oxalato livre para a absorção intestinal. Naturalmente, há aumento da excreção urinária e, portanto, o risco de nefrolitíase e nefrocalcinose.
- Desnutrição crônica: imposta especialmente por doenças benignas e malignas do trato gastrointestinal, doença hepática crônica avançada e insuficiência pancreática exócrina;
- Doenças colestáticas: a colangite biliar primária e colangite esclerosante primária prejudicam sobremaneira a absorção de vitaminas lipossolúveis, entre as quais a vitamina D e K (a vitamina K atua como cofator na carboxilação da osteocalcina e a proteína de matriz Gla, fundamentais para a mineralização óssea e a regulação do metabolismo do cálcio);
- Iatrogenia: exposição prolongada a corticoides em condições como a hepatite autoimune e doenças inflamatórias intestinais.
Caso clínico
Compartilho uma vinheta clínica real, que ilustra bem essa importante interface entre a gastroenterologia e reumatologia:
Homem, 62 anos, funcionário público, em investigação de dispepsia tipo desconforto pós-prandial e ferropenia, foi submetido à endoscopia digestiva alta que identificou serrilhamento de pregas duodenais e aspecto craquelado. Biópsias de bulbo e segunda porção duodenal confirmaram atrofia vilositária e linfocitose intraepitelial (Marsh – 3B).
A dosagem da IgA total foi de 189 mg/dL (Ref.: 70-400 mg/dL) e houve positividade dos anticorpos anti-transglutaminase tecidual, antigliadina e antiendomísio, todos da classe IgA. Além da adoção da dieta isenta de glúten destinada à doença celíaca, foi avaliado para osteoporose.
Não havia histórico de fraturas patológicas nem alterações na radiografia da coluna dorsal. Contudo, a densitometria óssea identificou T escore de -4,2, -3.1 e -3,5 em coluna lombar, colo do fêmur e fêmur proximal, respectivamente, definindo uma condição de muito alto risco para fratura. Após avaliação pela reumatologia, foi iniciado o desonumabe 60 mg SC a cada seis meses (a teriparatida e romosozumabe eram inacessíveis naquele momento), bem como a suplementação com carbonato de cálcio e colecalciferol.
Outro ponto relevante: a disfagia esofágica, decorrente de distúrbios motores ou estenoses esofágicas, impede a administração segura de bisfosfonatos orais (risco de esofagite por pílula com impactação esofágica e risco de necrose e mesmo perfuração), de forma que o ácido zoledrônico (5 mg EV a cada 12 meses) desponta como alternativa contemplada no PCDT de 2023.
Conclusão e mensagens práticas
A interface entre a gastroenterologia e reumatologia, no contexto da osteoporose, é muito rica, trazendo implicações etiológicas e desdobramentos sobre a terapia. Logo, a abordagem multidisciplinar é fundamental nesse contexto.
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