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Gastroenterologia26 maio 2023

Benefícios dos probióticos no tratamento de doenças metabólicas

Entenda como os probióticos podem ser um importante aliado no tratamento de doenças metabólicas como a obesidade e a Diabetes mellitus.

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Cellera Farma de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

Cerca de um terço da população mundial possui alterações metabólicas em decorrência de hábitos de vida inapropriados, como consumo excessivo de alimentos hipercalóricos ultraprocessados, uso indiscriminado de antimicrobianos, sedentarismo, etilismo e tabagismo. Observa-se nos últimos anos um aumento expressivo na prevalência de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), obesidade e doenças cardiometabólicas. Nesse contexto, diversos estudos têm demonstrado que a microbiota intestinal está envolvida no desenvolvimento de doenças metabólicas.1,2 Entretanto, a relação causal entre a composição da microbiota intestinal e a homeostase energética é complexa, devendo ser consideradas variáveis como idade, dieta e arcabouço genético, as quais influenciam diretamente essa relação.3 Elementos presentes na microbiota têm a capacidade de converter fibras e nutrientes complexos em substâncias que podem ser absorvidas pelo organismo, além de estimular a proliferação do epitélio intestinal e secretar substâncias bioativas capazes de regular o metabolismo por meio do eixo cérebro-intestino.3

Sabe-se que a composição da microbiota intestinal  é única para cada indivíduo, em parte devido à influência considerável entre as exposições ambientais e a genética do hospedeiro. Em geral, comunidades microbianas intestinais saudáveis são caracterizadas por alta diversidade taxonômica e alta riqueza gênica microbiana. A microbiota interage com as células epiteliais intestinais, regulando a abundância de metabólitos, como ácidos graxos de cadeia curta, neurotransmissores e ácidos biliares secundários, mantendo estado metabólico periférico, além de regular o eixo cérebro-intestino, com modulação do sistema nervoso central. A disbiose relacionada a doenças metabólicas poderia ser potencialmente manipulada pela suplementação de probióticos, os quais, segundo a Organização Mundial de Saúde, são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem algum benefício para a saúde.4

 

Obesidade

A microbiota colônica degrada polissacarídeos não digeríveis, o que resulta na liberação de ácidos graxos de cadeia curta, tais como acetato, propionato e butirato. Além de serem a principal fonte de energia para as células intestinais, os ácidos graxos de cadeia curta atuam como sinalizadores, ligando-se aos receptores GPR41 e GPR43, o que resulta na estimulação da secreção de hormônios relacionados a saciedade, como GLP-1 e peptídeo YY. Os ácidos graxos de cadeia curta também atuam nos adipócitos, onde são capazes de estimular a liberação de leptina e aumentar a quebra de gordura, contribuindo ainda mais para a supressão do apetite.3 Dessa forma, a desregulação da microbiota intestinal tem impacto direto no controle do apetite/saciedade.

A microbiota intestinal é anômala na obesidade. Estudos com gêmeos mostraram que a abundância de produtores de ácidos graxos de cadeia curta, como Eubacterium ventriosum e Roseburia intestinalis, está associada à obesidade, enquanto produtores de butirato, como Oscillospira spp. e a arquéia metanogênica Methanobrevibacter smithii, podem estar associados à magreza.1 Interessantemente, o transplante de microbiota intestinal de humanos obesos ou magros para camundongos assépticos, transfere o fenótipo do doador humano para o animal receptor, reforçando o possível papel da microbiota na expressão desse fenótipo. Estudos em camundongos obesos demonstraram que a suplementação de Lactobacillus rhamnosus PL60 leva à perda de peso sem alterar a ingestão alimentar, provavelmente devido ao efeito antiobesidade do ácido linoleico conjugado, um metabólito do L. rhamnosus PL60.6 Em humanos, a suplementação de probióticos foi capaz de induzir a perda de peso, promover um aumento da sensação de saciedade e reduzir o estado pró-inflamatório, em alguns estudos randomizados, especialmente com Lactobacillus.1,5 Um estudo canadense com adultos obesos demonstrou ainda capacidade do L. rhamnosus combinado a oligofrutose e inulina, de impactar à saciedade, humor e comportamento alimentar de mulheres, o que reforça o papel do eixo cérebro-intestino no controle do apetite e manejo da obesidade.7

 

Diabetes mellitus

Pacientes com DM2 e pré-diabetes apresentam alteração da microbiota intestinal. A presença de Bifidobacterium, Bacteroides, Ackermann e Rosegrass estão negativamente correlacionados com DM2, enquanto Ruminococcus, Clostridium e Brucella se associam à maior risco.1 A microbiota intestinal pode influenciar a permeabilidade intestinal através de uma reprogramação transcricional dependente de GLUT2 das células epiteliais, permitindo que produtos bacterianos e seus metabólitos entrem na corrente sanguínea e induzam a produção de citocinas pró-inflamatórias. Em condições inflamatórias, o tecido-alvo para o catabolismo da insulina torna-se disfuncional e a sensibilidade à insulina é gradualmente reduzida, o que culmina no desenvolvimento de resistência à insulina.1

Sanborn e colaboradores, em uma meta-análise de quarenta e seis ensaios clínicos randomizados (3067 participantes), evidenciou que a suplementação de probióticos e simbióticos reduz significativamente a glicemia de jejum (diferença média ponderada (WMD): -11,18 mg/dl, IC 95%: -13,60, -8,75, p ˂0,001), o nível sérico de insulina em jejum (WMD: -1,23 µIU/ml, IC 95%: -1,76, -0,71, p ˂0,001), hemoglobina A1c (WMD: -0,35%, IC 95%: -0,44, -0,26, p ˂0,001) e o índice de resistência à insulina pelo modelo homeostático de avaliação (HOMA-IR) (WMD: -0,87, IC 95%: -1,09, -0,65, p ˂0,001).8 Além disso, um estudo preliminar com Lactobacillus rhamnosus GG revelou potencial para controle de alterações glicêmicas em adultos de meia idade e idosos ao longo do tempo.9

 

Doenças cardiometabólicas

Um estudo de associação metagenômica em amostras fecais de pacientes com doenças cardiometabólicas demonstrou que o microbioma intestinal desses indivíduos, sem ajustes para comorbidades, apresenta maior abundância de Enterobacteriaceae, incluindo Escherichia coli, Klebsiella spp. e Enterobacter aerogenes, bem como de espécies da cavidade oral, quando comparados a pessoas saudáveis. Por outro lado, há uma redução na abundância de Bacteroides spp. e da espécie anti-inflamatória Faecalibacterium prausnitzii.10 Recentemente, foi demonstrado que a insuficiência cardíaca isquêmica está associada a um aumento na abundância de Ruminococcus, Acinetobacter e Veillonella spp. e diminuição na abundância de Alistipes, Faecalibacterium e Oscillibacter spp. Em conjunto, esses estudos apontam para um microbioma mais inflamatório e menos fermentativo em pacientes com doenças cardiometabólicas.2

Uma metanálise, incluindo 54 ensaios clínicos randomizados, demonstrou que a suplementação de probióticos e/ou simbióticos, é capaz de impactar vários fatores relacionados às doenças cardiometabólicas, como peso (WMD: -0,38, IC 95%: -0,63 a -0,12 kg), triglicérides (WMD: -19,08, IC 95%: -27,65 a -10,51 mg/dL), colesterol total (WMD: -10,46, IC 95%: -15,19 a -5,72 mg/dL), LDL (WMD: -4,87, IC 95%: -7,65 a -2,09 mg/dL), HDL (WMD: -2,70, IC 95%: 1,33-4,07 mg/dL), pressão arterial sistólica (WMD: -3,81, IC 95%: -6,24 a -1,38 mmHg) e pressão arterial diastólica (WMD: -2,01, IC 95%: -3,12 a -0,91 mmHg). Na análise de subgrupos, a suplementação de probióticos e/ou      simbióticos resultou em uma mudança maior nos componentes do perfil lipídico de pacientes com DM2.11 Outra metanálise revelou que o consumo de probióticos ou simbióticos pode ser uma intervenção útil para melhorar os resultados cardiometabólicos por meio da redução da inflamação e do estresse oxidativo em pacientes com pré-diabetes e diabetes tipo 2, com diminuição significativa nos níveis de proteína C reativa e fator de necrose tumoral-α, e aumento nos níveis de glutationa, capacidade antioxidante total  e óxido nítrico.12

 

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA)

A disbiose intestinal pode ser um dos vários fatores cruciais na fisiopatologia da esteatose hepática não alcoólica e esteatohepatite não alcoólica (NASH), contribuindo para a endotoxemia portal. Indivíduos com DHGNA apresentam maior abundância de Clostridium, Anaerobacter, Streptococcus, Escherichia e Lactobacillus, enquanto Oscillibacter, Flavonifaractor, Odoribacter e Alistipes spp. são menos abundantes. Por outro lado, a abundância de Proteobacteria, Enterobacteriaceae e Escherichia spp. é elevada em pacientes com NASH.1 Em um ensaio clínico randomizado e controlado, envolvendo 50 pacientes com NASH comprovado por biópsia, os pacientes que receberam Lactobacillus reuteri com goma guar e inulina por três meses, além de aconselhamento nutricional, apresentaram redução da esteatose, perda de peso, diminuição do índice de massa corporal e da circunferência da cintura.13

Mensagens para casa

A microbiota intestinal é capaz de influenciar o metabolismo energético do organismo e modular o eixo cérebro-intestino. Embora haja evidências crescentes que sugerem que os probióticos possam ter benefícios no tratamento da obesidade e outras doenças metabólicas, é importante destacar que ainda há muitas questões a serem resolvidas. Entre elas, estão as cepas específicas de probióticos que são mais eficazes em cada condição, as doses e duração ideais do tratamento, bem como os mecanismos exatos pelos quais os probióticos podem melhorar a saúde metabólica.

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Referências bibliográficas

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