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Gastroenterologia24 setembro 2022

Como diagnosticar e tratar a intolerância à lactose

Neste artigo, conheça as manifestações clínicas, como fazer o diagnóstico correto e as opções de manejo da intolerância à lactose.

A intolerância à lactose é uma condição muito prevalente, afetando cerca de 57% da população mundial, sendo mais comum na Ásia e na África. É uma condição clínica relacionada à má absorção da lactose devido à redução/ausência da atividade da lactase ou de sua síntese.

A lactose é um dissacarídeo composto por galactose e glicose, é encontrada no leite e derivados. A lactase é uma enzima codificada geneticamente no cromossomo 2 e expressa no intestino delgado, em especial no jejuno. Alguns polimorfismos genéticos estão relacionados à redução de sua expressão.  

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copo de leite em cima de uma mureta, de paciente que possui intolerância à lactose

Manifestações clínicas 

Os sintomas geralmente aparecem quando a atividade da lactase é inferior a 50% do normal. Eles ocorrem porque a lactose não absorvida exerce efeito osmótico na luz intestinal, além de fermentação pela microbiota intestinal, cursando com aumento da produção de gases como H2 e CH4, dor e distensão abdominal, além de diarreia.  

A intensidade dos sintomas depende de alguns fatores, tais como: 

  • A concentração de lactase na mucosa intestinal; 
  • A composição da microbiota intestinal; 
  • A concentração de lactose ingerida; 
  • A motilidade gastrointestinal; 
  • A sensibilidade individual aos sintomas 

Na intolerância à lactose ocorre também aumento da produção de substâncias como acetona, acetaldeído, etanol e outros peptídeos tóxicos. Dessa forma, sintomas extra intestinais também podem ocorrer: deterioração da memória, dor de cabeça, dores musculoesqueléticas, distúrbios do ritmo cardíaco, depressão, ansiedade, úlceras na mucosa oral, dispareunia, distúrbios do ciclo menstrual, polaciúria, acne, eczema e outras patologias de base alérgica (sinusite, rinite, asma).  

Esses pacientes apresentam ainda alteração da microbiota intestinal, que somada aos metabólitos tóxicos, parecem aumentar a incidência de alguns cânceres como o colorretal.  No entanto, não devemos nos esquecer dos benefícios dos produtos lácteos, que são ricos em cálcio e são carboidratos com baixo índice glicêmico.

Métodos diagnósticos para intolerância à lactose

Quando há suspeita clínica de intolerância à lactose, deve-se lançar mão de métodos diagnósticos para sua confirmação. 

  • Testes genéticos – Avaliação genética (DNA) através de uma amostra de sangue. Procura-se a presença de polimorfismos específicos  (ex: 13910 C>T e 22018 G>A). 
  • Vantagem: Permite confirmar ou excluir intolerância à lactose primária; Pouco invasivo. 
  • Desvantagem: Não permite identificar a forma secundária; A presença de polimorfismos não necessariamente está relacionada ao desenvolvimento de intolerância à lactose. 
  • Teste respiratório com H2 – Trata-se de teste provocativo medindo o hidrogênio expirado antes e após a ingestão de 25 ou 50g de lactose. Nos indivíduos com intolerância à lactose, espera-se um aumento de pelo menos 20 ppm de H2 expirado em relação à linha basal. 
  • Vantagem: Método não invasivo e custo-efetivo. Alta sensibilidade e especificidade. Fácil execução e interpretação. 
  • Desvantagem: Duração longa (3-6 h).   
  • Observação: Alguns indivíduos apresentam microbiota que produz majoritariamente CH4. Nesses casos, o teste respiratório com H2 pode ser falso negativo. Assim, associar os testes respiratórios H2 e CH4 aumenta a acurácia. 
  • Importante: Alterações na microbiota e no trânsito intestinal, podem interferir na acurácia do teste.  Atenção a alguns cuidados próximos ao exame, como: evitar uso de antibióticos orais, probióticos, laxantes e IBP; evitar exercício físico extenuante; cessar tabagismo. 
  • Teste rápido de lactase – Método invasivo que avalia a atividade de lactase em amostras de aproximadamente 2 mm de tecido duodenal pós-bulbar. Na intolerância à lactose, espera-se que esteja ausente ou reduzida. 
  • Vantagem: Alta especificidade. 
  • Desvantagem: Método invasivo, caro e pouco disponível.
  • Teste oral de tolerância à lactose – Avaliação da glicemia sérica 30 – 60 – 120 minutos após a ingestão de 50 g de lactose. Na intolerância à lactose espera-se que não ocorra alteração na glicemia.  
  • Vantagem: Baixo custo; teste minimamente invasivo. 
  • Desvantagem: Baixa sensibilidade e especificidade – até 20% de falsos positivos ou negativos. Sofre interferências com o tempo de esvaziamento gástrico e metabolismo da glicose, não devendo ser realizado em indivíduos com diabetes.

Tratamento

  • Manejo nutricional: Devido aos benefícios dos produtos lácteos como fonte de cálcio, proteínas e minerais, atualmente o manejo nutricional visa manter um consumo diário de produtos lácteos reduzido, capaz de não desencadear sintomas de intolerância no paciente. A maioria dos indivíduos é capaz de tolerar até 12-15g de lactose por dia. Atualmente, há opções no mercado de laticínios com enzima lactase exógena, mantendo seus benefícios nutricionais. 

A tabela abaixo mostra algumas substituições com baixo/zero teor de lactose: 

Substância Alternativas possíveis 
Leite Leite sem lactose
“Leite” vegetal (soja, arroz, espelta, amêndoa, coco, aveia)
Iogurte sem lactose
Água 
Manteiga Manteiga sem lactose
Manteiga Ghee
Margarina 100% vegetal 
Leite em pó Leite em pó sem lactose
Leite em pó vegetal 
Queijo Queijos naturalmente sem lactose
Queiros “deslactosados” 

Tabela adaptada de: Dominici S, et al. Lactose: Characteristics, Food and Drug-Related Applications, and Its Possible Substitutions in Meeting the Needs of People with Lactose Intolerance. Foods. 2022. 

  • Lactase exógena nas refeições contendo lactose: Existem no mercado formulações em cápsula, comprimido e líquidos. É obtida através do metabolismo de alguns microorganismos, como Kluyveromyces lactis, Aspergillus oryzae, e Aspergillus niger. 
  • Probióticos: Cepas como Lactobacillus spp. (L. acidophilus, L. rhamnosus, L. casei, etc.), Bifidobacterium longum spp., Streptococcus thermophilus e Saccharomyces boulardii. Atuam como antagonistas de bactérias produtoras de gases, regulando a permeabilidade da mucosa intestinal e reduzindo níveis de ácidos graxos de cadeia curta no intestino, diminuindo a causa da dor abdominal e diarréia. 
  • Vitamina B6: A adição de vitamina B6 aos probióticos mostrou-se benéfica na intolerância à lactose, visto que atua modulando a microbiota intestinal. 
  • Prebióticos: São oligossacarídeos não digeríveis, contendo frutanos e galactanos, que estimulam o crescimento e a proliferação de Lactobacillus, Bifidobacterium, Faecalibacterium e Roseburia spp., que fermentam a lactose.

Mensagens práticas

A intolerância à lactose é uma condição de alta prevalência, podendo ser primária ou secundária. Os sintomas variam de acordo com características individuais e com o teor de lactose dos alimentos. Atualmente, o método diagnóstico mais indicado é o teste respiratório com H2 expirado. Idealmente, deveria também ser feito o teste respiratório com metano, a fim de evitar falsos negativos relacionados à composição da flora.  

No entanto, na prática, muitas vezes é difícil de ofertar esse teste, devido à falta de cobertura no SUS e à pouca disponibilidade na saúde suplementar. Por mais que o teste oral de tolerância à lactose seja falho, pode auxiliar quando não existem outros métodos disponíveis (com exceção dos pacientes diabéticos, onde não deve ser realizado).  

O tratamento principal consiste em reduzir o consumo de lactose, oferecendo alternativas alimentares e tomando cuidados para não restringir consumo de cálcio e proteínas. Atualmente, as enzimas de lactase exógena são grandes aliadas no manejo desses pacientes.

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Referências bibliográficas

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