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Gastroenterologia28 novembro 2024

Doença ulcerosa péptica: o que ainda há para aprender

As complicações mais frequentes da doença ulcerosa péptica são o sangramento (73%), a perfuração (9%) e a estenose pilórica (3%)
Por Leandro Lima

A doença ulcerosa péptica (DUP), definida por soluções de continuidade da mucosa gastroduodenal que se estendem à submucosa, tem prevalência populacional estimada em 1%. 

A dispepsia é a principal queixa, descrita por mais de 80% dos pacientes. A epigastralgia tipicamente é urente ou em queimação, com alívio no período pós-prandial imediato pelo efeito de neutralização do pH pelo bolo alimentar e exacerbação em 2 a 3 horas após a refeição em virtude da hipersecreção gástrica, desencadeando os característicos despertares noturnos. 

As complicações mais frequentes são o sangramento (73%), a perfuração (9%) e a estenose pilórica (3%), atreladas à elevada morbidade, risco de internação, intervenções cirúrgicas e óbito.  

 A fisiopatologia envolve a perda de mecanismos protetores da barreira mucosa, importantes diante da exposição ao lúmen gastroduodenal ácido e rico em pepsina. A barreira mucosa é habitualmente constituída pelas junções estreitas intercelulares e a camada de muco espessa, densa e aderente. As prostaglandinas endógenas promovem o fluxo sanguíneo local, estimulam a produção de mucina e medeiam a proliferação e o reparo celular. 

As principais etiologias da DUP podem ser assim ordenadas: 

  1. Infecção pelo Helicobacter pylori (40%);  
  2. Exposição ao AAS e AINEs (36%); 
  3. Hipergastrinemia, como na síndrome de Zollinger-Ellison; 
  4. Idiopática (22%), que traz um risco de recorrência em 5 anos de 25%. 

consulta doença ulcerosa

Infecção pelo H. pylori 

A infecção pelo H. pylori (IHP) associa-se ao risco de DUP de 10%. São descritos dois padrões fenotípicos da IHP: centrado no antro, que induz a hipergastrinemia e a formação de úlceras duodenais; e a pangastrite, em que há atrofia gástrica, redução da secreção ácida e aumento do risco evolutivo para câncer gástrico. 

Na população jovem (< 60 anos) e desprovida de sinais de alarme (anemia, sangramento, síndrome consumptiva, vômitos persistentes ou histórico familiar de malignidades do trato gastrointestinal), recomenda-se testar e tratar para o H. pylori, lançando mão de testes não invasivos como pesquisa do antígeno fecal ou teste respiratório.  

Exposição ao AAS e AINEs 

O uso de AAS e AINE está associado ao desenvolvimento de úlceras gástricas e duodenais com hazard ratio (HR) de 1,82 e 1,66, respectivamente, sendo mais frequente na primeira semana da introdução do medicamento. O efeito analgésico, mediado pela inibição da COX-2, tende a aumentar o risco do diagnóstico somente por ocasião das complicações.  

A incidência anual de DUP entre usuários crônicos de AINEs, como os pacientes com reumatológicos, é inferior a 5%, sendo que 1,5% desses casos se apresentam com complicações graves, especialmente diante da exposição a doses elevadas de AINEs.  

O risco para DUP na vigência de AINEs é duplicado na presença de sinergismo com a infecção pelo H. pylori, além de estar incrementado entre pacientes internados, expostos a doses elevadas de corticoides ou em uso simultâneo de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (OR 2,14). 

AINEs e o risco de evolução para DUP 

Baixo 

Intermediário 

Alto 

Muito alto 

Tópico; 

Celecoxibe; 

Ibuprofeno. 

Diclofenaco; 

Meloxicam; 

Cetoprofeno; 

Paracetamol > 2g/dia. 

Naproxeno; 

Indometacina; 

AINE + corticoides. 

Piroxicam; 

Cetorolaco. 

Outros fatores de risco para DUP incluem o tabagismo (HR 1,38), estresse, condições precárias de saúde e história familiar de úlceras gastroduodenais. O risco de mortalidade por complicações é ampliado na presença de malignidades e histórico de radioterapia. 

Abordagem  

As principais abordagens terapêuticas para a DUP podem ser assim descritas:  

  1. Terapia de supressão ácida 

A principal classe farmacológica são os inibidores da bomba protônica, como o omeprazol, sendo relevantes as seguintes considerações posológicas:

  • 20 mg, em tomada única diária, nas úlceras duodenais, por um período de 4 semanas;  
  • 40 mg, em tomada única diária, ou 20 mg, em duas tomadas diárias, nas úlceras gástricas, por um período de 4 semanas; 
  • As mesmas posologias, por um período de 8 semanas, nas úlceras maiores do que 2 cm.  

      2. Erradicação da infecção pelo H. pylori 

A erradicação da infecção pelo H. pylori reduz o risco de recorrência de 50% para menos do que 2%.  

A confirmação da erradicação pode ser realizada por meio de dosagem do antígeno fecal do H. pylori, teste respiratório ou endoscopia digestiva alta (EDA) com teste da urease e biópsias com intervalo de ao menos 30 dias após a finalização da antibioticoterapia e tempo livre de IBP de pelo menos 14 dias.  

Os esquemas incluem os duplos (amoxicilina + vonoprazana), triplos (IBP + amoxicilina + claritromicina ou levofloxacino) e quádruplos (IBP + tetraciclina + metronidazol + bismuto).  

A resistência antimicrobiana é elevada com a claritromicina, metronidazol e levofloxacino (31%, 42% e 37%, respectivamente) e baixa com a amoxicilina, tetraciclina e rifabutina (2,6%, 0,87% e 0,17%, respectivamente), conforme dados norte-americanos.  

Uma novidade promissora, mas ainda indisponível em nosso meio, são os testes moleculares realizados em amostras fecais ou gástricas, que trazem informações rápidas sobre a resistência antimicrobiana, auxiliando na seleção do melhor esquema de erradicação. 

      3. Descontinuação dos AINEs 

A simples descontinuação do anti-inflamatório induz a cicatrização em 95% dos casos, com redução da taxa de recorrência de 40% para menos do que 10%.  

O risco evolutivo para DUP é menor com o uso de AINEs tópicos e com a utilização de celecoxibe e ibuprofeno.  

Especificamente em relação ao uso do AAS, quando instituído no cenário de profilaxia primária, a recomendação é de suspensão. Já na profilaxia secundária, os esforços são direcionados à manutenção, fazendo-se a profilaxia de longo prazo com o uso concomitante de IBP. 

     4. Profilaxia com IBP  

O uso profilático de IBP deve ser considerado em indivíduos com risco elevado para DUP e suas complicações, sendo uma das estratégias de seleção a identificação de 3 ou mais fatores de risco, entre os quais:  

  • Idade ≥ 65 anos; 
  • Histórico de DUP e suas complicações;  

Exposições medicamentosas de risco: 

  • AAS;  
  • Corticoides com doses equivalentes de prednisona diária > 30 mg por período superior a 2 meses; 
  • Doses altas de AINE (ibuprofeno > 750 mg/dia, diclofenaco > 100 mg/dia ou celecoxibe > 200 mg/dia) ou paracetamol (> 2g/dia); 
  • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina;  
  • Anticoagulantes.   

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A doença ulcerosa péptica é uma doença comum, acometendo cerca de 1% da população e que tem como principais complicações o sangramento, a perfuração e a estenose pilórica.   
  • As etiologias mais frequentes são a infecção pelo H. pylori, uso de AAS/AINEs, hipergastrinemia e os casos idiopáticos, sendo importantes fatores de risco o tabagismo e a história familiar.  
  • O risco evolutivo é agravado na presença de exposição aos corticoides, anticoagulantes e inibidores seletivos da recaptação de serotonina.  
  • O acúmulo de múltiplos fatores de risco, entre os quais a idade acima de 65 anos, deve levar a consideração de profilaxia com o uso de IBPs.  
  • As condutas capazes de reduzir a recorrência incluem a erradicação do H. pylori, interrupção do tabagismo, suspensão do AAS nos casos de profilaxia primária, interrupção dos AINEs ou emprego de estratégias de mitigação (AINE tópico, celecoxibe, ibuprofeno ou AINE/AAS + IBP).  
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Referências bibliográficas

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