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Gastroenterologia24 junho 2024

Cólica do recém-nascido e a associação com probióticos

Nesta revisão, exploramos diversas questões relevantes relacionadas à cólica do recém nascido e o papel dos probióticos em seu manejo.

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Cellera Farma de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

A cólica infantil (CI) é uma condição geralmente autolimitada e benigna, porém é causa de imenso sofrimento não apenas para o bebê, mas também para seus pais, sua família e para os profissionais de saúde. Infelizmente, está associada à depressão materna pós-parto, ao desmame precoce, a um sentimento de frustração e de culpa dos cuidadores, à síndrome do bebê sacudido, ao uso de diversos medicamentos, a alterações frequentes de fórmula, a inúmeras visitas ao pediatra assistente ou ao pronto-socorro infantil e a desfechos adversos em longo prazo, como alterações de comportamento, dificuldade de dormir e alergias [1]. Nesta revisão, exploramos algumas questões relevantes relacionadas às CI, incluindo sua definição, epidemiologia, sintomas, possíveis causas, fisiopatologia e estratégias de alívio, fornecendo assim uma compreensão abrangente dessa condição comum na primeira infância. Além disso, o papel dos probióticos em seu manejo é destacado.

bebê com cólicas infantis recebendo massagem

Definição

A CI é uma condição benigna do recém-nascido (RN) e consiste em crises autolimitadas e inevitáveis de choro, acometendo 1 a cada 5 bebês menores de três meses de idade [2]. Em 1954, foi definida por Wessel et al. como “crises de choro que duram três horas por dia, três dias por semana e continuam por três semanas” [3]. Em 2016, a CI foi incluída no grupo de distúrbios gastrointestinais funcionais na infância conforme os critérios de Roma IV, sendo definida pela presença de todos os três itens a seguir: 1) O início e o fim dos sintomas ocorrem em um bebê com menos de cinco meses de vida; 2) Os pais do bebê referem períodos recorrentes e demorados de choro, irritabilidade ou agitação que acontecem sem um motivo evidente e os quais os pais não conseguem impedir ou solucionar; 3) O bebê não apresenta nenhuma evidência de febre, doença ou atraso no crescimento [4].

Epidemiologia

Globalmente, a prevalência de CI descrita na literatura é bastante variável, com relatos de acometer, aproximadamente, de 3 a 40% dos lactentes jovens, podendo chegar a 73% [5,6]. No Brasil, um estudo que envolveu 5.080 bebês menores de 1 ano de idade em consultas de rotina em clínicas pediátricas

privadas no país, mostrou uma prevalência de 6,1% [7]. Apesar dessa grande variabilidade, não há comprovação da associação com a idade gestacional, sexo, tipo de leite oferecido, status socioeconômico ou ordem de nascimento. No entanto, há relatos na literatura de que bebês brancos que vivem em países industrializados mais distantes da linha do Equador têm uma maior prevalência [6].

Etiologia

Apesar dos avanços em pesquisa, a etiologia da CI ainda é um desafio e não é conhecida, pois os estudos conduzidos até o presente momento foram restritos por metodologia não adequada e aos desfechos incertos ou heterogêneos [6,8] e é possível que seja multifatorial [9]. Aspectos contribuintes mencionados em estudos incluem fatores gastrointestinais, de neurodesenvolvimento, psicossociais, hormonais e inflamatórios (disbiose) [9] – Quadro 1.

Quadro 1: Possíveis fatores contribuintes para a cólica infantil

Fatores 

Causas propostas 

Há evidências? 

 

 

 

 

Gastrointestinais 

Alergia à proteína do leite de vaca 

Não 

Dieta materna com vegetais crucíferos, cebola, leite de vaca e chocolate 

Não 

Produção de gases 

Não, apesar de ser relatado como um fator contribuinte 

Intolerância à lactose 

Não 

Sub ou superalimentação; poucas eructações 

Não 

 

 

 

Neurodesenvolvimento 

Desenvolvimento neurológico normal do bebê 

Não 

Enxaqueca materna 

Associação demonstrada em estudos de caso-controle 

Teoria da “falta do quarto trimestre” ou da “exterogestação” (os bebês nascem um trimestre antes e precisam completar a gestação fora do útero) 

Não 

 

 

 

Psicossociais 

Interação inadequada entre pais e bebês 

Não 

Ansiedade dos pais 

Não 

Tabagismo diário materno durante a gestação 

Não 

Idade materna avançada 

Não 

Depressão materna e paterna 

Sim 

Hormonais 

Níveis elevados de 5-OH IAA (ácido 5-hidroxi-3-indol acético) urinário aleatório (metabólito da serotonina) 

Não 

Inflamação/Disbiose 

A inflamação intestinal e à disbiose estão associadas à cólica infantil 

Sim 

Fisiopatologia 

 A disbiose da microbiota intestinal e o estado inflamatório associado são considerados novos mecanismos na fisiopatologia da CI. Bebês com CI exibem menor diversidade e um perfil microbiota intestinal alterado, com diminuição de Bifidobacterium spp. e Lactobacillus spp., além de aumento de bactérias potencialmente patogênicas, como Clostridioides, Staphylococcus e enterobactérias. Essa disbiose pode agravar outras causas da CI, como fermentação inadequada de nutrientes, aumentando a carga de ar no trato gastrointestinal. Além disso, por meio do eixo intestino-cérebro, a disbiose influencia negativamente as funções neuronais, aumentando a sensação de dor e o choro excessivo. Todavia, ainda há necessidade de mais estudos para determinar se de fato a disbiose intestinal causa ou resulta em inflamação intestinal [10]. 

Existem evidências descritas na literatura sobre o impacto dos probióticos no manejo das CI, embora os seus mecanismos de ação sejam complexos e possam ser diferentes de acordo com a cepa. As principais vias de ação dos probióticos incluem adesão competitiva e exclusão de patógenos potenciais, impulso à proliferação de células epiteliais intestinais (IEC), com consequente aumento da barreira epitelial, melhora das junções firmes intestinais, redução da permeabilidade intestinal e potencial correlação com o sistema imunológico e com o sistema nervoso entérico [10]. 

 Avaliação clínica 

 Diante de um bebê com choro inconsolável, o pediatra deve colher uma anamnese bem detalhada e realizar um exame físico completo com o objetivo de descartar distúrbios clínicos subjacentes e  avaliar a necessidade de realização de exames complementares [11]: 

  • Febre: Descartar abdome agudo, bacteremia, endocardite, infecção do trato urinário, infecção respiratória viral, meningite, otite média aguda, osteomielite, pneumonia e sepse; 
  • Distensão abdominal: Descartar doença de Hirschsprung, enterocolite necrosante, hepatoesplenomegalia, massa abdominal e má rotação intestinal com volvo; 
  • Letargia: Descartar hematoma subdural, hidrocefalia, meningite e, sepse [11]. 

Tratamento 

Tratamento não farmacológico

 De acordo com a teoria da exterogestação do pediatra americano Harvey Karp, os bebês de até três meses passam por um período de adaptação à vida extrauterina e sentem saudades das sensações agradáveis que vivenciaram no útero. Essas sensações podem ser reproduzidas aqui fora, mantendo os bebês calmos e aquecidos, envolvendo-os de maneira firme, carregando-os de bruços e balançando-os com movimentos oscilantes, além de ruídos brancos. Ao completar três meses, os bebês já passaram pelo tempo de se acostumar ao ambiente extrauterino e, dessa forma, começam a explorar e interagir mais com o ambiente e as pessoas [12]. 

Em recente revisão sistemática com metanálise, Tanriverdi e colaboradores descreveram que a acupuntura, a quiropraxia e a terapia  craniossacral diminuíram a intensidade e a duração do choro e aumentaram o sono de bebês com CI. Outras medidas mencionadas na literatura incluem ioga e  massagem [13]. 

É relevante destacar que o nível de esgotamento e de ansiedade dos pais costuma ser bem elevado nos bebês com CI. Dessa forma, o suporte e acolhimento dos pais deve ser valorizado para a redução do sofrimento do bebê e da família [14]. 

 Tratamento farmacológico

 Alguns medicamentos já foram estudados para o manejo da CI, no entanto, não são recomendados: 

  • Omeprazol: Um ECR mostrou que o inibidor da bomba de prótons não foi melhor do que o placebo na diminuição da duração do choro ou da irritabilidade [11]; 
  • Simeticona: Seu uso foi avaliado em diversos ECR, porém estes estudos mostraram não haver efeitos clinicamente relevantes [15]. 

 Probióticos

 Os probióticos consistem em microrganismos vivos que, que, quando administrados em quantidades adequadas, modificam a microbiota do hospedeiro, proporcionando efeitos benéficos à saúde. Existem evidências crescentes que propõem que a microbiota intestinal em bebês com CI é diferente da microbiota de bebês sem CI. Dessa forma, o uso de probióticos para restabelecer esse equilíbrio e proporcionar uma ambiente intestinal mais saudável tem sido sugerido [16]. 

As principais fontes humanas de probióticos são intestino delgado, intestino grosso e leite materno. As cepas isoladas da microflora humana possuem alta adesão à barreira epitelial intestinal humana quando comparadas a outras cepas, além de terem maior probabilidade de segurança. As cepas também podem ser de origem animal, como leite cru ou produtos alimentares fermentados. Entretanto, diversos alimentos e suplementos dietéticos probióticos podem transportar diferentes bactérias e micróbios sem histórico de uso seguro tanto em seres humanos quanto em outros animais [17].  

Diante dos conhecimentos atuais sobre a fisiopatologia da CI  para que um probiótico seja considerado ideal. ele requer os seguintes atributos: 

  • Incluir cepas de linhagem humana, remetendo a espécies identificadas no leite materno (LM); 
  • Favorecer a regeneração da permeabilidade do intestino; 
  • Dificultar a ação de bactérias oportunistas no intestino; 
  • Apresentar função anti-inflamatória; 
  • Hidrolisar os oligossacarídeos do leite humano (HMOs), sem ocasionar produção de gás; 
  • Exibir eficácia a despeito do tipo de parto, da alimentação do bebê e em estudos clínicos randomizados (ECR) com placebo; 
  • Ser seguro, não possuir nenhum gene de resistência antimicrobiana e cumprir as condições de segurança da designação GRAS (Generally Recognized As Safe – Geralmente reconhecido como seguro) do Food and Drug Administration (FDA) [18].  

Algumas cepas probióticas que têm mostrado evidências no manejo da CI e estão descritas no Quadro 2. 

Quadro 2: Comparação de algumas cepas probióticas no manejo da cólica infantil  

Autores 

Cepas 

Tipo de estudo 

Dose  

(UFC) 

Tempo de uso 

(dias) 

Nível de evidência 

Observações 

 

 

Szajewska  et al., 2023 [19] 

Lactobacillus reuteri DSM 17938 

 

 

Posicionamento da ESPGHAN 

108 

Mínimo de 21 dias 

1 

Recomendação para o manejo da CI em bebês em AME, porém as evidências são insuficientes para bebês alimentados com fórmula 

Bifidobacterium animalis subsp. lactis BB12 (DSM 15954) 108 21 a 28 

2 

Redução do tempo de choro e/ou agitação em bebês em AME 

Astó et al., 2022 [20]  

Bifidobacterium longum CECT7894 (KABP042) e Pediococcus pentosaceus CECT8330 (KABP041) 

Estudo piloto observacional prospectivo multicêntrico 

2 × 109  

14 

2 

Redução da gravidade das DGIF 

Chen et al., 2022 [21] 

ECR duplo-cego 

(controle: placebo) 

1 × 109  

21 

2 

Redução da duração do choro e melhora da consistência das fezes 

Baldassare et al., 2018 [22] 

L. paracasei DSM 24733, L. plantarum DSM 24730, L. acidophilus DSM 24735, L. delbrueckii subsp. bulgaricus DSM 24734, B. longum DSM 24736, B. breve DSM 24732, B. infantis DSM 24737 and S. thermophilus DSM 24731 ECR duplo-cego 

(controle: placebo) 

5 bilhões 

21 

 

Redução do tempo de choro em bebês em AME 

Gerasimov et al., 2018 [23] 

L. rhamnosus 19070-2 e L. reuteri 12246, FOS 

ECR 

(controle: vitamina D3) 

250 × 106 e 3,33 mg de FOS 

28 

3 

Redução do tempo de choro e/ou agitação em bebês em AME 

Kianifar et al., 2014 [24] 

Lactobacillus casei, L. rhamnosus, Streptococcus thermophilus, Bifidobacterium breve, L. acidophilus, B. infantis, L. bulgaricus e FOS 

ECR 

(controle: placebo) 

108 

30 

2 

Melhora significativa dos sintomas 

Legenda: AME – aleitamento materno exclusivo; CF – constipação intestinal; CI – cólica infantil;  DGIF – distúrbios gastrointestinais funcionais; ECR – ensaio clínico randomizado controlado; ESPGHAN – European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition; FOS – frutooligossacarídeos; IG – idade gestacional; UFC – unidades formadoras de colônia. 

Fonte: Adaptado de Garcia-Santos et al., 2018 [10].

Capacidade de fermentação bacteriana 

 As chamadas bactérias lácticas (BAL) são as principais bactérias usadas para a produção de ácido lático (AL). Conforme a sua via metabólica, as BAL podem ser classificadas em homo e heterofermentativas. As BAL homofermentativas contêm a enzima aldolase. Dessa forma, podem converter glicose quase exclusivamente em AL. Elas fornecem duas moléculas de AL como produtos elementares finais por mol de glicose consumida, o que permite um rendimento teórico de 1 g.g. Apenas as BAL homofermentativas estão disponíveis para produção comercial de AL (> 100 g/L), devido à sua alta produtividade, ao seu elevado rendimento (próximo ao valor teórico máximo) e à  alta pureza óptica do AL (>99%). Por outro lado, as BAL heterofermentativas podem metabolizar a glicose em AL, acetoína, ácido acético, diacetil, dióxido de carbono, etanol e formato. Ao metabolizar a hexose, as BAL heterofermentativas podem utilizar a via fosfogluconato (com rendimento teórico de 0,5 g/g) e, ao metabolizar açúcares pentose, usam a via fosfocetolase (com rendimento teórico de 0,6 g/g) [25]. Por fim, determinadas BAL são denominadas “heterofermentativas facultativas”, pois, conforme as condições ambientais ou a disponibilidade de substrato, podem fermentar pela via de fermentação homo ou heterolática  [26] – Quadro 3. 

Quadro 3 – Metabolismo das principais cepas de probióticos usadas no manejo da cólica infantil 

Metabolismo 

Cepas 

 

 

Homofermentativas 

Lactobacillus acidophilus [27] 
Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus [28] 
Pediococcus pentosaceus CECT8330 (KABP041) [29] 

Streptococcus thermophilus [25] 

Heterofermentativas 

Bifidobacterium spp [25] 

 

 

 

 

Heterofermentativas facultativas 

Lactobacillus casei [30] 

Lactobacillus paracasei [30] 

L. plantarum [31] 

Lactobacillus reuteri [25, 32] 

Lactobacillus rhamnosus [30] 

Conclusão 

As evidências atuais indicam que algumas cepas probióticas específicas podem ser eficazes em diminuir a duração e/ou a frequência do choro em lactentes com CI. De fato, os resultados são bastante favoráveis, conforme discutido acima, apesar de apresentarem variabilidade quanto à cepa e a população analisadas. Dessa forma, os probióticos devem ser considerados no manejo da CI como parte de uma estratégia mais integrativa. Na prática, devemos também nos lembrar de que o estudo dos probióticos é um ramo em exponencial evolução, portanto, formatos de educação continuada e de atualização devem fazer parte da rotina do pediatra para que possamos aproveitar o imenso potencial que a terapia probiótica pode disponibilizar para nossos pequenos pacientes com CI.  

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Referências bibliográficas

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